A Tarifa Zero nunca esteve tão próxima de virar realidade em Belo Horizonte. O Projeto de Lei (PL) que autoriza a gratuidade no transporte coletivo por ônibus está prestes a ser votado ainda em primeiro turno no plenário da Câmara Municipal. Caso seja aprovado pelos parlamentares de forma definitiva e sancionado pelo prefeito Álvaro Damião (União Brasil), a capital mineira pode se tornar a maior cidade do país a instituir o passe livre, em todos os dias do ano e para todos os usuários. A expectativa vem mobilizando a sociedade civil. A grande pergunta, no entanto, é: quem vai pagar a conta?
O projeto é visto com enorme receio por alguns setores e parlamentares, que afirmam que o modelo proposto não é sustentável e pode trazer prejuízos à economia do município. Por outro lado, vereadores e movimentos sociais que apoiam a iniciativa garantem que a proposta é viável e que, além dos cidadãos, Prefeitura e empresas podem se beneficiar com a política da tarifa zero. Os dois lados atualmente desenvolvem pesquisas que prometem comprovar seus argumentos, mas, para além das discussões sobre a viabilidade financeira, outros pontos, como a legalidade da medida, também surgem.
Ao longo desta reportagem especial, o BHAZ explica o conteúdo do Projeto de Lei (PL), as justificativas e formas de financiamento que fundamentam a proposta. Em primeira mão, o portal apresenta dados e resultados preliminares de estudos conduzidos por instituições e entidades que se colocam tanto a favor quanto contra. A reportagem também investigou experiências semelhantes, já implementadas dentro e fora de Minas Gerais, e ouviu usuários do transporte, gestores públicos, empresários e especialistas. Um levantamento entre os vereadores também traz um Raio-X sobre o que pensam cada um deles.
A tarifa zero, que pode mudar a lógica da mobilidade urbana, considerada pelos cidadãos o principal problema de BH, está no centro de um debate que envolve não apenas transporte, mas também justiça social, sustentabilidade — inclusive, financeira — e visão de futuro para as cidades. A partir de agora, os próximos capítulos dessa discussão ganham contornos decisivos — e o desfecho pode impactar diretamente a vida de milhões de belo-horizontinos.
O PL da Tarifa
Quando foram candidatos em 2024, os 41 vereadores que hoje compõem a Câmara Municipal já sabiam — ou, ao menos, deveriam saber — o quanto a mobilidade urbana preocupa os moradores da capital. Uma pesquisa da Genial/Quaest, realizada ainda durante a campanha, comprova que transporte e trânsito lideram, na avaliação dos moradores de BH, a lista dos problemas mais graves enfrentados atualmente pela cidade. E as razões são bem conhecidas.
Aliado ao drama dos usuários, enfrentando diariamente atrasos, superlotação, má qualidade do serviço e escassez de ônibus, o histórico recente sobre a gestão do transporte público parece contribuir ainda mais para a insatisfação de quem depende do serviço. São inúmeras as críticas sobre a pouca transparência do custo real do sistema, que, inclusive, já foi alvo de investigações em Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) na própria Câmara.
Agora, com o contrato de concessão das empresas, donas dos coletivos, prestes a vencer em 2028, este parece ser, para muitos vereadores – mas nem todos -, o momento ideal para buscar alternativas ao atual modelo. Nesse contexto, uma das saídas colocadas foi justamente a de implementar a gratuidade no transporte por ônibus, a Tarifa Zero.
“Nossa população paga por um transporte público que é caro, com uma das maiores tarifas do Brasil e um serviço que é de péssima qualidade, com pouca capacidade de ser fiscalizado”, pondera Iza Lourença (PSOL), uma das vereadoras responsáveis pelo PL 60/2025.

Com 10 páginas e 22 autores, o Projeto de Lei da Tarifa Zero (60/2025) começou a tramitar no início da nova legislatura. Na redação original, a justificativa é de que o modelo de financiamento atual dos ônibus em BH sofre, há anos, por sua ineficiência. “O ciclo vicioso da tarifa não é novidade: quanto mais se aumenta a tarifa do ônibus, menos passageiros podem pagá-la, reforçando a necessidade de aumentos tarifários para fechar as contas, o que reduz ainda mais o número de passageiros no transporte público da cidade”, registra o PL.
De acordo com a proposição, há um incentivo para a diminuição da qualidade do serviço prestado, em termos de frequência e estado de manutenção da frota, que acaba também por afastar ainda mais potenciais usuários do sistema. “O modelo com remuneração tarifária incentiva um sistema de pouca qualidade, porque se torna necessário ter ônibus lotados e cortar linhas de horários e lugares pouco lucrativos para que os concessionários lucrem com o serviço”, justificam os autores do projeto.
Atualmente em BH, o transporte público por ônibus é sustentado pela tarifa paga pelo usuário (26,6%), pelo vale-transporte (31,8%) e pelo subsídio repassado pela Prefeitura às empresas (40,8%). Só em 2025, a expectativa é de que devam ser transferidos dos cofres públicos cerca de R$744 milhões às concessionárias.
Desde março de 2023, houve mudança no cálculo de repasse às empresas. Antes, o valor transferido pela Prefeitura levava em conta o número de passageiros. Agora, as concessionárias recebem por quilômetro rodado. Cada quilômetro custa R$10.
Por outro lado, pela legislação brasileira, como já é amplamente sabido, as empresas devem custear a passagem do trabalhador e podem descontar até 6% do valor do salário. Em BH, ao receber o vale-transporte, o usuário paga entre R$2,75 e R$5,75 para ir ou voltar. Com a aprovação do PL da Tarifa Zero, as duas realidades para empregadores e empregados mudariam.
Pela proposta que tramita na Câmara:
> Empresas com 10 ou mais funcionários passariam a pagar uma “Taxa de Transporte Público”, cujo valor seria destinado a um fundo municipal, que já existe.
> Todas elas teriam isenção até sobre o 9º funcionário. A partir do décimo, a ideia é que sejam consideradas diferentes faixas, em que empresas com 20 empregados contribuam por 11, 30 por 19, e assim sucessivamente.
> Em todos os casos, os cálculos apresentados no PL estimam que o empresário teria um custo médio mensal de R$168,82 por trabalhador.
> Não haveria desconto na folha de pagamento. E mesmo empresas que hoje não pagam o vale transporte, por escolha delas ou dos empregados (para não terem descontado o valor de 6%) teriam que pagar a taxa.
“Com isso, o sistema de ônibus de Belo Horizonte passará a ser gratuito para todas as pessoas”, assegura o projeto.
De acordo com o texto, se aprovada, a Tarifa Zero, além de beneficiar as empresas, “uma vez que não haverá custo algum no caso de terem menos de 9 funcionários”, trará ganhos também para cidadãos e Prefeitura. “É esperado aumento do direito à cidade, inclusive com o potencial de existirem mais recursos disponíveis para gastos na economia local, uma vez que as famílias não terão de reservar orçamento para andar de ônibus”, prevê o projeto.
Para a prefeitura, o PL garante que haverá aumento da arrecadação, uma vez que o custo do sistema convencional e suplementar de transporte coletivo por ônibus, de ‘forma conservadora’, hoje é no valor de R$1,486 bilhão. “Já a taxa proposta visa arrecadar R$ 2 bilhões, uma vez que se prevê o aumento da demanda”.
“Há a possibilidade concreta de expansão, melhoria e financiamento total do sistema. A adoção da tarifa zero trará soluções sistêmicas e profundas, de necessidade urgente para a cidade de Belo Horizonte”, finalizam os vereadores.
‘Nada garantido na Câmara ’: apesar de maioria, ainda faltam votos
A tarifa zero ganhou força em 2025 e nunca esteve tão próxima de ser implementada em Belo Horizonte: dos 41 vereadores, 22 (53%) são autores do projeto apresentado em fevereiro na Câmara Municipal. Depois de passar por três comissões, ele agora está à espera de ser analisado pela última, a Comissão de Orçamento e Finanças Públicas, antes de ir a plenário em primeiro turno. A expectativa é que a apreciação por todos os vereadores ocorra no mês que vem.
Pelo número de assinaturas, a situação, em tese, parece resolvida. Seriam necessários apenas mais seis votos, ou seja, 28, um total 2/3 dos vereadores, para que a tarifa zero seja aprovada.
No entanto, embora tenha avançado e conte com boa aceitação da maioria dos parlamentares, há ainda um longo e sinuoso caminho até que seja rejeitado ou aprovado, antes de ir à sanção do prefeito de Belo Horizonte, Álvaro Damião, considerado “peça-chave” nas discussões. Mesmo os parlamentares que assinaram a proposta admitem que pode – e deve – haver mudanças no texto.
Entre vereadores de diferentes correntes ideológicas, o consenso vai até a avaliação de que é urgente discutir as condições precárias e formas de melhorar o serviço de ônibus em BH.
“O transporte é caro, ruim e caótico”, critica Edmar Branco (PCdoB), defensor da tarifa zero. “O grande problema hoje do usuário é um transporte de qualidade que chegue na hora, que tenha segurança e tenha conforto”, defende Fernanda Altoé (Novo), que é contra a tarifa zero.
O consenso, no entanto, termina quando o assunto é a gratuidade ser ou não uma solução para esses problemas. Nesse caso, os parlamentares se colocam em lados (muito) opostos.
“Esse projeto prevê uma arrecadação financeira maior do que a gente tem hoje. Com isso, a gente pode aumentar a circulação de ônibus, tendo mais frota. Outra coisa é que, se a gente tem o empresariado contribuindo, é possível pensar em um conselho para ajudar a fiscalizar desde os horários aos contratos com as empresas, porque essa fiscalização hoje fica com a Prefeitura”, defende Iza Lourenço (PSOL).
“Eu vejo que é um projeto que entrou com muito ‘oba-oba’ e não resolve o problema. Não tem estudos técnicos, está se falando em cima de populismo. Todo esforço que a gente teve na CPI da Caixa Preta da BHTrans e até hoje não se responde quanto deveria ser a tarifa. O ideal é colocar as energias realmente para um contrato mais redondo para 2028”, argumenta Braulio Lara (Novo).

Iza e Bráulio representam visões bem distintas sobre os vários aspectos em torno do projeto da Tarifa Zero que passam, entre outros pontos, pela legalidade, os impactos econômicos e as reais chances de que a medida seja realmente aprovada.
Bráulio admite que a tendência é de que ele vote contra. De acordo com o parlamentar do Partido Novo, é preciso antes saber qual o custo do sistema de ônibus, hoje uma “incógnita”. “Partindo dessa premissa, você teria uma insegurança muito grande de fazer qualquer alteração no sistema de ônibus, instituir uma tarifa zero e, de repente, ter um mega rombo nas contas públicas”, diz o parlamentar.
Iza acredita que, aprovando o projeto, a cidade toda ganha, inclusive, o setor produtivo. “Os empresários vão poder contratar mais trabalhadores, isso vai gerar na nossa cidade mais trabalho, vai gerar emprego formal, também vai ter mais gente circulando nas ruas, podendo fomentar o comércio de Belo Horizonte”, aposta a vereadora do PSOL.
As discussões seguem na Câmara e prometem esquentar no segundo semestre, quando se aproximam as votações definitivas em plenário. “O projeto é assinado por 22 vereadores. Então, nós já temos a maioria. Só que, ao mesmo tempo, nós precisamos de 28 votos. Então, não está ganho”, admite Iza.
O grande número de assinaturas dadas ao projeto, logo no início do mandato, segundo Bráulio, é uma “peculiaridade”. Ele acredita que muitos não tinham pensado sobre “todos os aspectos que envolvem essa decisão”. Embora acredite que, até pela quantidade de autores, o projeto chegue ao plenário, mas avalia que “não é o momento de ser aprovado”.
“Eu acredito que ele vá a plenário em breve, provavelmente, em agosto. Mas penso que o ideal como um todo é se debruçar mais nessa reestruturação do contrato de concessão de ônibus que vai se dar em 2028. Talvez seja o momento de discutir o financiamento do sistema e não agora em 2025, diz.
De acordo com Iza, a análise do projeto até agora anima os apoiadores. “Nós vimos uma tramitação tranquila. Estamos conversando com os demais vereadores. Tivemos poucas manifestações contrárias, o que nos deixa entusiasmados de que vamos conseguir aprovar em primeiro turno em breve”.
Críticas, mudanças e alternativas
Aprovada já em três comissões, a Tarifa Zero avançou com certa facilidade aqui, mas mesmo quem deu parecer favorável, criticou a proposta na sua forma original, indicando que embates devem ocorrer.
Logo de início, na primeira comissão, de Legislação e Justiça (CLJ), a relatora Fernanda Altoé (Novo), que é contra a medida “neste momento” e “da forma como está”, apresentou emendas para retirar a taxa de contribuição das empresas, por considerá-la “inconstitucional e ilegal”.
Embora acredite na implementação da tarifa zero “futuramente, por meio de um plano nacional”, Altoé avalia que a taxa incorre em um erro já reconhecido, em projeto parecido no estado de São Paulo, pelo Tribunal de Justiça (TJSP).
“Não tem como a gente falar na criação de uma taxa que você não determina quem é o contribuinte, porque uma taxa é quando você pressupõe um poder de polícia ou um serviço público que é posto à disposição ou é utilizado por um contribuinte específico. E, no caso desse projeto de lei, quem paga a taxa, que é a empresa, não é o usuário que vai utilizar essa atividade estatal”, avalia.
Relator do projeto na segunda comissão, a de Mobilidade Urbana, Comércio e Serviços, Lucas Ganem (Podemos), que se diz favorável à implementação da política da tarifa zero, também se posicionou contra a criação de taxas destinadas ao custeio do transporte gratuito. Em seu parecer, indicou um substitutivo em que propõe que o financiamento seja público.
“As fontes poderão incluir [entre outros meios] receitas extra tarifárias decorrentes da exploração comercial de espaços nos veículos, estações, terminais e pontos de ônibus e subsídios oriundos de convênios com entes federativos e organismos nacionais ou internacionais de fomento” , indicou em seu voto.
Iza Lourenço (PSOL) acredita que, sem a taxa de contribuição das empresas, a tarifa zero seria “inviável”, uma vez que, de outra forma, a Prefeitura teria que arcar com a gratuidade com recursos próprios, o que tornaria a despesa com transporte a maior de todas, à frente, inclusive, de saúde e educação.
“Hoje, o subsídio dado aos empresários de ônibus já é a terceira maior despesa da prefeitura. Não é viável. Todos precisam ajudar a custear o transporte. A viabilidade de tarifa zero numa capital do tamanho de BH está na contribuição que as empresas também podem dar para a cidade”, diz.
Sobre a inconstitucionalidade da taxa imposta aos empresários, Roberto Andrés, urbanista e professor da UFMG, que apoia o projeto, reconhece que esse tipo de cobrança gera embate jurídico, mas acredita em uma inversão no cenário por dois motivos.
“Em matéria de legalidade, acho que todo mundo está bastante tranquilo. Têm duas decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF) que validam taxas similares. A decisão que tornou constitucional a taxa da coleta de lixo, e, outra, de maio deste ano, que considerou constitucional a taxa do Corpo de Bombeiros”, diz.
De acordo com Andrés, especialistas em Direito Tributário consideram que são tipos de taxa muito similares aos de transporte público. “Então, o nosso entendimento jurídico é que se o assunto for para o STF, a decisão vai ser favorável à taxa”, explica.
Outra aposta do professor é na aprovação do Marco Legal do Transporte Público, em análise no Congresso Nacional, aprovado no Senado e em tramitação na Câmara Federal.
“Um dos artigos dele diz que o poder público municipal pode cobrar taxa para financiamento do transporte, inclusive de pessoas jurídicas. Quando esse Marco Legal for aprovado, essa dúvida vai acabar de vez”, avalia.
Na terceira Comissão em que foi analisado, de Administração e Segurança Pública, o projeto não teve parecer apresentado pelo relator vereador Juninho Los Hermanos (Avante) e seguiu de forma automática para a comissão seguinte, de Orçamento e Finanças, onde conta com a relatoria da vereadora Marcela Trópia (Novo).
Ao BHAZ, Tropia diz que está elaborando um parecer técnico e que, neste momento, cabe à comissão analisar a proposta “sob a ótica orçamentária e financeira”, sem “emissão de opiniões políticas”.
“O parecer encontra-se em fase de levantamento de dados e depende, inclusive, de informações da Prefeitura, como a real disponibilidade orçamentária para sustentar a proposta, análise de impacto econômico da criação de nova taxa para empresas e outras questões técnicas de viabilidade. O tema está sendo tratado com responsabilidade e compromisso com o bom uso dos recursos públicos”, garante Tropia (Novo).
Outro ponto colocado pelos críticos diz respeito ao metrô de BH. Caso a tarifa zero seja aprovada, a aposta é que haja um “imbróglio” criado, uma vez que, no entendimento de alguns vereadores e entidades, é possível que a gratuidade em apenas um tipo de transporte seja contestada.
“Tecnicamente falando, se Belo Horizonte aprovar a tarifa zero, tem que fazer no metrô do mesmo jeito. O usuário, na verdade, passa a poder transitar em qualquer modal, ao mesmo tempo, a prefeitura teria que bancar todos os trens, todos os ônibus, todas as bicicletas elétricas funcionando. Ou seja, é você pensar de uma forma integral. ”, diz Bráulio Lara (Novo).
O urbanista Roberto Andrés diz que não há “cabimento” em imaginar que o metrô obrigatoriamente precisará contar com uma tarifa zero, uma vez que isso não está previsto em nenhuma legislação.
‘O metrô não é da PBH. É gerido pelo governo do Estado. Tem uma tarifa altíssima que expulsa a população. Com certeza a Tarifa Zero nos ônibus de BH vai pressionar o Estado e prover um serviço melhor de metrô e uma tarifa mais baixa. A população vai se beneficiar”, aposta o especialista.
Quando questionada sobre os impactos que a tarifa zero traria, inclusive com uma migração do usuário e um possível prejuízo a um serviço hoje privatizado, Iza entende que “nada mais tira usuários do metrô do que a alta do preço da passagem”, a última no dia 1º de julho .
“Quando eu era metroviária, quando eu vendia bilhetes no metrô, na época que eu era funcionária da CBTU, a tarifa era R$ 1,80 e o metrô transportava cerca de 200 mil pessoas por dia. Hoje, a tarifa tá 5,80. Antes desse último aumento, o metrô estava transportando cerca de 70 mil. Ou seja, teve uma queda muito grande, porque essa tarifa é impraticável para as pessoas”, diz
Em nota, o Metrô BH informou, à época, que o Governo de Minas, por meio da Secretaria de Estado de Infraestrutura, Mobilidade e Parcerias (Seinfra), autorizou o reajuste de preço da tarifa do metrô e que a atualização de 5,45% do valor segue os índices inflacionários e está prevista no contrato de concessão.
Por fim, um ponto de atenção é sobre a realidade de BH como cidade metropolitana, em que muitos empregados são contratados por empresas da capital e muitos moradores da capital trabalham em cidades vizinhas.
“Nós vamos ter que pensar como que na regulamentação desse projeto a gente não onera esse empresário duas vezes. Mas acreditamos que isso é um assunto que pode ser resolvido facilmente na regulamentação do projeto. Por exemplo, pode ter um desconto na taxa”, sugere Iza.
Papel da Prefeitura
Para os parlamentares, a Prefeitura terá um papel importante, tanto na articulação e convencimento dos votos que ainda restam conseguir, quanto na redação final do texto, para se chegar a uma “versão ideal”, antes que seja analisado e sancionado (ou não) pelo prefeito Álvaro Damião (União Brasil).
Juliano Lopes, presidente da Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH), reitera que a discussão feita na Casa também passa por entender o que pensa o Executivo. “Esse debate tem que ser feito juntamente com a prefeitura, que precisa colocar o seu ponto de vista em relação à forma de pagamento, como é que será feito o custeio desse projeto”, diz.
“A própria prefeitura também tem que se posicionar. Eu acredito que vai ter ainda bastante discussão. Eu vejo que é um projeto em que não se combinou, de fato, o jogo com quem o opera e com quem administra a cidade. Era bom que primeiro ouvissem a opinião do próprio prefeito.”, endossa Braulio Lara.
Até agora, o prefeito Álvaro Damião tem evitado dar declarações sobre o tema, já que o projeto ainda está nas mãos do Poder Legislativo. O BHAZ solicitou uma entrevista com o prefeito de Belo Horizonte, mas a assessoria informou que ele não iria falar. Durante participação em seminário na Escola de Arquitetura da UFMG, Gustavo Fonseca de Oliveira, diretor de planejamento e economia dos transportes da Superintendência de Mobilidade de Belo Horizonte (Sumob), expôs que o mais preocupante seria o aumento da demanda de passageiros e a necessidade de mais recursos financeiros, materiais e pessoais com a implementação da tarifa zero.
Iza Lourença, no entanto, esclarece que já foram feitas reuniões com chefes de alguns dos órgãos do Executivo para dialogar sobre o projeto. Ela admite que, os votos de outros parlamentares e a aprovação do PL vão, de fato, depender de um apoio do governo, de orientar a base e, depois, sancionar e regulamentar.
“Foram conversas interessantes, porque [os secretários] entendem que a prefeitura tem um problema, que é o tamanho do subsídio. Hoje, quase 40% do custo do transporte é pago pela PBH. E a tendência é que isso aumente, para que a passagem não chegue a preços absurdos”, avalia.
Iza diz que a própria Prefeitura entende a situação do transporte e está buscando alternativas. “E nós chegamos com essa alternativa. Há uma disposição em contribuir para a gente aprofundar os estudos e com os dados que a gente precisa para tornar esse projeto viável”, diz.
Bráulio, no entanto, recomenda que Damião barre o projeto. “Eu não sei [qual deve ser o posicionamento do prefeito], mas, se ele realmente for uma pessoa que tem bastante consciência de que ele não pode manobrar o orçamento de forma irresponsável, eu acredito que ele vai recomendar não aprovar o projeto”, diz.
Presidente da Câmara Municipal e responsável por marcar a votação do projeto em plenário, Juliano Lopes elogia a iniciativa da tarifa zero, mas diz que aguarda as emendas que podem vir a ser colocadas ao texto e que algumas questões ainda precisam ser respondidas, inclusive pela PBH.
“É um projeto interessante, as pessoas terão acesso ao transporte gratuito, poderão se movimentar mais nos centros comerciais. Mas ainda não está claro como será feita a forma de pagamento para as despesas de custeio e o impacto na folha de pagamento”, diz.
O que pensam os vereadores
Nas últimas semanas, o BHAZ tentou contato com todos os vereadores para saber o que pensa cada um deles a respeito do Projeto da Tarifa Zero. Foram identificados 34 posicionamentos sobre o tema, levados em conta a partir das assinaturas ao Projeto de Lei, das respostas enviadas à reportagem, de declarações à imprensa e durante as audiências e, ainda, dos votos nas chamadas comissões de mérito.
Sete vereadores (Professora Marli, Flávia Borja, Vile, Juninho Los Hermanos, Bruno Miranda, Marilda Portela e Claudio do Mundo Novo) não responderam aos pedidos de posicionamento ou não foram encontradas declarações claras sobre o assunto. Vile votou pela aprovação do parecer na Comissão de Legislação e Justiça (que inclusive aponta inconstitucionalidade sobre a taxa de contribuição), mas essa é considerada uma comissão técnica, que não analisa o mérito. O espaço segue aberto.
Dos 34 vereadores, 25 se mostraram favoráveis à aprovação, enquanto 4 são contrários (Braulio Lara, Fernanda Altoé, Pablo Almeida, que se posicionou contra o parecer aprovado na Comissão de Mobilidade, e Uner Augusto). Outros 5 parlamentares ainda estão “analisando” a proposta ou responderam que não vão se posicionar (Marcela Trópia, Juliano Lopes, José Ferreira, Sargento Jalyson e Maninho Félix).
Em muitos desses casos, no entanto, o posicionamento do parlamentar não significa apoio (ou rejeição) incondicional ao PL, nem tão pouco adesão (ou rejeição) automática e integral. Os que estão “analisando” o projeto, por exemplo, veem com bons olhos a discussão, mas levantam questões que “precisam ainda serem discutidas e respondidas”.
“É uma ideia que precisa ser muito bem trabalhada para não ter efeito econômico contrário. Colocar o custo do transporte nas costas de quem gera emprego não me parece algo que trará resultado positivo, pois, no final, esse custo da “gratuidade” sempre volta para o cidadão em forma de aumento de preço de mercadorias”, pondera Sargento Jalyson (PL).
Demonstrando logo de partida a força de adesão à proposta, o projeto que começou a tramitar em fevereiro deste ano na Câmara foi assinado por 22 vereadores: Iza Lourença, Arruda, Cida Falabella, Cleiton Xavier, Diego Sanches, Dr. Bruno Pedralva, Dra. Michelly Siqueira, Edmar Branco, Helton Junior, Irlan Melo, Janaina Cardoso, Juhlia Santos, Leonardo Ângelo, Luiza Dulci, Neném da Farmácia, Osvaldo Lopes, Pedro Patrus, Pedro Rousseff, Rudson Paixão, Tileléo, Wagner Ferreira e Wanderley Porto.
Embora não façam parte do grupo dos 22 vereadores autores do projeto, três parlamentares se agradam da ideia de um transporte gratuito e são favoráveis à proposta: Lucas Ganem, Loíde Gonçalves e Helinho da Farmácia) .
“A proposta da tarifa zero é um desejo antigo da cidade e seria ótimo se conseguíssemos tirar isso do papel. No momento, seguimos acompanhando as conversas, buscando viabilizar essa e outras medidas que possam melhorar o transporte público em BH. A expectativa é de que a gratuidade possa se tornar realidade”, diz Loide Gonçalves (MDB)
“A medida tem o poder de impactar positivamente na mobilidade urbana do nosso município. No entanto, alguns pontos do projeto necessitam ser melhor elucidados e estudados, principalmente no que diz respeito ao pagamento da taxa pela indústria e comércio”, destaca Helinho da Farmácia (PSD).
Há casos em que mesmo autores do projeto de lei pregam cautela sobre a decisão e indicam que devem levar em conta os próximos passos antes de decidir pelo texto final.
“Precisamos ir além da euforia. Não basta aprovar com rapidez apenas para gerar manchetes ou curtidas. Uma proposta dessa magnitude exige seriedade, responsabilidade e compromisso com a cidade. É fundamental garantir sua constitucionalidade, viabilidade financeira e a qualidade do serviço público prestado”, defende Michelly Siqueira (PRD)
“Antes de qualquer aprovação, precisamos aguardar os estudos técnicos finais para entender se a Prefeitura tem condições reais de sustentar os custos do projeto sem comprometer outros serviços essenciais”, explica Cleiton Xavier (MDB)

Dos quatro vereadores que se posicionaram contra, o principal argumento é a inconstitucionalidade do projeto e as ameaças que a tarifa zero, da forma como está colocada no projeto, representa aos setores empresariais da cidade.
“O projeto não representa uma gratuidade real, mas sim uma transferência do custo para toda a população, inclusive para quem sequer utiliza o sistema, por meio de um subsídio bilionário e da criação de uma contribuição específica a ser paga pelos pequenos, médios e grandes empresários da cidade”, defende Uner (PL).
Dos 25 que se posicionaram a favor, incluindo os 22 autores, as justificativas sobre justiça social e direito à cidade predominam.
“A gratuidade representa um passo decisivo na redução das desigualdades sociais, permitindo que milhares de trabalhadores, estudantes e famílias tenham acesso pleno à cidade, independentemente de sua renda”, defende Wagner Ferreira (PV)
A reportagem apurou que há, entre alguns vereadores, um sentimento de que é necessário primeiro “sentir a temperatura” e avaliar se e como o projeto deve avançar. Por isso, muitos acham que ainda é cedo para se “desgastar” com os empresários e a opinião pública.
“Mexe com interesses econômicos de gente muito poderosa, muito importante, mas, ao mesmo tempo, há uma pressão popular, um clamor que nunca se viu antes pela aprovação da tarifa, por isso, muitos vão esperar”, aposta um dos vereadores que já tem voto definido.
Outras cidades inspiram BH
No Brasil, cerca de 130 cidades oferecem a tarifa zero no transporte público coletivo. Os modelos adotados têm diferenças que vão desde a forma de financiamento ao tipo do serviço contemplado e a quantidade de passageiros beneficiados. Para Belo Horizonte, olhar essas experiências é inspirador, mas, em todos os casos, há peculiaridades importantes que críticos e especialistas defendem que precisam ser consideradas e adaptadas à realidade da capital mineira.
Entre as capitais, Teresina, no Piauí, com mais de 900 mil habitantes, é hoje a única a oferecer a gratuidade. Embora apenas para o serviço de metrô, o benefício é universal, ou seja, para todos os usuários, durante todos os dias. Já São Paulo, a maior metrópole do Brasil, não entra na lista, porque oferece o passe livre apenas aos domingos, dia com uma demanda muito menor. Entre as experiências similares ao modelo de BH, Caucaia, no Ceará, com 355 mil habitantes, é a maior cidade do país.

Distante 2.354 quilômetros e com uma população 500% menor do que BH, o município da Grande Fortaleza oferece o serviço de ônibus gratuitamente desde 2021. Por meio de um fundo com recursos vindos das empresas, a Prefeitura repassa às concessionárias um valor. O programa “Bora de Graça” tem um custo de R$ 3,7 milhões mensais, cerca 2,5% do orçamento municipal.
A Prefeitura diz que o novo modelo fez aumentar de 18 para 90 mil o número de passageiros, demonstrando que muitos “não usavam a frota porque não tinham dinheiro”. O resultado, segundo relato feito a uma comitiva de Curitiba, cidade que também estuda implementar a tarifa zero, foi “mais gente circulando e comprando no município”.
“O comércio e o setor de serviços registraram um aumento de 25% no faturamento. A arrecadação do município também aumentou 25%”, informou a administração, de acordo com informações que constam no Portal da Câmara Municipal da capital paranaense.
Três anos depois, o modelo em Caucaia já sofre problemas. No final do ano passado, a empresa responsável chegou a anunciar o fim da tarifa zero, por atrasos nos repasses e uma dívida de cerca de R$ 14 milhões. A Prefeitura, à época, se manifestou, garantindo a continuidade. Atualmente, a gestão anterior acusa a nova de “esvaziar” o programa, reduzindo os valores repassados e diminuindo o número de linhas.

São Caetano do Sul, no ABC paulista, com 165 mil habitantes, é também outra cidade que implantou a tarifa zero. O projeto entrou em vigor em 2023 e é custeado por um Fundo de Apoio ao Transporte (Fatran) da prefeitura. O dinheiro vem da exploração de ações publicitárias no sistema de transporte, da arrecadação de multas de trânsito e de recursos previstos no Orçamento relacionados à mobilidade urbana e às políticas de meio-ambiente.
Em entrevista ao BHAZ, Marcelo Pante, gestor de mobilidade na Secretaria de Mobilidade de São Caetano do Sul (Semob), conta que, desde o início, o número de passageiros quadruplicou, passando de 22 mil para 80 mil por dia. Para ele, esse aumento é reflexo de uma demanda reprimida, sem que muitas pessoas tivessem acesso ao sistema.
“Houve aumento da oferta de linhas em 35%. A qualidade dos ônibus também melhorou, porque as empresas, em geral, não têm capacidade sozinhas de renovação da frota. Além disso, verificamos uma mudança no comportamento do trânsito médio, com a diminuição do número de carros nas vias públicas”, conta.
Marcelo admite que, em modelos como o adotado pelo município, é necessário remanejamento do orçamento para viabilizar a iniciativa. “É sempre um desafio orçamentário. Você tem uma decisão que é sempre política de priorizar determinados programas. Você faz uma opção para lutar pelo Tarifa Zero, assim como você faria por outros programas sociais ou de saúde”, disse.
Pante defende que o Tarifa Zero precisa ser adaptado às realidades orçamentárias de cada cidade, além de ser importante considerar os perfis territorial e demográfico do município. Em Belo Horizonte, o PL prevê a criação de uma Taxa do Transporte Público (TTP) cujo valor será transferido ao Fundo Municipal de Melhoria da Qualidade e Subsídio ao Transporte Coletivo (FSTC). Pela proposta, empresas com 10 ou mais funcionários pagariam uma taxa por cada funcionário e deixariam de arcar com vale-transporte para os empregados.
“Tem que ter decisão, coragem de tocar para frente esse projeto e estudar muito. Tem que ter muita base científica, metodológica e conhecer as experiências para não ser pego de surpresa”, aconselha Marcelo.
A realidade distinta dos municípios é uma das razões colocadas em cheque pelos críticos sobre a adoção da tarifa zero em BH. O vereador Bráulio Lara (Novo) defende que a cidade tem uma uma mecânica financeira muito maior.
“Cidades que já conseguiram dar esse passo são municípios menores ou que recebem grandes royalties dentro do seu tesouro municipal para conseguir bancar o negócio. Não é o caso de Belo Horizonte. R$ 1 bilhão a mais ou a menos no orçamento vai fazer diferença e isso pode atrapalhar”, diz.
Já os apoiadores acreditam que é justamente essa matemática proposta em BH, que leva em conta a contribuição de todos os empresários com mais 10 funcionários, que pode fazer com que a cidade seja um modelo para outras. De acordo com Iza Lourenço, em recente encontro com o secretário nacional de Mobilidade Urbana do Ministério das Cidades, Denis Andia, o projeto foi visto com “bons olhos”.
“O próprio Ministério está com um projeto no Congresso Federal para que as cidades tenham tributos para poder custear o transporte. Eles acreditam que pode ser um modelo para as demais cidades. Saímos de lá muito confiantes que BH pode ser a primeira capital do Brasil a instituir o ônibus gratuito”, conta Iza Lourenço (PSOL).
Tarifa Zero – 10 maiores municípios brasileiros
Cidade | Estado | População | Ano | Transporte |
Teresina | PI | 902.644 | 2025 | Metrô/VLT |
Caucaia | CE | 375.730 | 2021 | Ônibus |
Canoas | RS | 359.554 | 2024 | Ônibus |
Magé | RJ | 244.092 | 2025 | Ônibus |
Itaboraí | RJ | 240.040 | 2025 | Ônibus |
Luziânia | GO | 218.872 | 2023 | Ônibus |
Maricá | RJ | 211.986 | 2014 | Ônibus |
Ibirité | MG | 178.713 | 2023 | Ônibus |
São Caetano do Sul | SP | 172.109 | 2023 | Ônibus |
Itapetininga | SP | 163.774 | 2023 | Ônibus |
A tentativa de Juiz de Fora
Belo Horizonte não está sozinha no esforço em aprovar uma tarifa zero. Em Minas Gerais, Juiz de Fora, a quarta maior cidade do estado, também avalia um modelo de gratuidade no transporte por ônibus para seus 540 mil habitantes.
Em junho deste ano, a prefeita Margarida Salomão (PT) enviou para a Câmara um projeto para também zerar o preço do ônibus coletivo. A proposta está em análise no Legislativo e, caso aprovada, o município será o primeiro do Brasil com mais de meio milhão de habitantes a ter o benefício.
Na cidade da Zona da Mata, o sistema atual de transporte é custeado pelos usuários por subsídios públicos. O município já deu um passo em direção à gratuidade, oferecendo isenção aos domingos e para estudantes. Segundo a prefeitura, os grupos beneficiados representam 36% dos passageiros. Somente o projeto do fim de semana causou um aumento de fluxo de 14%, de acordo com os dados oficiais.

A ideia de Margarida Salomão é que o modelo seja muito similar ao proposto por Belo Horizonte, com um fundo municipal que passe a arcar com todo o transporte de passageiros. O financiamento será feito por taxas pagas por empregadores, tanto públicos quanto privados. O valor será proporcional ao número de funcionários e quem tiver menos de 10 colaboradores ficará isento.
“A arrecadação estimada, com base no valor da tarifa técnica de R$250,00, será suficiente para custear a operação e ainda gerar impactos econômicos positivos, como aumento do consumo, dos investimentos e da geração de empregos. Até 2040, o fundo deve devolver à economia local R$1,7 bilhão a mais do que o seu custo, tornando-se cada vez mais eficiente em relação ao PIB municipal”, explicou ao BHAZ a chefe do Executivo municipal, sem revelar o custo atual do serviço.
“O custo total do sistema será calculado com base no número de trabalhadores, nos deslocamentos realizados e no valor da tarifa técnica mensal. O valor médio estimado foi de R$250, mas este montante está sujeito a flutuações. Mas de qualquer forma, um modelo que garante previsibilidade orçamentária e capacidade de planejamento de longo prazo”, completou Margarida Salomão.
Ibirité, bem do lado
O que grandes cidades como BH e Juiz de Fora sonham, 33 cidades em Minas Gerais já têm. Esse é o número de municípios que contam com tarifa zero no estado. Ibirité, na região metropolitana e que faz limite com a capital mineira, é a mais próxima a adotar o passe livre.
Assim como em outras cidades vizinhas, como as grandes Contagem e Betim, é possível transitar entre o município e BH sem ao menos ‘perceber’. No entanto, diferente das outras, Ibirité guarda um estilo de cidade pacata: moradores que se conhecem por nomes e apelidos, comércios locais famosos em toda a cidade, ruas menores, onde crianças ainda brincam sem muita preocupação.
A cidade, com pouco mais de 170 mil habitantes, implantou a tarifa zero em janeiro de 2023. O BHAZ esteve na cidade para conversar com os usuários e gestores públicos sobre a gratuidade do transporte por ônibus.

Ponto de chegada e partida para muitos moradores, o terminal central é digno de uma cidade bem estruturada. Recém-reformado, com boa pintura, bancos e grades de segurança, conta com uma catraca, mas que não é usada. Nenhuma placa indica, mas os moradores já sabem o ritual: todos entram por um portal de grade lateral, que está sempre aberto: nada ilegal e sempre na frente de todos. Aqui ninguém precisa pagar tarifa de ônibus municipal. O coletivo é gratuito para todo mundo. Seja morador ou não, é só chegar e usar.
Quando foi proposta a tarifa zero pelo ex-prefeito William Parreiras (Avante), a passagem custava R$ 5,80 e não tinha subsídio público. O custo era pago 100% pelos passageiros e empregadores. A título de comparação, a capital mineira, com 2,3 milhões de habitantes, tinha, à época, um bilhete de R$4,50, valor mais baixo em função da complementação paga pela Prefeitura.
Segundo Parreiras, a ideia de zerar a tarifa em Ibirité foi uma aposta para promover o bem-estar social e movimentar a economia local, em um ‘efeito em cadeia’.
“Aqui é uma cidade carente. Tinha gente que deixava de tomar um remédio porque não tinha como ir ao posto de saúde porque era longe e não tinha condições de pagar a passagem. Com a tarifa zero, eu viabilizei a facilidade da pessoa ir buscar o remédio e ir a consultas. É uma questão de humanidade”, comenta.
Na outra ponta da lógica adotada pelo político estão as finanças. Garantindo uma mobilidade acessível para os moradores, ele também pretendia aquecer os negócios da cidade de duas maneiras. A primeira, fidelizando clientes.
“Ibirité é muito perto de Belo Horizonte. Com praticamente o mesmo valor da passagem, o morador da nossa cidade chegava até o Barreiro, em BH, e acabava fazendo compras por lá mesmo. Então, deixava de gastar dentro de Ibirité”, detalha Parreiras o problema que buscou solucionar.
Além de aumentar o fluxo de clientes, a proposta era garantir mais disponibilidade de capital para investimentos nas empresas, já que os contratantes não teriam mais o custo de transporte dos trabalhadores.
Diferente do que vereadores estão propondo adotar em Belo Horizonte, Parreiras optou por um modelo de financiamento 100% municipal. A prefeitura assumiu todo o custo da operação, mas manteve uma empresa que opera o serviço. Ficou definido em contrato que o município pagaria, inicialmente, cerca de R$5 por quilômetro rodado.
“O município tinha um número muito alto de funcionários. Só o nosso vale-transporte pagava entre 60% e 70% do custo da empresa de ônibus. Então, eu decidi custear os 30%, 40% restantes para ter o ônibus gratuito. Por outro lado, a gente ganha do lado comercial, já que os comerciantes também não precisam mais pagar passagem. Eles também passam a dar preferência aos funcionários da cidade, então, a gente também gera emprego”, comenta.
Embora a tarifa já seja zero há dois anos e meio em Ibirité, nem a gestão de Parreiras e nem a nova administração de Dinis Pinheiro (Republicanos) ainda têm dados concretos sobre o reflexo do projeto na economia local. Apesar disso, ambas administrações garantem que, no “boca a boca”, a percepção é de resultados positivos.

Fábio Gomes, secretário de Governo da atual gestão, é, inclusive, bastante incisivo na avaliação: “não dá para voltar atrás em um projeto como este. Ele ajuda muito a população”.
O chefe da pasta, no entanto, acredita que o modelo de financiamento precisa ser revisto. Uma das possibilidades ainda analisadas é uma contribuição das empresas, assim como foi proposto em BH. Segundo Gomes, o serviço custa hoje cerca de R$1,1 milhão por mês para o cofre municipal. Em um ano, o valor representa 2,5% de todo orçamento da cidade.
“A gente não tem estudos sobre isso ainda. Estamos fazendo estudos. É tudo muito embrionário, mas a gente tem que buscar soluções para melhorar a tarifa zero. Para melhorar o serviço, colocar ônibus com ar-condicionado, ônibus novos para atender a população e com o menor custo possível. Essa é a intenção”, explica.
Tarifa Zero – 10 maiores municípios mineiros
Cidade | Estado | População | Ano | Transporte |
Ibirité | MG | 178.713 | 2023 | Ônibus |
Ituiutaba | MG | 106.397 | 2023 | Ônibus |
São João del Rei | MG | 94.062 | 2025 | Ônibus |
Mariana | MG | 64.058 | 2022 | Ônibus |
Pirapora | MG | 57.543 | 2022 | Ônibus |
Campo Belo | MG | 53.943 | 2019 | Ônibus |
Lagoa da Prata | MG | 53.583 | 2021 | Ônibus |
Leopoldina | MG | 52.696 | 2023 | Ônibus |
Monte Carmelo | MG | 49.354 | 1994 | Ônibus |
São Lourenço | MG | 46.653 | 2022 | Ônibus |
Avaliação dos passageiros
Ana Célia Oliveira, de 30 anos, está desempregada. Mas a última ocupação que teve foi de diarista. Foram várias as vezes em que a moradora de Ibirité não conseguiu fazer um trabalho por falta de dinheiro para pagar o transporte.

“Com isso eu deixava de ir e perdia o dia [valor da diária], que eu estava precisando. Agora facilitou muito”, conta enquanto aguarda um ônibus no terminal. A facilidade, segundo a doméstica, veio com a gratuidade da tarifa.
A presença dela no transporte coletivo se tornou muito mais frequente nos últimos dois anos e meio. As viagens, que eram somente em casos de ‘extrema necessidade’, passaram a ser rotineiras e para diferentes locais da cidade.
“Eu usava menos porque o preço da passagem não era muito agradável. Eu já deixei de ir a consultas médicas ou de ir a um comércio maior para comprar algo porque, às vezes, o dinheiro que eu tinha era a conta da compra”, relembra sobre as dificuldades.
Ela não é a única a reconhecer a contribuição social do benefício. Sentada em um dos bancos, a aposentada Antônia Lúcia Alves, de 60 anos, se lembra de quando precisava caminhar quase uma hora entre o bairro Palmeiras B e o Centro da cidade.
Na rotina antiga, ela, que trabalhava em BH, aproveitava a viagem já paga à capital mineira para resolver assuntos do dia a dia. “Eu fazia tudo em BH. Agora faço compras, pago contas e uso o hospital de Ibirité”, celebra. “Inclusive, acabei de pagar todos os impostos em uma lotérica aqui do Centro”, completa.
A tarifa zero, no entanto, não trouxe todas as melhorias que os usuários esperavam. Passageiros relatam que o serviço precisa de melhorias. Dentre as principais reclamações ouvidas pelo BHAZ, está sobre o número de linhas.
“De manhã é muito cheio. Mesmo tendo escolares, os jovens preferem vir aqui e eles não dão preferência. Tem dias que eu preciso esperar 40 minutos para o ônibus chegar e a minha linha não funciona aos domingos. Antes de ter a tarifa gratuita a gente vinha tranquila”, critica a aposentada Fátima de Souza. “Mas não acho que tem que tirar, porque tem muita gente que precisa”, se apressa em completar.
Os dados oficiais confirmam um aumento da demanda. Segundo o ex-prefeito William Parreiras, somente durante a gestão dele, o número de passageiros dobrou. Na época, a prefeitura reagiu e aumentou o número de veículos de 18 para 24, distribuídos em 16 linhas. Ação que, naturalmente, aumentou os custos para o município.
Assista abaixo uma viagem em um ônibus gratuito de Ibirité:
Legalidade e perdas econômicas preocupam empresários
Maior interessado e já prevendo impactos, o setor produtivo não esconde a preocupação sobre as decisões em torno da implementação de uma tarifa zero em Belo Horizonte. Pela proposta que tramita na Câmara Municipal, sairia dos cofres das empresas o dinheiro para financiar o fundo de onde será custeada a gratuidade da passagem. Enquanto o projeto segue avançando no Legislativo, as entidades pregam cautela e realizam pesquisas que preveem “dias difíceis”.
A Fiemg (Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais) elaborou um estudo para tentar entender o impacto econômico da adoção da tarifa zero nas cidades. A pesquisa realizada no mês de junho não foi divulgada na íntegra, por se tratar de um documento, por enquanto, de “avaliação interna” da instituição. Mas, ao BHAZ, a entidade forneceu alguns dados que justificariam “certa preocupação”.

Thiago Rodrigues, gerente de assuntos institucionais, afirma que os cenários avaliados não se mostram positivos. O especialista explica que três motivos levam à avaliação. O primeiro ponto diz respeito à constitucionalidade da Taxa do Transporte Público (TTP) para financiar a gratuidade.
A Fiemg entende que cobrar uma taxa por “um serviço público que não é serviço público obrigatório” é inconstitucional. Para o estado cobrar uma taxa, na avaliação da entidade, essa taxa ‘precisaria ter uma contraprestação efetiva’.
“Quando a gente vai tirar a carteira de motorista, a gente paga uma taxa. Seria o mesmo caso de eu pressupor que todo mundo vai tirar a carteira de motorista e criar uma taxa específica para que a indústria banque todo mundo para ter a carteira de forma gratuita. Não posso pressupor que todo mundo vai usar o transporte”, exemplifica Rodrigues.
A preocupação é endossada pela CDL-BH (Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte). Marcelo Souza e Silva, presidente da entidade, avalia a criação da tarifa zero como “bem intencionada”, mas também entende o risco de que ela seja “inconstitucional”.
“Minha grande preocupação é a insegurança jurídica. Imagine criar a taxa e falar que não existe mais o vale-transporte. Depois, precisam voltar atrás e mandar as empresas pagarem o vale-transporte”, pontua.
O gerente da Fiemg aponta que, passada a análise constitucional da cobrança, o segundo ponto de preocupação é o impacto financeiro da taxa. “Esse valor, certamente, deixaria de ser investido por essas empresas e a gente teria um impacto econômico significativo com queda de faturamento, da massa salarial, de inflação e queda de PIB no município”, avalia.
O terceiro questionamento apontado pela Fiemg é o risco de aumento de gastos para as empresas e para o município com um possível encarecimento do custo do transporte em função da maior demanda por ônibus. Segundo o levantamento da Fiemg, as cidades brasileiras que já adotaram o passe-livre registraram um salto no número de passageiros.
Entre as operadoras de transporte, o principal receio é justamente esse: de que a tarifa zero acabe aumentando o custo do serviço que, de acordo com Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belo Horizonte, “pode mais que triplicar, considerando o aumento da demanda e da oferta necessária”.
“A adoção da tarifa zero é uma decisão de competência exclusiva do poder público, que implicaria no custeio integral de 100% do serviço por parte da Prefeitura […] Sem uma fonte de financiamento robusta e permanente, há riscos concretos para a continuidade e a qualidade do serviço prestado à população”, diz a nota do Setra ao BHAZ.
Estudo da Fiemg “previsão de quedas ”
No estudo realizado pela Fiemg, a metodologia buscou analisar os possíveis impactos de mudanças em determinados setores em toda a cadeia produtiva, direta ou indiretamente. Os analistas projetaram cenários com a cobrança da Taxa do Transporte Público (TTP) sem que haja aumento no número de passageiros e com acréscimos de 20%, 50% e 100%.
De acordo com a Fiemg, com a implementação da taxa, deve haver:
> Queda no faturamento de R$ 1,7 a R$ 3,1 bilhões no faturamento das empresas de BH;
> Possível perda de 30 mil a 55 mil empregos;
> Queda de R$ 639 milhões a R$ 1,1 bilhão em massa salarial;
> Queda de 1,1% a 2,1% do PIB em Belo Horizonte
> Aumento da inflação anual em BH na casa de 1,6% a 3%.
Embora os especialistas do Fiemg apontem que nem todos os trabalhadores usam o transporte público, a pesquisa não buscou entender o número de funcionários que utilizam o serviço. “É difícil entender indústria por indústria que utiliza ou não o transporte”, alega Rodrigues. “O problema é fazer a vinculação que todo mundo do setor produtivo utiliza o transporte público e, por isso, eu tenho que pagar uma taxa por todo mundo”, diz Thiago Rodrigues.
O presidente da CDL, Marcelo Souza e Silva, acredita que serão necessários ainda mais estudos sobre o impacto do projeto em uma cidade do porte de Belo Horizonte e defende maior planejamento. Segundo ele, as ações precisam ser pensadas para garantir a qualidade do serviço para o cidadão, a competitividade das empresas que vão operar o sistema e os reflexos para o comércio local.
“A cidade tem vários atores que a gente precisa ter o cuidado com eles. Nós precisamos entender como a gente consegue melhorar a qualidade [do transporte], como estender os horários de funcionamento, como ser rentável para quem está investindo, porque isso é um negócio”, alerta Marcelo.
Mais gente e dinheiro circulando
Analistas e vereadores que defendem a adoção da tarifa zero acreditam que o projeto tem potencial de fomentar a economia, já que as famílias iriam circular mais pela cidade, teriam mais dinheiro disponível para gastar e mais acesso a estabelecimentos em diferentes regiões, inclusive com a economia dos 6% que atualmente são descontados na folha de pagamento.
“Em Caucaia, na região metropolitana de Fortaleza, que tem tarifa zero, o presidente da CDL diz que o comércio aumentou suas vendas em 30%, com mais gente circulando, comprando, principalmente nos supermercados”, revela Iza Lourenço (PSOL).
Esse possível reflexo não foi estimado no estudo da Fiemg, mas o analista Thiago Rodrigues vê o cenário com ressalvas. “Se aumentar a disponibilidade financeira, também aumenta a inflação do município”, avalia.
Presidindo a Câmara de Dirigentes Lojistas (CD), que representa um setor que, em tese, pode se beneficiar diretamente da tarifa zero, com a maior facilidade de circulação de consumidores, Marcelo Souza e Silva não descarta que essa seria uma medida importante para as pessoas “ tranquilamente poderem ir e vir”, mas, novamente, prega cautela.

“Pode sim impactar de maneira positiva no consumo, com as pessoas podendo se deslocar sem ter esse custo de deslocamento. Mas tem que entender o que que isso vai dar. O projeto é bem intencionado, mas alguém vai ter que pagar essa conta”, alerta.
Gustavo Ziller se considera um empreendedor “rodado” e hoje diretor-presidente do Instituto Serra do Curral acredita que a iniciativa não tem um “valor difícil de ser absorvido”. “Quando eu penso na transformação que isso pode trazer para BH, com mais gente indo aos parques, aos museus, aos shows, à Serra do Curral, eu tenho certeza que essa conta vale a pena”, se entusiasma.
Empresário, gestor do Juramento e do Forno da Saudade, Rafael Quick diz que a tarifa zero é a oportunidade de BH realizar todo o potencial que tem e classifica a medida como um sonho. “A gratuidade do ônibus significa mais gente circulando, o comércio cheio, a cidade cheia”, diz.
A aposta de sucesso também é compartilhada por Juliana Flores, diretora artística da Festa da Luz, empreendedora do ramo de eventos. “Eu fico vislumbrando o potencial disso: as pessoas da cidade se movendo livremente, chegando no centro, nas quebradas, nos festivais, nos shows”, se anima.
Além da maior circulação de pessoas contribuindo para aumentar o consumo, apoiadores acreditam que a tarifa zero deve acabar com outros problemas enfrentados pelos empregadores em relação ao transporte de funcionários. Um deles é em relação à falta de ônibus no período noturno.
“Conversamos com a Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes), que se mostrou muito receptiva à proposta, de que pode ser importante para o setor. Ela nos colocou uma preocupação grande com a forma como os ônibus já estão organizados. À noite há uma grande demanda do setor, mas falta”, diz Iza Lourenço (PSOL), que diz estar aberta a conversar com outras entidades.
Em nota, o Setra (Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belo Horizonte) diz que o sistema é monitorado diariamente e adequações são realizadas de acordo com o comportamento da demanda. A PBH informa que, atualmente, aproximadamente 0,3% dos passageiros registrados durante todo o dia utilizam o transporte na madrugada. “Apesar da ‘baixa demanda’ no período noturno, são ofertadas 517 viagens por dias úteis, 554 aos sábados e 554 aos domingos, com atendimento em todas as regiões de Belo Horizonte”, garante.
Além dos relatos sobre a dificuldade em encontrar mão de obra devido também à qualidade, a baixa oferta e os atrasos dos ônibus, o grande custo para bancar o transporte de funcionários que moram mais longe e que precisam pegar mais de uma condução é um obstáculo.
“O transporte é excludente. Quanto mais distante, mais cara a passagem. Hoje pesa muito para nós, principalmente, que temos o primeiro emprego, a mão de obra não qualificada, que geralmente mora mais distante. Na nossa convenção, já colocamos a possibilidade da contratação do mototáxi, que hoje é mais barato do que o transporte público”, revela Vinicius Dantas, presidente da Associação Mineira da Indústria de Panificação (Amipão).
Vinicius Dantas entende que o transporte público, “que não é público, deveria ser” e que uma série de questões só agravou ainda mais o problema, como é o caso dos aplicativos que disputam a preferência com os ônibus, impactando na arrecadação, no custeio do serviço e na mobilidade.
“Talvez, com transporte gratuito, as pessoas voltem a ocupar o ônibus, uma vez que não vai ter desembolso, desafogando o trânsito da cidade, porque nós estamos com um número muito alto de aplicativos na rua. O transporte público só volta a funcionar se ele for público, gratuito. Eu não tenho a menor dúvida disso. O ônus da padaria, o ônus do comércio, ele vai acontecer. Fora essa questão do fluxo de pessoas na rua, que é muito importante”, argumenta o empresário que deixa claro que ainda não tem uma opinião formada especificamente sobre o PL que tramita na Câmara de BH.
Estudo da UFMG: ‘boas notícias’
As discussões sobre a criação de uma tarifa zero em Belo Horizonte têm mobilizado diferentes atores na produção de estudos que possam medir os impactos da iniciativa. Além das entidades empresariais, pesquisadores do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG se dedicam ao tema. Os primeiros dados de uma série de estudos, cuja primeira parte será lançada nesta semana, mas que foram adiantados em primeira mão ao BHAZ, avaliam a chamada “fuga de CNPJ”.
De acordo com o projeto em tramitação, as empresas passarão a pagar uma Taxa de Transporte Público (TTP) destinada a um fundo, que irá custear a gratuidade do serviço de ônibus em BH. Com isso, deixarão de pagar pelo vale-transporte do funcionário. O temor é de que muitos empresários abandonem a cidade para não precisar contribuir. A mudança de endereço dos comerciantes é uma das principais preocupações dos críticos.
“Com essa taxa, as empresas vão ter um custo maior e uma grande empresa que tem uma folha de pagamento muito grande, com muitos funcionários, terá um aumento imediato nos custos. Podemos ter empresas que vão começar a se estabelecer fora de BH, justamente para fugir. Você vai começar a ter uma guerra entre os próprios municípios da região metropolitana”, teme Braulio Lara (Novo).
A previsão do vereador, no entanto, não deve ocorrer, segundo o estudo da UFMG. De acordo com André Veloso, economista e pesquisador do Cedeplar, a movimentação não deve acontecer em larga escala. De acordo com a pesquisa, o valor a ser pago por todos os empregadores elegíveis (com mais de 10 funcionários) não chegará a 1% de toda a massa salarial da cidade. Pelo termo, compreende-se a soma dos salários recebidos por todos os trabalhadores do município.
“Cerca de 80% dos contratantes da cidades já estarão isentos de partida, por causa do número de funcionários. E sobre os que não são isentos, entendemos que a maior parte deles é caracterizada pela rigidez de mobilidade. Ou seja, eles não podem sair facilmente de BH”, comenta o especialista.
O economista cita como exemplo de empregadores que não têm possibilidade de trocar de endereço, como é o caso de órgãos públicos como a Prefeitura, Câmara Municipal, Assembleia Legislativa, Tribunais de Justiça, Ministério Público, além de grandes universidades e empresas de extração mineral.
“Os fatores que definem a localização de uma empresa são a facilidade de aquisição de insumo e os fatores de facilidade de venda. Sem falar também que quem contribui mais é quem tem mais robustez e o custo seria percentualmente mais baixo”, avalia.
De acordo com dados disponibilizados pela rede de ação Minha BH, que apoia a Tarifa Zero na capital mineira, com a implementação da taxa compulsória limitada a empresas com mais de 10 funcionários, dos 65 mil estabelecimentos, 51 mil estariam isentos, ou seja, cerca de 79%. O peso maior cairia sobre empresas com mais de 1.000 funcionários, que representam 0,16% das existentes em BH. No entanto, elas empregam atualmente, juntas, 514 mil funcionários (veja tabela abaixo) .
Urbanista e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Roberto Andrés é um dos articuladores pela implementação da tarifa zero. Ele lembra que muitas dessas empresas são públicas e atualmente não contratam o vale-transporte. Com a taxa, passariam a dividir o ônus com a iniciativa privada.
“Não é certo pensar que vai tudo para o ‘colo’ das empresas privadas. Vamos estar desonerando as empresas privadas, porque elas vão pagar muito menos. Essa taxa é muito baixa em relação ao que pagam hoje. Tem empresas que pagam R$ 300, R$ 400”, diz.
Calculando uma taxa mensal no valor de R$172,15, um pouco mais do que consta no PL, o Minha BH projeta que o custo do empregador para cada trabalhador seria de R$5,74 por dia ou R$2.065 por ano.
Tabela de Vínculos por Tamanho de Estabelecimento
Tamanho do estabelecimento | nº de vínculos | nº de estabelecimentos | Vínculos pagantes (9 isentos) |
De 1 a 4 | 74.296 | 39.222 | 0 |
De 5 a 9 | 81.513 | 12.533 | 0 |
De 10 a 19 | 93.122 | 6.903 | 30.995 |
De 20 a 49 | 120.692 | 4.045 | 84.287 |
De 50 a 99 | 86.942 | 1.271 | 75.503 |
De 100 a 249 | 110.683 | 730 | 104.113 |
De 250 a 499 | 77.065 | 229 | 75.004 |
De 500 a 999 | 86.318 | 123 | 85.211 |
1000 ou Mais | 514.004 | 110 | 513.014 |
TOTAL | 1.244.635 | 65.166 | 968.127 |
TAXA POR EMPREGADO – ANO – R$ 2.065,84 | TAXA POR EMPREGADO – MÊS – R$ 172,15 | TAXA POR EMPREGADO – DIA – R$ 5,74
Até agosto, o Cedeplar da UFMG deve divulgar outros estudos mostrando o impacto financeiro na economia da cidade, caso o projeto seja aprovado conforme proposto inicialmente. Mas, de acordo com Veloso, experiências já implementadas têm demonstrado que as consequências, do ponto de vista econômico, na verdade, são positivas.
“Artigos recentes comparando a realidade de cidades brasileiras que já zeraram a tarifa chegaram à conclusão de que houve aumento da empregabilidade nos municípios em 3,4%, com melhoria da qualidade do emprego, inclusive”, comenta André Veloso.
Outros modelos
Caso haja a derrubada da taxa de contribuição pelos empresários, Roberto Andrés acredita que caberia ao município reavaliar as contas para encontrar formas de financiamento para custear o serviço. O especialista insiste, no entanto, na viabilidade da participação dos empreendedores.
“A gente precisa aprofundar o diálogo com as empresas. Primeiro, porque a contribuição da taxa não seria cobrada das micro e pequenas empresas. É uma vantagem para o pequeno empreendedor, que deixaria de ter gastos com transporte. O segundo ponto é que muitas pessoas jurídicas que vão contribuir com essa taxa são fundações e empresas públicas. Todos esses são empregadores que grande parte dos seus empregados não pedem vale transporte hoje e que vão passar a contribuir com a taxa”, insiste o arquiteto.
Caso não seja aprovada no texto final a Taxa de Transporte Público (TTP) e os vereadores optem pela possibilidade da prefeitura assumir em BH todo o custo da tarifa zero, assim como foi feito em Ibirité, Thiago Rodrigues, analista da Fiemg, alerta para os riscos no orçamento.
“O impacto para o município chegaria de 12% a 19% do orçamento, tornando a tarifa zero o segundo maior gasto da prefeitura, atrás apenas da saúde. A gente avaliou outros municípios que poderiam ter problemas também”, pontua.
Apesar de não indicar viabilidade legal e financeira no projeto da tarifa zero em BH como proposto, o estudo da Fiemg não sugere modelos alternativos. Thiago Rodrigues acredita que o substitutivo proposto pelo vereador Lucas Ganem, de buscar outras formas de receita e financiamento, soluciona a suposta inconstitucionalidade da cobrança da taxa e pondera sobre a necessidade do município se atentar em relação ao custo para os cofres públicos.
Já a CDL-BH, embora ainda não tenha pesquisas específicas sobre o tema, se organiza para entender os impactos de se zerar a tarifa do transporte na capital mineira. O presidente Marcelo de Souza e Silva já se reuniu com vereadores que estão à frente do projeto e novas reuniões devem acontecer em breve. Na visão dele, é possível dialogar sobre outras formas de implementar a tarifa zero.
“Eu sou a favor de realizarmos testes por fases, como em faixas de horários e locais específicos. Depois, a gente vai medindo os resultados”, sugere.
Sonho perto de ser realizado
Embora o sonho de uma tarifa zero seja antigo, desde que o projeto passou a tramitar na Câmara de BH, de partida já com as assinaturas de 22 dos 41 vereadores, o sentimento entre os apoiadores é de que, enfim, a cidade pode finalmente se render à medida. O engajamento, principalmente nas redes sociais, tem ganhado, inclusive, o apoio de figuras conhecidas, artistas e influencers da capital.
“A tarifa zero para os ônibus de Belo Horizonte deveria ser vista, além de um direito, como um gerador de mais atividades no consumo, na cultura, no acesso à nossa própria cidade”, defende a cantora Fernanda Takai.
Ela é umas figuras que emprestou seu nome e prestígio à causa do PL, num movimento intitulado “Busão 0800”. E não está sozinha. No final de junho, no Festival Sensacional, no Parque Ecológico na Pampulha, um bandeirão foi estendido e vários nomes celebrados na cena e nas redes de BH aproveitaram para demonstrar apoio à tarifa zero.

Nas últimas semanas, eventos culturais e de rua têm ocorrido com o intuito de chamar a atenção para o tema. No último dia 05, por exemplo, o tradicional Duelo de MC ‘s, no Viaduto Santa Tereza, Zona Leste, teve uma edição temática do projeto. Um manifesto foi lançado por integrantes da batalha de rimas da Grande BH.
O publicitário, empreendedor e comunicador mineiro Gustavo Ziller, conhecido, entre tantos talentos, pelo turismo de aventura e por ser um dos raros brasileiros a escalar o topo do Monte Everest, foi um dos que se juntou ao movimento.
“Eu sou daqueles que acredita que as coisas só avançam com diálogo. E isso é também bonito nesse PL da Tarifa Zero: os coautores são vereadores de esquerda, de direita e de centro. Todos juntos por algo que pode transformar a cidade”, elogia.
Os próximos meses serão decisivos para os rumos da tarifa zero: se, finalmente, será tornada realidade ou se o sonho de parte da população será mais uma vez adiado. Certo é que a definição virá de muitos debates e embates.
“É um assunto muito mais complexo do que a simplicidade que eles estão trazendo, como se simplesmente fosse isentar a tarifa de todo mundo. Porque não existe passagem grátis, existe é saber quem vai pagar. E a dúvida que a gente tem é: quem vai pagar essa conta? A gente vai tirar dinheiro de outras frentes importantes, da saúde, da educação, da infraestrutura? De onde vai sair o dinheiro para bancar um sistema que custa caro, que é o sistema de mobilidade urbana. Tem muitas perguntas e ainda poucas respostas”, insiste Braúlio Lara (Novo).
“A tarifa zero é uma forma, sobretudo, de incentivar que as pessoas utilizem o transporte público. Isso vai fazer com que a gente tenha menos carro nas ruas, ou seja, menos trânsito e menos poluição. É uma forma de motivar que as pessoas cuidem da sua saúde, acessem a arte, cultura, que visitem seus familiares, idosos que moram sozinhos e precisam da visita dos seus filhos e netos. Eu vejo o projeto ganhando força para ser aprovado e virando uma referência nacional”, reforça Iza Lourenço (PSOL).
O post Tarifa Zero em BH: quem paga a conta? apareceu primeiro em BHAZ.