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Falência do Estado
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Toda a construção do filme serve a um propósito muito claro de desmentir os enganos propagandeados em torno do dito “milagre econômico” alardeado pelos militares.Enquanto acompanhamos a trajetória de Tião e Iracema, o que o espectador presencia é exploração do trabalho braçal, grilagem, exploração sexual, desmatamento da floresta e todo tipo de violência que se perpetua pelas margens da rodovia amazônica.Nesse sentido, a força documental do filme se mostra nitidamente na medida em que tais personagens fictícios interagem o tempo todo com figuras reais, trabalhadores e moradores locais, que invadem a tela com sua verdade, seus trejeitos e sua realidade palpável e miserável.Ou melhor, é como se o filme, por meio de um quase pretexto ficcional, invadisse a vida real e sofrida daquele povo para expor as mazelas e as crueldades que eram cometidas contra a população brasileira, em prol de um avanço econômico que nunca se concretizou de fato.Em conversa feita com Orlando Senna há alguns anos, o realizador baiano falou da pesquisa prévia que eles realizaram alguns meses antes de rodar o filme: “Jorge já era uma grande estudioso e interessado na questão amazônica. Mas a ideia do filme surgiu realmente nessa viagem que mudou nossas perspectivas”.O diretor complementou: “A gente sabia que estávamos fazendo alguma coisa enorme na Amazônia, víamos isso na propaganda da Ditadura Militar, que havia guerrilha etc. Mas não sabíamos muito mais. Indo lá, dando uma olhada na coisa, a gente viu o tamanho do desastre”.Senna destacou também que em todo o filme não aparecem nem animais, nem indígenas, algo impensável para filmagens que aconteciam no coração da floresta Amazônica.“Os animais e os nativos não apareceram em nenhum momento para a gente durante as gravações. Eles tinham sido expulsos de toda a região que margeia a Transamazônica. Isso dá a dimensão do desastre ecológico e humano que estava acontecendo ali”, atestou.Linguagem experimental
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É possível notar que a trama de Iracema – Uma Transa Amazônica parte de um quase improviso, assim como as falas dos atores parecem ser trabalhadas muito livremente, a partir dos encontros entre os personagens.Peréio, ator experiente e muito presente no cinema nacional, está muito à vontade ao interagir naquele ambiente, dono de um personagem embrutecido, por vezes assumindo o lugar de defensor da pátria, incapaz de processar em pensamento crítico o que vê ao redor, noutras se mostrando interesseiro e irresponsável.Edna, por sua vez, que não possuía nenhuma experiência prévia como atriz, escolhida na própria região, é um achado impressionante, tanto pela força de sua imagem jovem e ao mesmo tempo forte na tela, como por sua entrega a um projeto tão incomum.Natural do Pará, a então atriz ganhou recentemente um documentário, Edna: 50 Anos Depois de Iracema, dirigido por Alessandro Campos.O filme mostra como vive hoje a costureira e professora aposentada e de como sua vida mudou depois de encarnar Iracema.A obra chegou a ser exibida em Salvador no último mês de abril, durante o Panorama Internacional Coisa de Cinema, e contou com a presença da própria Edna e também do cineasta Jorge Bodanzky – Orlando Senna, radicado no Rio de Janeiro, não pode comparecer ao evento, que abriu com a exibição da cópia restaurada de sua obra-prima.É o momento de celebrar o filme que, na época de sua finalização, foi censurado pelo governo militar – é claro – e só pôde ser exibido cinco anos depois, durante o Festival de Brasília.Saiu dali com o prêmio máximo de Melhor Filme e ainda o Candango de Melhor Atriz para Edna. Obra áspera, mas fundamental para se entender o Brasil profundo.IRACEMA – UMA TRANSA AMAZÔNICA / Dir.: Jorge Bodanzky, Orlando Senna / Com Paulo César Peréio, Edna de Cássia, Lúcio Dos Santos, Elma Martins, Natal, Fernando Neves, Wilmar Nunes, Sidney Piñon, Rose Rodrigues, Conceição Senna / Salas e horários: cinema.atarde.com.br