Moradores em situação de rua relatam abandono e falta de assistência em Fortaleza


Fortaleza tem mais de 10 mil pessoas em situação de rua
6 horas na Praça da Bandeira. A noite foi chuvosa, e Rafael não conseguiu vaga na Pousada Social, no dia anterior, na avenida Imperador, no Centro de Fortaleza. Em situação de rua há oito anos, o carioca de 41 anos conta que se abrigou em frente, no toldo da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC), na rua Meton de Alencar. “A gente não dorme, a gente só cochila um pouquinho porque choveu bastante essa noite. Mas deu pra descansar um pouquinho.”
Rafael é uma das cerca de 10 mil pessoas em situação de rua na capital cearense, de acordo com dados do Cadastro Único. A Praça da Bandeira é um dos pontos do bairro onde mais é possível identificar essa população.
✅ Clique aqui para seguir o canal do g1 Ceará no WhatsApp
O local já abrigou uma Unidade de Higiene Cidadã, mas atualmente ela está desativada. O único apoio disponível é a cabine da Guarda Municipal, onde quem dorme na praça conta que consegue acesso à água. “Banho só lá na cabine do guarda, mas o contêiner da prefeitura mesmo foi desativado. Não tem mais nada, desativou tudo”, explica Rafael.
A praça abriga barracos de lona, colchões, fogões improvisados com tijolos e roupas estendidas na grade do campo e nos bancos. Chuteiras penduradas nos fios de postes indicam a presença de facções criminosas na região. Em cada canto da praça, histórias de vida. Muitas pessoas vieram parar no local após a quebra de vínculos familiares.
LEIA TAMBÉM:
Mulheres são maioria no Ceará e têm mais instrução, mas são mais afetadas pela pobreza
Conheça casos de apoio às pessoas em situação de rua que vão além da assistência emergencial
Foi o que aconteceu com o Rafael, que deixou o Rio de Janeiro após o fim de um relacionamento e a morte da mãe. “Depois que a minha mãe faleceu não senti mais vontade de ficar. O primeiro local que eu fui foi Curitiba. Eu cheguei no Ceará quando eu vim do Rio Grande do Norte, de carona, de caminhão. Gostei daqui e fiquei, fui ficando. Agora tô pensando em botar o pé na estrada de novo.”
Dependência química e abandono
Moradores em situação de rua em Fortaleza
Sistema Verdes Mares
Os motivos do Francisco Luiz foram outros. “No meu caso foi A e D, álcool e droga”, conta. “O pessoal aqui do Centro costuma me chamar de Luiz Cantor porque eu tô sempre cantando” explica o homem de 49 anos, envolto em uma lona enquanto alimenta os pombos da praça com os pães velhos que sobraram de doações.
Para ele, a quebra dos vínculos com os entes queridos também foi decisiva. “A família já ‘tava’ com a cabeça cheia e não quis mais saber de mim. Então eu procurei não atrapalhar e preferi viver minha vida sozinho mesmo. Tenho 24 anos de inverno, 24 anos de praça. Qualquer praça que vier na sua mente, na sua cabeça, aqui, agora, eu já dormi nela, no Centro de Fortaleza.”
A dependência química está entre os grandes desafios da superação da rua. Francisco explica que já tentou, mas não conseguiu deixar o vício. “A gente que tá na luta é difícil da gente sair. As instituições governamentais ajudam, mas aí bate a abstinência e a pessoa não resiste. Não tem um acompanhamento psicológico de nada, aí então, volta a cair na mesma coisa.”
Muitos que estão na rua têm profissão e estudo. Pedro (nome fictício) é metalúrgico de Manaus. Ele está há vinte anos em situação de rua. Havia saído das ruas, se sustentava com a profissão, mas voltou após dois anos e explica o motivo:
“Relacionamento, me juntei novamente e errei, construí para desconstruir novamente”, é o que explica sobre os conflitos que ele teve com as filhas e uma ex-companheira. “O que eu tenho hoje é minha bolsa. A minha bolsa é minha vida. Não tem o Minha Casa Minha Vida? Ali é minha bolsa minha vida”, diz apontando para a sacola surrada que carrega.
Para ele, faz muita falta a assistência sanitária que encontrava na praça. “Quando amanhece, não tem um lugar pra gente poder tirar essa roupa molhada, pra gente tirar essa água da chuva, não tem um material de higiene pra gente tomar banho. Só nos transmitiram uma falsa informação dizendo que a unidade ia ser reformada pra poder não assustar e não alarmar que ‘nós’ em situação de rua ia perder esse equipamento. Pra eles não é nada, mas pra gente é muita coisa”.
Mudança nos pontos de assistência
Moradores em situação de rua em Fortaleza
Sistema Verdes Mares
A coordenadora de assistência social de Fortaleza, Iracema Machado, explica que, de fato, pode ser que o contêiner onde se ofertam serviços da prefeitura não retorne. “Ele saiu de lá para ser feito uma reforma, estava numa situação meio complicada. E aí a gente está avaliando o retorno dele para lá ou para outro espaço”.
Segundo ela, a prefeitura está reordenando a política municipal para a população de rua. “A gente pensa em ampliar os serviços e realocá-los em outros espaços. A gente sabe que tem núcleos de aglomeração no Papicu, Messejana, no Otávio Bonfim, onde já tem uma concentração ou proximidade de territórios com pessoas que tem vivência em situação de rua. Então a nossa intenção é ampliar os serviços e não mantê-los todos no Centro da cidade.”
Outra expectativa é ampliar o percentual de aluguéis sociais destinados às pessoas em situação de rua. “O prefeito Evandro Leitão está prevendo a garantia de 3% desses aluguéis para que essa população possa ser atendida com unidades habitacionais do Minha Casa Minha Vida”.
Para o Pedro, as ações não só assistenciais, mas humanitárias, fazem diferença e deveriam ser prioridade.
“Dói saber que existem pessoas que tem condições de mudar a vida da gente e não mudam. A gente não tá aqui pra querer ser a cereja do bolo não, a gente só quer ser humanizado, a gente não quer ser invisível.”
Moradores em situação de rua em Fortaleza
Sistema Verdes Mares
Assista aos vídeos mais vistos do Ceará:
Adicionar aos favoritos o Link permanente.