Eu tenho certeza de que, em algum momento da vida, alguém sugeriu você economizar e investir parte do dinheiro que ganha. Se não foram seus pais, avós, parceiros, amigos, sócios ou o gerente do seu banco, foi a propaganda de alguma instituição financeira. Mas quando você realmente seguiu esse conselho? Aposto que foi quando tinha um objetivo claro para o dinheiro guardado. Comprar um carro, uma casa, fazer uma viagem, fazer uma festa ou liquidar dívidas. Acertei?
Se eu acertei, o mérito não é meu. E sim da Natália Cysne, que me mostrou que o universo das finanças não é só sobre ganhar dinheiro e tem muito mais a ver com conquistar objetivos de vida. “Construir riqueza sem propósito não faz sentido”, assinala ela. E, cá entre nós, dificilmente alguém mantém disciplina e constância por algo sem sentido, não é mesmo?
Mas quem é essa mulher que aterriza na coluna desta semana dizendo que o melhor é economizar para gastar em algum momento?
Natália Cysne é uma das poucas consultoras financeiras brasileiras com certificação CFA (Chartered Financial Analyst). Estima-se que 150 mulheres tenham a certificação no Brasil, cuja tradução, grosso modo, é “analista financeiro certificado”. Somente 11% dos CFAs por aqui são mulheres. No mundo, a participação é um pouco maior, algo em torno de 18%, ou seja, quase 30 mil mulheres entre os 163 mil certificados.
Ser um CFA é muito difícil. A formação é composta de três módulos de 300 horas cada e pouco mais de 40% dos alunos são aprovados “de primeira”. A maioria repete, pelo menos, uma vez, cada um dos módulos. A Natália não só passou de primeira como atingiu o percentil 90, ou seja, estava acima de 90% dos outros candidatos.
Curiosamente, foi essa nota altíssima que incomodou Natália e a levou de volta à terapia. O psicólogo dela estava, na época, ministrando uma pós-graduação e a analista financeira se inscreveu. Os primeiros módulos trouxeram para sua vida três assuntos que só conhecia a distância: Transtorno do Déficit da Atenção de Hiperatividade (TDAH), Autismo e Superdotação e altas habilidades. Daí para iniciar testes e avaliações neuropsicológicas foi um pulo, até que ela descobriu que é superdotada.
Quem conhece um pouco da história da Natália, não estranha o diagnóstico. Ela formou-se engenheira metalúrgica pela UFMG e por seis anos liderou equipes na grande indústria metalúrgica mineira. Após uma demissão, aproveitou um ano sabático para entender um pouco mais de finanças. Nesse período fez um curso e, ao final, foi contratada como analista financeira em um importante banco brasileiro. Em pouco tempo, ela administrava uma carteira de clientes afortunados, estimada em quase R$ 2 bilhões.
Essa virada na vida da Nat não está tão longe no tempo quanto parece. Foi logo no início de 2020, há poucos dias da pandemia. O mundo em polvorosa, imerso no pessimismo, e ela virando a sua vida do avesso. Quando eu falo do avesso é, literalmente, colocando para fora uma pessoa que ninguém conhecia. Ela mesma estava começando a descobrir quem era.
Além da transição de carreira, da metalurgia para o mercado financeiro, ela tinha se descoberto, em 2019, uma mulher no corpo de um homem. A cronologia mostra como tudo aconteceu rápido. Em março começou a tomar hormônios, em junho mudou o nome, em novembro era contratada por uma das maiores e mais conceituadas instituições financeiras do país.
“Depois que eu saí do armário, minha vida realmente mudou, da água para o vinho, especialmente na parte profissional. Cresci muito no mercado financeiro, gerindo grandes fortunas do Brasil. Pouco tempo após como assessora de investimentos, fui promovida a gerente”, comemora.
Se houve preconceito? “Quando eu comecei a mostrar resultado, houve mais curiosidade em torno de mim, quem eu era, de onde vinha. Aí, quando meu nome foi colocado na mesa do vice-presidente para um cargo maior, algumas pessoas perguntaram: Mas, ela é trans. Você sabe?. Ele respondeu: Sim. Eu sei. Qual o problema? Encerrou aí e eu fui promovida”, relembra.
Natália não comentava com os clientes sobre ser uma mulher trans, exceto com um ou outro com quem se sentia segura para compartilhar e, de uma forma geral, nunca se sentiu desrespeitada. “Eu também não estava procurando preconceito ou desrespeito. Talvez encontrasse se procurasse, talvez até onde não existisse, mas a verdade é que esse não era meu foco e eu não estava preocupada.”
Se ela não estava – e não está – nós também não. Contar aqui que a Natália é uma mulher trans só faz sentido por dois motivos: um é que quebrar paradigmas é um traço forte dela e o outro é que, desde que saiu do armário, decidiu que só trabalharia nessa vida com o que tinha propósito. “Quando gosto do assunto, vou fundo”, explica. E a gente sabe que tem a ver com o hiperfoco de pessoas com altas habilidades.
Depois da ascensão meteórica no mercado de finanças e do diagnóstico da superdotação, ela criou coragem para outra transição. Ensinar as pessoas sobre finanças. Embora atue com consultoria personalizada, Natália prefere seguir o título de mentora, porque é esse caminho que mais lhe apetece. “Um dos meus objetivos e ambições é poder ajudar qualquer um a investir”, explica.
No ano passado, Natália conheceu o economista indiano Arun Muralidhar, cujos trabalhos científicos serviram de base para a criação de dois importantes produtos do Tesouro Direto: o Renda+ e o Educa+. “Eu soube que ele estava no Brasil e fui conhecer e tietar ele. Gosto muito da filosofia que ele prega, de investimentos baseados em objetivos, e ele se tornou meu mentor e estou desenvolvendo essa metodologia de investimentos, que eu acho que é muito melhor, é o que sempre fiz na minha vida e estou aprendendo a sistematizar isso.”
Com apoio, incentivo e orientação de Muralidahar, essa mineira planeja continuar quebrando paradigmas atuando para ajudar as pessoas a investirem com propósito e a entenderem que o simples é bom. “Menos é mais também no mercado financeiro. O importante é a pessoa focar nos aportes e no trabalho dela, que ela é boa. Não existe milagre em finanças”, ensina.
Outra preocupação da Nat é ensinar as pessoas a gerirem riscos. “Se você não sabe qual é o risco de um investimento é porque não procurou direito. Sempre é possível saber”, alerta.
Além de ensinar riscos e falar de propósitos, Natália segue a cartilha de Bill Perkins, autor do best-seller “Morra sem nada”, que ensina que se você acumular mais dinheiro do que precisa até o final da sua vida é porque gastou mais tempo do que deveria ganhando dinheiro e, muito provavelmente, perdeu a chance de viver muitas outras coisas melhores e mais importantes para você.
Talvez você nunca tenha ouvido falar da Natália Cysne, por isso mesmo recomendamos fortemente que você siga essa mulher em @Cysne.finanças.cfa, porque nessa coluna, onde celebramos trajetórias com propósito, não há espaço para preconceito.
O post SIGA ESSA MULHER: “Uma mulher, muitos começos” apareceu primeiro em BHAZ.