A casa, a rua e e conselheiro

Acolhendo a orientação dos melhores, começo esta homenagem a Honorato tentando ser objetivo, como ele é, mas sabendo de antemão que não vou ser. Pelo menos tentarei ser breve.Quando Marcus Presídio, presidente desta Corte, me propôs falar nesta sessão solene, sugeriu que eu o fizesse em nome da família e, também, em nome da Procuradoria Geral do Estado.Farei o que o presidente recomendou, sendo sobrinho e tanta coisa mais que, com orgulho, sou de Antonio Honorato, e sendo procurador do Estado, em grande parte, pelo estímulo que desde cedo ele me ofereceu.Estando então pela família e pela advocacia pública, também e sobretudo quero aqui representar os muitos alunos que o conselheiro Honorato formou, ao longo de tanto tempo, dentro de casa como fora dela, nesta escola que é a vida. Porque Honorato é, especialmente, professor.Não por coincidência, aliás, como alunos dele, de alguma forma começamos juntos, meu amigo Marcus e eu, quando Honorato nos chamou, jovens ainda, para integrar sua equipe na Assembleia Legislativa do Estado.Enfim, falando com os amigos e colegas de Antonio Honorato, e também para ele, e referindo aos escritos de Roberto DaMatta, quero falar dele na Casa e na Rua. Ou, evocando o saudoso Nelson Saldanha, quero falar de Honorato no Jardim e na Praça.O CONSELHEIRO E A CASAComeço com a Casa, ou o Jardim. No conceito dos estudiosos, a Casa é um espaço social fechado. A ética, a prática e a expressão dos que nela se encontrem nem sempre coincidem com aqueles que se veem na Rua, na Praça, nos lugares públicos de convivência e decisão.A propósito, digo a vocês o que certamente já sabem: a Casa de Honorato não é assim. Por cultura própria, e pela fortuna de quem tem a família que tem, a Casa dele é aberta como a Vila Maria – este lugar que conta tanta história, e em que Honorato acolhe e tem abrigo em Buraquinho, bem aqui ao lado de Salvador. É aberta como a Villa Izabel – outro lugar com mais história ainda, em nossa Casa Nova.E não serão poucos os fatos e as pessoas que confirmarão como Antonio Honorato é um só, em Casa ou na Rua, e como sua ética e sua prática não variam de acordo com o lugar. Não vou contar os muitos casos que assim dizem, porque cada um terá o seus. A esta altura, os meus não tenho como calcular.Com exceção de uma ou duas histórias, à qual já voltarei, prefiro deixar a lembrança dos casos passados e futuros para as mesas redondas, em que estaremos juntos.Mas, no que tem de capacidade de se colocar no lugar do outro e, como que aplicando o artigo 22 da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro, de considerar os obstáculos e as dificuldades reais desse outro, é fato que são um apenas o Conselheiro (na Rua) e o filho, o irmão, o pai, o tio (na Casa).Ele é um só, também, nesse costume que tem de buscar a convergência e a pacificação; na habilidade singular de, falando pouco ou, mesmo, sem falar ou explicar, induzir a gente a descobrir e entender as razões de quem não pensa como a gente; no impressionante poder de resumir e de tornar simples as coisas, antes de ponderar, e somente depois disso tudo decidir.Enfim, Honorato nisso traz algo dos pensamentos de Pascal, que anotando sobre como cabe à gente decidir, nas encruzilhadas e nos impasses apontava que, nisso, haverá sempre dois problemas: “o excesso de excluir a razão; e o excesso de não admitir senão a razão.”E, para alguém que diz ter medos bem particulares, entre os quais o de avião, Honorato sempre mostrou como enfrentar e superar, com firmeza e coragem, em qualquer espaço e em quaisquer circunstâncias, o que lhe traga a vida. Os seus bem sabem de tudo o que falo, quando falo disso.HONORATO E A RUACom a aposentadoria de Honorato, nós, de sua Casa, pudemos ver de novo como ele é reconhecido e, mais do que isso, porque mais valioso que tudo, como ele é querido pelos que o conhecem.Destaco, a esse propósito, entre tantos, os textos publicados há pouco por homens públicos como Francisco Neto e Inaldo Araújo, as muitas manifestações de colegas de serviço público, e, em especial, a tocante homenagem que, na semana passada, recebeu dos que com ele conviveram nesse Tribunal de Contas.Está escrito assim, na placa que os servidores lhe entregaram: “Àquele que, com sabedoria, equilíbrio e humanidade, fez da justiça um caminho do diálogo, e da liderança, um exercício de escuta.” Cada uma dessas manifestações nos traz de volta à Rua e à Praça na história de Honorato. Ali se contam as duas vidas públicas que, por décadas, ele ofereceu à Bahia.Primeiro, como Deputado Estadual, participando e por mais de uma ocasião à frente do Poder Legislativo, quando assumiu ainda o exercício da Chefia do Poder Executivo em nosso Estado. Depois, em uma viragem impressionante, que é própria dele, tomando para si a função de julgar, neste Tribunal de Contas, onde chegou há um quarto de século para fazer, literalmente, história.Aqui, meus colegas da Procuradoria e, entre eles, sem exceção, todos os Procuradores Gerais a quem acompanhei, desde que fui recebido pela instituição, testemunharam a brandura do trato; a seriedade no exame; o caráter propositivo da atuação do Conselheiro em suas funções. Qualidades que desbastam os caminhos da incompreensão, e congregam para construir.Mas o que, talvez para que ainda se pudesse falar respeito, não há tão claro nessas manifestações é o dado de que, na Rua (ou na Praça), as vidas de Honorato não foram nem serão duas vidas somente.Professor sobretudo, como eu insisto em dizer (e não digo isso só por ter sido ele diretor da Escola de Contas, e muito menos como chiste ou liberdade ou impertinência), o Conselheiro Antonio Honorato abraça agora uma vida nova.Qual será esta vida, eu não sei. Mas tenho o palpite, sem ter ouvido dele nada e nada de ninguém, de que ele não vai sair da Rua e da Praça.Honorato: minhas colegas de Procuradoria, que nos conduzem de forma tão notável, normalmente estariam aqui a falar em nosso nome, e em um gesto de bondade me permitiram nos representar, diziam-me há dias como você há de fazer falta. Entretanto, só faz falta quem falta. E você vai prosseguir.DUAS HISTÓRIAS QUE MARCAMVolto, enfim, à Casa de Honorato, para encerrar esta oração, que eu quis breve e objetiva sem ter sido. A esse título, vou contar duas histórias, como prometi há pouco.Digo de novo: sabem muitos que há centenas delas envolvendo Antonio Honorato e tantos dos seus – seus pais, Adolfo e Altair, que terminou de deixar a seus netos e bisnetos um legado de fé; Italvinha, sua companheira de sempre; seus tios e, entre eles, meu avô Honorato; seus irmãos, seus primos, seus sobrinhos; Mariana, Adolfo (nosso Deputado Adolfo), Daniela, meu irmão Rafael; seus netos, que são um melhor que o outro, e trazem tanta alegria e tanto orgulho para nós. Escolhi para contar uma mais nova, de um mais jovem do que nós.Ainda há pouco estávamos juntos, com a família, eu, o Conselheiro Honorato, e ainda um certo sujeito extraordinário de tão bom, que me perguntou: “Meu tio, você, com esses livros aí, como é que você faz para ganhar a vida?” (Na verdade, foi mais direta a pergunta: “você e esses livros aí, como é que você faz para ganhar dinheiro?”).Já entardecia e, no entanto, era sol alto, porque ali onde estávamos o sol se põe bem tarde. Olhei para o avô, olhei para o neto. E, se de algo me lembro, respondi mais ou menos assim: “Meu velho, eu tento fazer como seu avô ensina. Eu tento ajudar as pessoas.”José Manoel, meu tio Deguinha, que além de guia espiritual é o jurista e o escritor de nossa família, lembrou à gente há pouco, em um texto que precisa vir a público logo, uma postagem de Mariana em algum Dia dos Pais. No instagram dela, há uma foto de Honorato, e a frase: “Foi ele que me ensinou a pensar: ‘e se fosse com você’?”.Honorato vai continuar ensinando. Por isso, e por tanta coisa a mais, digo então, por nós todos, do Jardim e da Praça, da Casa e da Rua: obrigado, meu tio.
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