Chupetas para adultos: tendência na China promete alívio para a ansiedade, mas médicos alertam para riscos à saúde física e mental


Chupetas para adultos: tendência na China promete alívio para a ansiedade, mas médicos alertam para riscos à saúde física e mental
reprodução redes sociais
O uso de chupetas por adultos para aliviar o estresse tem se popularizado pelo mundo. O hábito vem sendo relatado como tendência por causa da viralização de vídeos nas redes sociais, especialmente, na China e Coreia do Sul.
O item, usado originalmente na infância para acalmar, vem adquirindo adeptos adultos pelos “possíveis potenciais benéficos” de reduzir hábitos como fumar e comer compulsivamente, além de ajudar a dormir, reduzir a ansiedade, evitar o ranger dos dentes e até silenciar o ronco do cônjuge.
Mas será que isso funciona ou deve ser visto como uma “bengala”? Especialistas ouvidos pelo g1 e pelo Bem-Estar alertam para os riscos desta prática para a saúde física e mental.
Vídeos de adultos chupando chupeta viralizam nas redes sociais
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Uma das chupetas adultas mais vendidas em sites chineses mede 4,5 centímetros de comprimento, 2,5 cm a mais que as chupetas usadas por bebês menores de 6 meses. Os produtos, encontrados em diversas cores e texturas, custam entre R$ 6,60 e R$ 250. Na China, algumas lojas online afirmam vender mais de 2 mil desses itens por mês.
Chupeta para adultos
Reprodução
Internautas chegam a falar numa possível ‘”jogada de marketing’” para vender produtos infantis excedentes, enquanto outros acreditam que o mundo ‘”enlouqueceu’” de vez.
No Oriente Médio, por exemplo, parlamentares do Bahrein exigem medidas enérgicas para conter adultos usando chupetas em locais públicos, especialmente ao dirigir, o que é descrito por muitos como uma tendência pública ‘crescente e preocupante’.
No Brasil, o ator Ari Fontoura chegou a postar um vídeo bem-humorado, mostrando preocupação com o fato de ter criança virando adulto e o adulto virando criança.
Entre os relatos de usuários, tem quem diga que chupa a chupeta em momentos de pressão no trabalho, o que faz a pessoa se entregar a uma sensação de segurança que remete à infância. Outros falam em conforto psicológico que ajuda na inquietude durante a tentativa de parar de fumar.
Mas especialistas ouvidos pelo g1 destacam que não há comprovação científica para os possíveis benefícios, analisam o hábito e destacam:
um desequilíbrio entre três instâncias da formação da personalidade do ser humano.
um mal adotado para resolver outro mal, comparável a fumar para ‘resolver’ a ansiedade.
risco para a saúde bucal, como retrações gengivais e mordida aberta, entre outros
Médico e dentista defendem, respectivamente, tratamento a esses usuários com psicoterapia de base analítica ou terapia cognitivo comportamental.
Um estudo brasileiro de 2014 apontou uma associação significativa entre o uso prolongado de chupeta na infância e o tabagismo na adolescência e início da vida adulta.
Os riscos para a saúde bucal do uso prolongado de chupetas
“O adulto usar chupeta para a ansiedade é como um mal para resolver outro. Seria comparável a fumar para resolver a ansiedade. É um hábito deletério (nocivo, prejudicial)”, alerta a professora de Odontopediatria da Faculdade de Odontologia da USP Mariana Minatel.
O bruxismo, por exemplo, tem origem no sistema nervoso central. Por isso, o hábito de sugar não resolve o problema, alerta a professora. Ela comenta ainda que tem gente que aplica botox para resolver o bruxismo, o que também não trata o problema.
Dependendo de como se dá o posicionamento da chupeta entre adultos, entre os riscos para a saúde bucal citados pela dentista, estão:
Retrações gengivais, que levam à exposição da raiz, gerando sensibilidade aos dentes, mobilidade nos dentes e retração do osso. Em larga escala, uma retração gengival aguda pode levar à perda dentária.
Traumas periodontais
Disfunção temporomandibular
Alterações oclusais, como mordida aberta, dependendo da frequência
Outros modismos que ameaçam a saúde bucal
Minatel lembra que modismos recentes e sem critérios envolvendo riscos à saúde bucal são frequentes entre adolescentes. Muitos já fizeram sozinhos (sem orientação profissional):
A troca dos elásticos usados nos aparelhos ortodônticos com a finalidade de eles mesmos poderem escolher as cores, mudando a posição correta dos fios.
A colagem dos bráquetes de aparelhos ortodônticos com colas inadequadas e na posição errada, também para escolher a cor.
Instalação de piercing (brilhantes) nos dentes, tornando a escovação mais difícil.
Mais chupeta na infância e maior predisposição ao tabagismo
Um estudo brasileiro de 2014 conduzido pela Faculdade de Odontologia da USP apontou uma associação significativa entre o uso prolongado de chupeta na infância e o tabagismo na adolescência e início da vida adulta. A amamentação, por outro lado, foi um fator de proteção.
O estudo analisou os hábitos de sucção de 314 crianças (de 2 a 10 anos de idade) que frequentaram um consultório odontológico particular de 1988 a 1994 em Ibiá (MG), Brasil. Em seguida, foram coletados dados sobre os hábitos de tabagismo de 261 indivíduos que foram contatados novamente com sucesso entre 2004 e 2006, quando eles tinham entre 15 e 26 anos. Indivíduos que fumaram mais de 100 cigarros ao longo da vida foram classificados como fumantes.
O estudo concluiu que pessoas que usaram chupetas por um período superior a 24 meses na infância apresentaram um risco cinco vezes maior de se tornarem fumantes na adolescência ou no início da idade adulta.
Das 148 crianças com hábitos prolongados de uso de chupeta, 63 (42%) tornaram-se fumantes na idade adulta. Por outro lado, das 113 crianças que usaram chupetas por menos de 2 anos, apenas 9 (8%) tornaram-se fumantes.
Além disso, crianças que foram amamentadas por 6 meses ou mais apresentaram uma incidência reduzida de tabagismo na idade adulta. Por outro lado, crianças que foram amamentadas por um período mais longo (mais de 5 meses) apresentaram incidência quase 40% menor de tabagismo na idade adulta.
A necessidade de sucção da fase oral em crianças
Médicos e dentistas recomendam até mesmo que crianças não usem mais chupeta após a idade entre 2 e 3 anos.
Minatel comenta que algumas crianças sentem mais necessidade de usar chupeta por mamarem rápido demais e continuarem com a vontade de sucção, característica da fase oral da criança, o que não existe no adulto.
“Tem dentistas mais radicais que condenam totalmente a chupeta, que dizem que a criança pode confundir o bico, mas isso é muito controverso. Há evidências científicas que mostram que a mãe que oferece a chupeta pode ter a qualidade de vida dela melhorada”, diz a professora.
Em geral, pediatras recomendam que os bebês consolidem o hábito de mamar, antes de terem acesso à chupeta. E conforme a criança vai crescendo, ela sai da fase oral e a necessidade de sucção vai sendo suprida de outras maneiras.
Psiquiatra fala em desequilíbrio entre instâncias de formação da personalidade
O presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), Antônio Geraldo, lamenta observar hoje crianças com adultização e adultos com infantilização (cada vez mais regredidos).
Geraldo destaca que o uso de chupetas por adultos evidencia um forte desequilíbrio entre as três instâncias da formação da personalidade do ser humano, que são:
Id:
A parte mais primitiva e instintiva da personalidade.
Nela, prevalece o princípio do prazer, com a busca da satisfação imediata de desejos e necessidades (como fome, sede, agressividade, impulsos sexuais).
Ignora as consequências dos atos, a realidade social e a moralidade
Nela, tudo é possível e existe uma superflexibilidade.
Superego
Representa as normas, valores e ideais morais internalizados (geralmente herdados da família e da sociedade).
Limita, restringe e proíbe.
Funciona como um “juiz interno”, gerando sentimentos de culpa ou orgulho de acordo com os nossos atos.
Busca a aceitação e aprovação da sociedade e não apenas a satisfação pessoal.
Ego
Atua como mediador entre o Id e o superego.
Funciona segundo o princípio da realidade, tentando satisfazer os desejos do Id de forma socialmente aceitável e prática.
Representa a parte racional e consciente da personalidade.
É uma espécie de gestão interna que busca um equilíbrio entre o aceitável pela sociedade e a satisfação pessoal.
Para Geraldo, adultos que usam chupeta têm um ID mais aflorado e fora da normalidade. Por isso, ele recomenda que esses adultos busquem uma psicoterapia de base analítica, que pode ser conduzida por psiquiatras ou psicólogos e atua na interpretação do discurso da pessoa, trabalhando em cima dessas três instâncias citadas.
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