Maria Madalena Prata Soares, viúva de José Carlos Mata Machado, morto por agentes da ditadura militar em 1973, recebeu, em julho, R$ 590 mil de indenização por danos morais pela morte do marido. Ele era estudante de Direito e morreu sob tortura no DOI-Codi do Recife, deixando a mulher e um filho.
Conhecido como Zé Carlos, o estudante era militante da esquerda católica e atuou pela Ação Popular (AP) e pela Ação Popular Marxista-Leninista (APML). Ele morreu junto com Gildo Lacerda, seu companheiro de militância.
De acordo com a petição apresentada em 1999 pelos advogados Diamantino Silva Filho (in memoriam), Frederico Diamantino e Eduardo Diamantino, na época, Zé Carlos não recebeu a condição de morto, mas sim de desaparecido. Segundo a versão do regime militar, outro militante havia matado os dois companheiros e teria fugido após um tiroteio. Conforme divulgado na época, um homem chamado Antônio seria o responsável pelo crime.
Teatro de Caxangá
No entanto, a Comissão Nacional da Verdade, órgão criado em 2011 para investigar violações de direitos humanos entre 1946 e 1988, comprovou que a história falsa tinha o objetivo de encobrir a morte de Zé Carlos e Gildo Lacerda, além do desaparecimento de Paulo Stuart Wright, identificado como Antônio. O episódio ficou conhecido como “Teatro de Caxangá”.
Por isso, a petição deixa claro que “é incontestável e inegável a existência de dano a autora e seu filho. Este mal foi percebido na sua modalidade material e moral, sendo óbvio, aos de inteligência meridiana, o desgosto, a aflição e a humilhação, sofridos pela vítima, durante décadas”, explica o texto.
Condenação
A União recebeu a condenação em 2003, quando o juiz federal Carlos Augusto Tôrres Nobre rejeitou a alegação de que os próprios atos de Zé Carlos contribuíram para a sua morte. Além disso, a sentença considerou que a compensação administrativa prevista pela Lei 9.140/95 foi insuficiente para reparar o sofrimento da família.
Porém, a sentença só transitou em julgado em 2023, quando os recursos da União se esgotaram. O argumento era de que o direito de indenização já estava prescrito.
“É notável a demora para um desfecho. Ainda que tardia, foi feita Justiça à família. Há vasta jurisprudência no sentido de que são imprescritíveis as ações indenizatórias por atos contra os direitos fundamentais praticados por agentes do Estado”, afirma o advogado de Maria Madalena, Eduardo Diamantino.
Relembre a história de Zé Carlos
Há mais de 50 anos, a ditadura militar assassinava José Carlos da Mata Machado, o Zé Carlos, jovem estudante de Direito que lutava contra o regime. Torturado e assassinado em Recife, seu corpo foi enviado à família, em Minas Gerais, após denúncias e repercussão do caso. Ele foi uma das poucas vítimas da ditadura que pode ser enterrada por familiares.
“Eu só me lembro da gente caminhando no Cemitério da Colina, em Belo Horizonte, até a direção da cova, e um batalhão de fotógrafos nos fotografando. Pouquíssima gente foi, porque todo mundo tinha medo nessa época. Foi o período mais terrível, foi o governo Garrastazu Médici”, contou seu irmão Bernardo Mata Machado, 70 anos, em entrevista à Agência Brasil.
Bernardo refere-se ao irmão como “um homem com muita coragem e que tinha dois princípios básicos na vida, liberdade e igualdade”.
Segundo Bernardo, o princípio liberdade se referia à luta contra uma ditadura militar e a igualdade sobre a esperança de construção de uma nova sociedade onde houvesse menos exploração.
Militante da Ação Popular Marxista-Leninista (APML), Zé Carlos já havia sido preso durante o Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), em Ibiúna (SP), em 1968, quando passou 8 meses nas celas do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), de Belo Horizonte. O jovem chegou a ocupar a vice-presidência da UNE, após ser presidente do Centro Acadêmico do curso de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em que ingressou em 1964 como primeiro colocado no vestibular.
Os agentes do Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (Doi-Codi) torturaram e mataram Zé Carlos em Recife, no dia 28 de outubro de 1973. Depois disso, enterraram seu corpo na cidade. A exumação do corpo e traslado para Belo Horizonte só ocorreu devido ao esforço da família e da advogada Mércia Albuquerque Ferreira, que já morreu, mas registrou, em diário, detalhes da exumação que acompanhou na época.
O pai de Zé Carlos era Edgar Godoy da Mata Machado, deputado federal cassado na ditadura e senador na década de 1990.
“Tentaram esconder a identidade dele”
Bernardo lembra que o corpo veio de Recife de avião, com autorização das Forças Armadas, em caixão lacrado, com proibição de abrir o caixão pelos militares. O enterro na capital mineira ocorreu em 15 de novembro. Após ter contato com os relatos da advogada Mércia, que teve os seus diários publicados, e que traziam informações sobre a exumação do corpo de Zé Carlos, o irmão compreendeu a determinação dos militares.
“Depois dessa luta para conseguir, exumou o corpo, e a descrição que ela faz do corpo eu não vou ler para você porque é insuportável de ouvir, mas ela usou um termo que já basta: o corpo era um verdadeiro patê, estava escalpelado. Ou seja, eles tentaram esconder a identidade dele, além de torturado, arrebentaram com o corpo dele, com todos os dentes. Em suma, não é à toa que eles proibiram que a gente abrisse o caixão”, relatou.
Os familiares souberam da morte quando o governo transmitiu uma nota oficial pela televisão. Os jornais da época divulgaram a versão oficial da ditadura militar, que atribuía a morte a um tiroteio entre colegas de militância.
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