‘Oxóssi’: HQ inspirada em símbolos religiosos leva super-heróis para Salvador

Jovem é baleado à queima roupa, fica à beira da morte e, após um encontro místico no além vida, recebe a dádiva de voltar ao mundo dos encarnados. Nessa segunda chance, porém, retorna para a nossa dimensão com super poderes e uma missão de vingança contra aquele que tentou ceifar sua existência e contra todos de seu entorno maligno.A sinopse acima poderia muito bem resumir a origem de algum super-herói de colant e ostentando um emblema no peito. No entanto, no caso aqui descrito, é necessário frisar alguns detalhes diferenciais dos mais belos e adequados a uma premissa dos gibis heroicos: os poderes de nosso vingador é oriundo dos orixás; a cidade que ele defende em sua saga por vingança e justiça é a nossa Salvador em seus bairros pobres e seu nome é Oxóssi.Gostou? Então, prepare-se: após cativar leitores nas duas primeiras partes, Oxóssi, quadrinho baiano com texto de Pedro T. O. S. Ribeiro e arte de Chao Gizan, chega ao terceiro número trazendo a continuação da saga do jovem William, que voltou dos mortos com a ajuda dos orixás e adotou o nome e o poder do caçador Oxóssi, que, na religião de matriz africana, tem no arco e flecha sua principal ferramenta de defesa e caça, sendo, também, o senhor das florestas e responsável pelo sustento e fartura do seu povo.

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Tendo a capital baiana como cenário e suas comunidades e bairros populares como pano de fundo para sua trama, Oxóssi traz a cidade como palco para a frenética caça de seu protagonista contra seu algoz.No traço de Gizan, é perceptível a busca de uma tradução em imagens que fazem valer os aspectos urbanos como um condutor imagético da história, como quando, por exemplo, vemos um ângulo plongée com os telhados do bairro por onde William/Oxóssi passa, ou quando o mesmo observa o bairro de cima de um prédio e vemos toda a região com suas torres no horizonte.“O cenário deve servir, também, como personagem. Fico feliz com a percepção citada. As paredes de Salvador, seus muros, telhados e postes falam, seja pela sua própria estrutura quanto pelos cartazes colados, pichações e grafites. No quadrinho, esses elementos dão muitas pistas. A história se passa na periferia e a representação precisa ser fiel”, explica Gizan ao A TARDE.Cidade protagonistaTraduzir em arte o texto de Pedro Ribeiro requer uma consciência do teor social e religioso de sua proposta. O escritor comenta como as suas raízes em Salvador e percepção de pertencimento ajudaram nessa conscientização da importância de ser fiel e respeitoso aos aspectos religiosos da trama. “Salvador é o próprio personagem. Nossa terra respira, sente e influencia cada um que passa a conhecê-la. A meu ver, escrever sobre Salvador não é um desafio”, explica Pedro T.O.S. Ribeiro.“O desafio está nas pessoas verem a ‘minha Salvador’ nessas páginas”, complementa. “Em elas verem algo ao mesmo tempo tão meu e tão cosmopolita quanto essa cidade. Fazer um herói nela é uma busca sincera em olhar soluções para a nossa cidade, caso nós tivéssemos os princípios de um herói, já que os problemas são reais. O fantástico está nas soluções”, destaca o escritor.Em relação a tais problemas reais que afetam as localidades de Salvador que, propositalmente, são esquecidas pelo poder público, Oxóssi, também, traz uma contundente reflexão acerca de intolerância religiosa e influência política em locais onde a população possui baixa renda. Pedro aborda esse modo de reflexão social que o quadrinho traz em suas páginas.“Quadrinho não é apenas uma mídia infantil. Em países como França e Itália, por exemplo, os quadrinhos são mais lidos por adultos do que por crianças”, explica Pedro.“Seguindo essa vertente que também se encontra nos quadrinhos nacionais, como os de Laerte e Ziraldo, podemos ver temas sérios para discutir violência, preconceito e política em suas páginas. Oxóssi utiliza de alegorias, às vezes beirando ao pornográfico, no sentido de estar à mostra, para falar de uma realidade contundente, e, ainda assim, verossimilhante. É um quadrinho que não tem o objetivo de catequizar ninguém. Apenas o de servir de laboratório de como seria um herói em meio a um mundo real sem cair na mesmice da narrativa de que o poder corrompe. Às vezes só precisamos olhar a nossa volta pra saber o que está errado”, crava o autor.Presença dos orixásTendo como um dos destaques, tanto temático quanto visual, as representações sagradas das religiões de matriz africana, Pedro e Chao discutiram a maneira de utilizar a presença dos orixás de um modo respeitoso para com as crenças, mas trazendo, também, uma forma de demonstrar visualmente toda a magnitude das entidades.“Entendíamos que o visual dos orixás precisava ser imponente, e como já havíamos escolhido a produção em preto e branco, não teríamos o artifício das cores para ornamentar essas páginas. Foi minha escolha de roteiro colocar essas páginas em preto com traços brancos”, relembra o escritor.“Queria que, de alguma forma, as estampas dos tecidos africanos aparecessem na imagem para remeter à ancestralidade. No entanto, essa escolha traz muitos tabus das religiões afro-brasileiras. O próprio Chao tinha alguns receios sobre elas, mas eu fui irredutível. Chao transcendeu essas ideias e, com as constelações, tornou uma escolha de subversão em arte”, comemora Pedro.Para Gizan, “foi a melhor e a mais acertada decisão conceber daquela forma. Não havia cenário melhor em trazer a grandeza e majestade dos orixás que não um que fizesse referência ao cósmico. É misterioso, belo e eterno, onde o ser humano sempre se sentiu pequeno. Realmente, é reverente e cauteloso. A translucidez e a ocultação facial, mesmo com olhos e boca representados, além de sinal de respeito, reforçam a questão de serem majestosos”, crava o desenhista.

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