A travessura que virou lembrançaThiago Leal, criado na Chapada Diamantina, na Bahia, sabe bem o que é crescer com a presença do Saci rondando o quintal. Sua lembrança começa em uma casa antiga, sede de uma fazenda, onde a avó cozinhava feijão em panela de barro no fogão a lenha. O feijão ficava pronto à noite, mas na hora de servir, tinha sempre um punhado de areia no meio.“Na fazenda da gente, o casarão que era a sede foi destruído pelos herdeiros (meu pai e meus tios) por medo. Era uma casa que ninguém passava bem, tinha as brincadeiras mais leves de Saci, como jogar areia na panela de barro do fogão de lenha. Minha avó passava a noite cozinhando feijão pra no outro dia estar pronto e na hora de comer tinha areia”, relata.Mas as travessuras não se limitavam às panelas. Objetos começaram a se mover sozinhos, quase como se a própria casa tivesse vida própria, e cada canto parecia ganhar um sopro invisível. “Era cheio de coisa improvável que sumia e aparecia em outro lugar, mas o mais barril dessa casa, era que as coisas pontiagudas (faca, garfo…) voavam e enficavam na porta e parede do nada. Às vezes, a pessoa tava conversando e passava uma faca no meio das duas e fincava na parede, como se alguém arremessasse”, diz.
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E entre árvores e frutíferas, o Saci deixava sua marca de forma mais visível. Thiago e o irmão viram com os próprios olhos pelos pés de cajá e caju da fazenda.“No lugar que essa casa ficava é onde tem as frutíferas principais na fazenda, era onde tinha os pés de cajá na minha infância, tem um pé de cajá que é do lado do de caju. Eu olhava pro pé de caju às vezes e via o ‘menino de pau’, como eu chamava. Meu irmão também já o viu. Era um menino cor de madeira, usava um shortinho vermelho e eu sempre via ele de lado, só via uma perna, como se ele tivesse sentado no galho da árvore igual eu tava, só que eu estava em uma árvore e ele em outra”, destaca.O riso do ventoO Saci não é mau. É levado. Protege as matas, desarma caçadores, desvia os caminhos de quem insiste em derrubar árvores. Mas com os outros, gosta mesmo é de brincar: puxa o rabo do porco, rouba bolo de fubá, esconde lição de casa e deixa todo mundo desnorteado.Dizem que nasce no bambuzal, no silêncio do taquaruçu, onde passa sete anos dormindo dentro do caule até ganhar o mundo com o pito aceso na boca. Vive 77 anos e, quando morre, vira fungo nos troncos das árvores. É assim: não desaparece, apenas muda de lugar.Folclore: a eternidade do invisívelEm 1965, o Brasil oficializou o dia 22 de agosto como Dia do Folclore, lembrando que nossa cultura é feita de cantos, danças, festas e, sobretudo, de histórias contadas à beira do fogo. O termo nasceu em 1846, na Inglaterra, quando o arqueólogo William John Thoms juntou “folk” (povo) e “lore” (saber).Mas o folclore brasileiro não cabe em definições acadêmicas. Ele vive na panela de barro da avó de Thiago, na tosseira de espinhos onde um bebê foi deixado em segurança por um Saci brincalhão e no vento que rodopia nas estradas pedindo fumo aos viajantes.