Entenda a disputa de facções que deixou uma criança de 6 anos morta na Serra


Especialista em segurança fala sobre ataques a tiros em bairros da Grande Vitória
A morte de uma criança de seis anos, na tarde deste domingo (24), na Serra, é mais um capítulo da guerra entre duas facções criminosas que disputam territórios na Grande Vitória. Segundo o secretário de Estado da Segurança Pública e Defesa Social, Leonardo Damasceno, o ataque de traficantes do Primeiro Comando de Vitória (PCV) tinha como objetivo rivais do Terceiro Comando Puro (TCP).
Seis pessoas foram presas suspeitas de participação na morte. Nesta terça-feira (26), o g1 pediu à Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa Social (Sesp) detalhes sobre as investigações, mas o órgão disse apenas que “as informações serão divulgadas em momento oportuno”.
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Alice Rodrigues, de 6 anos, estava em um carro com o pai, Keique Rodrigues, um mecânico de 26 anos, e a mãe Leiza Rodrigues, de 25 anos. Os três saíam da praia, em Balneário Carapebus. A criança foi enterrada nesta terça (26), em Teixeira de Freitas, cidade da família, na Bahia.
Segundo o secretário de Segurança, um olheiro estava procurando um carro que seria usado por traficantes do TCP e acabou identificando erroneamente o carro da família.
Divisão do PCV (áreas em amarelo) e do TCP (áreas em verde) nos bairros da Serra, Espírito Santo.
PMES
Criminosos disputam pontos de comércio
O professor e especialista em Segurança Pública Henrique Herkenhof disse ao g1 que o acirramento dos conflitos entre o PCV e o TCP na Grande Vitória, como ocorrem em Vitória, Vila Velha e agora na Serra, não é uma migração, ocorrem ao mesmo tempo e seguem uma lógica comercial, de disputa por pontos lucrativos.
“O traficante raciocina como um comerciante e quer ocupar todo o mercado, se possível, ter todos os ‘pontos’ interessantes. Só que essa concorrência, evidentemente, não vai ocorrer por meios lícitos. Onde houver um mercado varejista de drogas importante, sempre poderão ocorrer essas disputas”, falou.
Além disso, essas quadrilhas acabam desenvolvendo uma rivalidade intensa devido aos assassinatos recíprocos, então os confrontos também têm um componente de conflito interpessoal.
Segundo Herkenhof, a polícia precisa ter duas formas de atuação diferentes nesses casos. Uma é perceber que está havendo confrontos, começar a monitorar e tentar impedir a invasão. E quando percebe isso, se antecipa e tenta prender.
“A outra forma é ter cuidado pois pode, sem querer, ao enfraquecer uma determinada quadrilha fazer a outra aproveitar esse momento para tentar tomar territórios. A atuação tem que ser feita de forma equilibrada, dos dois lados, para poder não fomentar, ou seja, favorecer os ataques”.
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Ataques ostensivos não são boa estratégia, diz especialista
Ainda de acordo com o especialista, apesar desses confrontos na Grande Vitória terem uma direção central, um alinhamento de chefia comum, a decisão de um ataque vai depender da avaliação do traficante local e de oportunidade, aumentando ou não a frequência de ocorrências.
Criança morre baleada dentro de carro durante ataque a tiros na Serra, espírito santo
Reprodução/TV Gazeta
Para Herkenhof, no entanto, essa forma de atuar de maneira ostensiva com armas, granadas e ataques nas ruas pode revelar também um perfil de traficantes não muito experientes.
“As grandes facções fizeram uma franquia do microtráfico e estão entrando no negócio pessoas mais jovens, mais impulsivas e menos experientes. Se tivessem mais experiência perceberam que esses confrontos não são um bom negócio, atrai a atenção da polícia, atrai a indignação da população e a atenção da imprensa. Como este caso da Serra, o que a gente viu nesse caso é um erro completo na execução, se falarmos da estratégia adotada”, pontuou.
‘Ciclos de vingança’
Para o professor, além do patrulhamento preventivo, é muito importante que a polícia identifique os autores dos crimes para que a polícia consiga interromper o que o estudioso Bruno Paes Manso, citado por Herkenhof, chama de ‘ciclos de vingança’.
“A ostentação, o emprego bélico, os ataques geram rivalidade. Isso não é apenas para tomar território, isso são ‘ciclos de vingança’. Por isso é tão importante você prender os autores dos crimes, porque aí você esfria esse ciclo da violência. Se você consegue prender o autor do crime antes dele ser assassinado, reduz muito a possibilidade de ter um revide”, finalizou.
Ataques começaram no sábado
O conflito entre facções que provocou a morte de Alice começou no sábado (23), em Lagoa de Carapebus, depois em Balneário de Carapebus, e no domingo tentaram novamente, explicou Damasceno.
O secretário ressaltou que a disputa entre as facções é motivada pelo controle de áreas estratégicas para o tráfico.
“Esse domínio territorial é fundamental para eles (traficantes). Eles estão tentando dominar pontos de drogas. Enquanto tivermos consumo de drogas, as pessoas forem comprando, gerando demanda, essa disputa continua ocorrendo”, destacou Leonardo Damasceno.
Alice Rodrigues, de 6 anos; o pai, Keique Rodrigues, um mecânico de 26 anos; e a mãe Leiza Rodrigues, de 25 anos, estavam no carro que foi atingido por criminosos por engano na Serra, Espírito Santo’
Reprodução/ Redes Sociais
Seis suspeitos presos
Após operações da polícia, seis pessoas foram presas suspeitas de participação na morte da menina Alice. A identidade de cada um deles não foi divulgada pela polícia.
Entre os detidos, estão dois mandantes, a esposa de um deles, que é advogada, um dos atiradores, um olheiro, e uma pessoa responsável pela fuga.
Conflitos em Vila Velha
O que aconteceu na Serra neste final de semana foi vivido por moradores, em Vila Velha, também na Grande Vitória, nos últimos meses.
De acordo com a polícia, o clima de tensão se intensificou em maio deste ano, quando um dos líderes da facção TCP, Lucas de Almeida Bernardo, foi preso durante uma operação do Ministério Público do Espírito Santo (MPES). A partir de então, o grupo rival, PCV, tenta tomar o território.
Além disso, um racha dentro do próprio PCV e ordens que saíram de dentro de presídios potencializaram os conflitos.
“As lideranças de ambas as facções que atuam na Região 5 estão presas, as ordens para os ataques estão saindo de dentro dos presídios. Esses ataques estão ocorrendo dos dois lados, tanto do TCP quanto do PCV”, disse o subsecretário de Estado de Inteligência, delegado Romualdo Gianordoli, em julho.
A adolescente Sofia Vial da Silva, de 15 anos e a manicure Andrezza Conceição morreram baleadas no meio da rua em Vila Velha, Espírito Santo
Reprodução/Redes sociais
As mortes da adolescente Sophia Vial da Silva, de 15 anos, e a manicure Andrezza Conceição, de 31, foram provocadas por essa disputa.
As duas foram assassinadas na tarde do dia 9 de agosto, outras três pessoas também foram baleadas: uma criança de seis anos, um menino de 9 e um homem, que seria o alvo dos disparos.
Caso Alice
O crime aconteceu por volta das 17h30 deste domingo (24). No carro atingido, estava a menina, Alice Rodrigues, de 6 anos; o pai, Keique Rodrigues, um mecânico de 26 anos; e a mãe Leiza Rodrigues, de 25 anos. De acordo com a polícia, os criminosos confundiram o veículo da família com o de rivais.
O pai da menina foi atingido de raspão nas costas. Já a mãe, que está grávida de 8 meses, também foi atingida de raspão na cabeça e por estilhaços. Os dois foram atendidos no mesmo hospital que a filha e foram liberados.
Menina estava no banco de trás do carro e foi atingida pelos disparos na Serra, Espírito Santo
Reprodução/ TV Gazeta
A família estava em um Pegeout cinza escuro quando aconteceu o ataque dos criminosos, que estavam em um Fiat Argo branco.
Mesmo ferido, o pai dirigiu até o Hospital Municipal Materno Infantil (HMMI) da Serra para socorrer a menina, mas ela não resistiu aos ferimentos e morreu na unidade.
Após o ataque, os criminosos fugiram em direção ao bairro Novo Horizonte e abandonaram o veículo no meio da rua principal. Nos vidros e na lataria, foi possível contar a marca de 12 tiros disparados de dentro do carro.
Dentro, os policiais encontraram cápsulas de bala e uma touca-ninja roxa. A perícia da Polícia Científica encontrou cápsulas de munição de vários calibres e uma granada de fabricação caseira.
A área foi isolada pela Polícia Militar, que chamou o Esquadrão Antibombas da Companhia de Operações Especiais. Moradores relataram a presença de um explosivo caseiro perto do carro abandonado pelos suspeitos.
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