
Comerciantes do Alto Tietê relatam dificuldade em contratar mão-de-obra para o comércio
Larissa Rodrigues/g1
Salários mais altos, escalas menos desgastantes e maior equilíbrio entre vida pessoal e carreira têm pesado na balança dos profissionais na hora de escolher um emprego.
Os comerciantes de Mogi das Cruzes têm percebido o peso das escolhas dos candidatos no momento da contratação. Eles relatam que as vagas permanecem abertas por meses e atribuem isso as mudanças no mercado de trabalho após a pandemia de Covid-19.
De acordo com Aline Zaniboni, que é recrutadora de uma assessoria de recursos humanos, há pelo menos dois anos o setor lida com esse desafio. “A pandemia mudou tudo. Agora a prioridade para os profissionais é ter tempo de qualidade.”
Ela explica que um dos principais entraves é a escala 6×1. “Tenho vaga em shopping há mais de três meses que não consigo preencher. Os candidatos dizem: não quero trabalhar de domingo, feriado, nem de segunda a sábado com apenas um dia de folga”, relata.
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Vagas em aberto
Rachid Sleiman conhece de perto o efeito das mudanças no mercado de trabalho. Há 41 anos, proprietário de uma loja de veículos no Centro de Mogi das Cruzes ele está há seis meses com duas vagas abertas para vendedor. “Em cinco anos, contratei apenas uma pessoa que permaneceu. Os outros saem em 15, 20, no máximo 30 dias, sempre sem um motivo definido”, conta.
A dificuldade também atinge outros setores. Uma padaria tradicional do Parque Monte Líbano deixou de abrir aos domingos por não encontrar funcionários dispostos a trabalhar nesse dia.
De acordo com Valterli Martinez, presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Mogi das Cruzes e Região (Sincomércio), há em média de 30 a 50 vagas abertas no comércio do Alto Tietê.
A expectativa é que em setembro deste ano, o setor abra entre 1,8 mil e 2,5 mil oportunidades temporárias. A projeção é que esse número cresça até dezembro, devido ao Dia das Crianças, Black Friday e Natal.
“O comércio tem enfrentado dificuldades para preencher vagas, principalmente em funções ligadas ao atendimento, ao caixa e às vendas. Essa realidade se intensificou no pós-pandemia, quando muitos trabalhadores migraram para outros setores ou para atividades autônomas. De lá para cá, o desafio de encontrar e reter profissionais preparados para o varejo tem sido constante”, explicou Martinez.
Para tentar solucionar o problema, o Sincomércio criou um programa que conecta empresários e pessoas em busca de oportunidades. Além de oferecer aos candidatos, capacitação em parceria com o Sebrae e o Sesc.
Mudança de mentalidade
Paul Ferreira é professor de estratégia e liderança da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e pesquisador sobre implicações para organizações e indivíduos. Ele observa que a pandemia acelerou a mudança na forma como as novas gerações enxergam o trabalho. “Antes, muitos acreditavam que era preciso se sacrificar no presente para ter sucesso no futuro. Hoje, a lógica é aproveitar o momento, mesmo que isso traga mais incertezas”, explica.
Ferreira afirma que a construção de carreira deixou de ser prioridade. “Com a tecnologia, muitas profissões podem não existir em dez anos. Isso faz os profissionais questionarem se vale a pena se prender a uma trajetória longa.”
Ele explica ainda que essa mudança também acontece entre as pessoas que não têm qualificação. “Esses trabalhos mais difíceis, que têm essas escalas [6×1], que têm essas condições difíceis, não são novos, mas as pessoas não aceitam mais”.
Mais estudo, mais exigência
Para a recrutadora Aline Zaniboni, o avanço da escolaridade também influencia. “Onde os pais conseguem bancar a graduação, os jovens já saem da faculdade buscando cargos na área, em vez de aceitar qualquer vaga apenas para ter renda”, observa.
Ela acrescenta que a escassez de mão de obra não afeta só o comércio: “Tenho cinco vagas para mecatrônica, em escala 5×2, que não exigem experiência, apenas formação. Mesmo assim, recebo muitas negativas. Os candidatos pedem acima de R$ 3 mil.”
Segundo a recrutadora, todas as áreas apresentam uma grande rotatividade de profissionais.
“Hoje, quem quer estabilidade é o empresário. O mercado está com demanda, mas o que não acontecia antigamente, que era trocar de emprego por uma remuneração de R$ 100 ou R$ 150, a mais, agora acontece”.
Isso vai de encontro com o que Ferreira analisa em suas pesquisas. De acordo com o professor, o trabalho CLT não é mais tão importante para os jovens profissionais. O que eles buscam é o equilíbrio entre remuneração e vida pessoal.
“Prefiro fazer dois, três trabalhos diferentes, como freelance, que atendam minha necessidade do momento. Isso faz com que mesmo esses profissionais menos qualificados estejam mais exigentes. O emprego que me atende é o que me dá uma remuneração que me atende pra esse momento e que eu consiga equilibrar a minha vida. Eu coloco uma série de variáveis na equação, que faz com que eu assuma um pouco mais de risco a curto prazo”, explicou Ferreira.
Mudança com resultado
Na contramão, uma hamburgueria de Mogi das Cruzes conseguiu reduzir a rotatividade ao mudar a escala dos funcionários de 6×1 para 5×2.
Christopher Sousa começou no restaurante como freelancer. Em um ano e meio, ele exerceu as funções de auxiliar de cozinha, chef até chegar a gerência. Hoje ele trabalha na escala 5X2.
Para quem trabalhou por três anos em uma loja de produtos de limpeza na escala 6×1, em que só tinha o domingo para descansar, trabalhar cinco dias da semana e ter dois de folga foi um ganho para a saúde mental.
“A gente trabalha, a gente é ser humano, o corpo precisa de descanso. Passou bastante gente [na hamburgueria] que não concordava com a escala 6×1. Os novos funcionários acabaram ficando pouco tempo. Quando a folga cai no domingo, emenda segunda e terça-feira, acaba sendo uma mini férias”, detalhou.
Sousa destacou ainda que depois da mudança passou a aproveitar mais os momentos longe do trabalho. “Tenho mais tempo com o meu filho, com a minha esposa. A mudança de escala melhorou em 100% a parte mental. [Antes] chegar em casa, ia deitar e dormir. Afeta a saúde e o psicológico”.
Sousa está há 1 ano e meio na empresa. Começou como freelancer, passou para auxiliar de cozinha, chef de cozinha e hoje é gerente
Christopher Sousa/Arquivo Pessoal
O proprietário da hamburgueria Bruno Neris mudou a escala dos funcionários há quase um ano e meio. Antes, todos trabalhavam seis dias na semana e folgavam apenas um. Hoje, eles trabalham na escala 5×2.
Neris fez a mudança ao notar a rotatividade de funcionários e o quanto isso prejudicava o negócio.
“Ajudou bastante. Tem os efeitos colaterais disso pro empreendedor, vou ter que trabalhar com mais pessoas, mais uniformes, mas isso se compensa na questão da rotatividade, porque isso também sai caro, ter que ficar treinando, ensinando a qualidade. A mão-de-obra não vai acabar, as empresas precisam se adaptar”.
Ele afirma que a nova escala não afetou a quantidade de horas trabalhadas dos profissionais e que contratou apenas um funcionário a mais.
“O custo inicial já se pagou […] eu não conseguia dar férias antes, porque a rotatividade era muito rápida. Hoje tenho 22 colaboradores diretos e indiretos. Os diretos trabalham nas escalas novas, sete horas por dia, são CLT e tiram as folgas de segunda a quinta. Sexta, sábado e domingo são o pico onde se vende no comércio”.
Além da nova escala, funcionários passaram a ter um espaço chamado de ‘descompreensão’ no trabalho
Ricardo Gallozzi/Divulgação
Estratégias para manter talentos
Para o professor da FGV, Paul Ferreira, o mercado de trabalho está aquecido e os profissionais têm mais opções do que as empresas.
“Isso impacta na retenção. Você não precisa se sujeitar a um trabalho que não preencha os seus requisitos. Há uns cinco anos isso não era tão relevante. As empresas estão sendo desafiadas com a transformação digital, com a IA (Inteligência Artificial) e com a reconfiguração de tarefas automatizadas”.
Ele aponta quatro medidas para reter talentos:
Melhores pagamentos: empresas deveriam pagar melhor, principalmente os profissionais com demandas mais complicadas
Flexibilidade: oferecer flexibilidade geográfica, pois muitos não precisam mais trabalhar presencialmente nos escritórios ou não precisam trabalhar todos os dias na empresa.
Desenvolvimento da competência: o valor do trabalho está mudando. A tecnologia vem automatizando as tarefas e é importante para o funcionário ver que a empresa acredita nele.
“As pessoas precisam ver que estão construindo pra empresa, que têm desafios que correspondem a competências delas e, se elas não tiverem competências, a empresa precisa estar disposta a desenvolver essas competências nelas”.
Novas formas de trabalhar
Em suas pesquisas, Ferreira estudou o engajamento dos trabalhadores e a escala 4X3. Ele destacou que esse tipo de escala traz um custo aos empregadores e isso pode inviabilizar o modelo para uma pequena ou média empresa.
Por isso, deve haver eficiência nos governos e quanto maior for a tendência é de queda nos tributos empresariais o que facilitaria a implementação dessa medida.
Além dos custos é preciso levar em consideração a competência dos profissionais. As empresas que se saíram melhor no projeto-piloto com a escala 4×3, foram as que tiveram um nível de capital humano mais elevado.
Isso significa que o profissional precisa ter a capacidade de assimilar uma nova tarefa, mesmo que não seja a que ele realiza todos os dias. Isso gera uma rotatividade onde todos podem fazer a mesma função.
“As grandes empresas estavam muito focadas em uma lógica de talento, vou encontrar altos potenciais, vou gastar dez vezes nesses profissionais. A gente precisaria mudar de paradigma, o que é importante é capacitar. Olhar menos pra aqueles que já são muito bons e sim pra aqueles que estão mais abaixo. Não é uma lógica de seleção dos dez melhores, mas de um nível médio mais acima”.
As grandes empresas estavam muito focadas em uma lógica de talento, vou encontrar altos potenciais, vou gastar dez vezes nesses profissionais. A gente precisaria mudar de paradigma, o que é importante é capacitar. Olhar menos pra aqueles que já são muito bons e sim pra aqueles que estão mais abaixo. Não é uma lógica de seleção dos dez melhores, mas de um nível médio mais acima
Há um ano e meio, a hamburgueria adotou a escala 5×2
Ricardo Gallozzi/Divulgação
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