
Deputados aprovam de madrugada afrouxamento das leis que regem o licenciamento ambiental no Brasil
A Câmara dos Deputados aprovou, nesta quinta-feira (17) de madrugada, o afrouxamento das leis que regem o licenciamento ambiental no Brasil.
A discussão do projeto de lei entrou pela noite. A votação foi pouco antes das 2h e contou com o empenho do presidente da Câmara, Hugo Motta, do Republicanos, e a pressão da bancada ruralista. O texto tramitava havia 21 anos e foi o último a ser analisado pelos deputados antes do recesso. O relator disse que as mudanças não representam risco ao meio ambiente.
“Nós buscamos regras e prazos claros. Nós queremos aperfeiçoar os processos de licenciamento ambiental. Nós buscamos vencer a burocracia e assegurar, na prática, de verdade, a conservação ambiental. Nós estamos mantendo todo o rigor na avaliação dos impactos ambientais. O que nós estamos propondo é uma atualização, uma racionalização dos processos de licenciamento ambiental”, disse o deputado Zé Vitor, do PL-MG.
O projeto de lei afrouxa as regras para o licenciamento ambiental no país. Por exemplo, facilita a licença para empreendimentos com potencial de impacto no meio ambiente, como viadutos, pontes, hidrelétricas e barragens de rejeitos. Dispensa a licença para outras obras, como a ampliação de estradas, e para atividades como agricultura tradicional e pecuária de pequeno porte.
Passa a existir o licenciamento automático feito por autodeclaração, sem análise prévia de órgão ambiental. Os responsáveis por empreendimentos de pequeno e médio potencial poluidor vão precisar apenas prometer seguir os limites da lei. A fiscalização vai ser apenas por amostragem.
Não são mais obrigatórias as regras do Conselho Nacional do Meio Ambiente para licenciamento de atividades de mineração de grande porte ou de alto risco.
A proposta exclui a necessidade de aprovação do Ibama para corte de vegetação da Mata Atlântica – um dos biomas mais devastados do Brasil -, deixando a autorização para estados e municípios. O projeto também anula trechos da Lei da Mata Atlântica que restringem a derrubada de matas primárias e secundárias.
267 deputados votaram a favor do novo marco do licenciamento ambiental; 116 parlamentares foram contra. O presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária defendeu as mudanças:
“Todas obras paradas, esperando licenciamento ambiental, esperando desburocratização, esperando racionalização dos processos para que o Brasil possa crescer como merece e desenvolver como merece. É óbvio que nós orientamos favoravelmente às emendas apresentadas”, afirmou o deputado Pedro Lupion, do PP-PR.
Aprovado na Câmara dos Deputados, afrouxamento do licenciamento ambiental segue para sanção de Lula
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O deputado Chico Alencar, do PSOL, afirmou que o projeto de lei é um retrocesso:
“Uma espécie de legislação de exceção. Criar um conselho de governo para aprovar com mais celeridade projetos estratégicos sem consulta prévia, sem estudos ambientais, sem elementos do impacto que aquelas obras de grande impacto vão causar é algo inaceitável. Veio do Senado, tudo visa exatamente a acelerar, atropelar e, muitas vezes, inevitavelmente, devastar, adulterar, prejudicar o nosso presente e o nosso futuro”.
Representantes do setor produtivo, da comunidade científica e entidades ligadas à conservação criticaram o texto. No Recife, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência participou de um ato contra o projeto.
“Nós consideramos que é muito importante preservar uma abordagem técnica, científica, correta da exploração da natureza. Não pode ser substituída uma abordagem objetiva, imparcial, neutra, com base na ciência, pela simples vontade do explorador, porque isso pode levar a uma devastação ambiental que a gente é contra”, afirma Renato Janini, presidente da SBPC.
O professor de Direito Gustavo Sampaio avaliou que as mudanças são inconstitucionais:
“O meio ambiente ecologicamente equilibrado é um princípio da Constituição da República, e qualquer lei que o afronte é lei inconstitucional. No meu entendimento, esse projeto tende a produzir uma inescapável inconstitucionalidade que precisa ser coibida. Representa, portanto, um retrocesso na nossa legislação de tutela e defesa do meio ambiente no Brasil”.
A proposta vai agora para sanção do presidente Lula. O governo declarou que está dialogando com o Congresso para alterar pontos e artigos do texto que vão contra a proteção do meio ambiente, povos indígenas e quilombolas. A expectativa é negociar para que esses trechos específicos sejam vetados em acordo com os parlamentares. Um dos pontos em questão é o licenciamento automático.
Marina Silva, ministra do Meio Ambiente
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A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, afirmou que o texto do licenciamento ambiental fere os interesses do Brasil, que se esforça para liderar ações de proteção do planeta que serão discutidas na COP 30, em novembro, no Pará. A ministra disse que é possível o Brasil zelar pelos recursos naturais e, ao mesmo tempo, incentivar a produção e os negócios:
“Você imagine o que é cada estado ou cada município dizendo que o licenciamento vai ser de um jeito no seu estado, na sua região. Isso vai levar à judicialização generalizada, vai emperrar todo o processo. Hoje, você tem uma dinâmica consolidada e conhecida, que pode ser aperfeiçoada. Somos, ao mesmo tempo, uma potência florestal. É destruir as florestas e nós vamos pagar um preço muito alto, que, aliás, nós já estamos pagando. A seca no Pantanal, a seca na Amazônia, as ondas de calor… Tudo isso faz com que a gente deva proteger mais, e não proteger menos. Ganhar celeridade não significa perder qualidade. A gente pode crescer, gerar prosperidade, emprego, renda digna para o nosso país sem precisar da destruição, do afrouxamento, da amputação da legislação ambiental”.
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