‘A fome impede de pensar’: Agência de notícias diz que seus jornalistas em Gaza enfrentam escassez de alimentos e risco de vida e pede retirada a Israel

Desnutrição mata 15 pessoas, incluindo quatro crianças, em 24 horas na Faixa de Gaza
Jornalistas da agência de notícias AFP na Faixa de Gaza afirmam que está cada vez mais difícil cobrir a guerra entre Israel e o Hamas devido à grave escassez de alimentos, a ponto de estarem sem forças “por causa da fome”.
Esses redatores, fotógrafos e cinegrafistas palestinos relatam fome extrema, falta de água potável e crescente exaustão física e mental, o que às vezes os obriga a reduzir a cobertura da guerra, iniciada em 7 de outubro de 2023 após o ataque do movimento islamista Hamas contra Israel.
“Não nos restam forças por causa da fome”, afirma um deles.
Em junho, a ONU denunciou o que classificou como uso da fome como arma de guerra por parte de Israel, chamando a prática de crime de guerra, após um número crescente de relatórios alarmantes de ONGs sobre a desnutrição no território palestino.
Israel, que mantém Gaza sitiada e permite a entrada de ajuda apenas em quantidades limitadas, acusa o Hamas de explorar o sofrimento dos civis, desviando ajuda humanitária para revendê-la a preços altos ou atirando contra pessoas que aguardam por essa ajuda.
No entanto, testemunhas e a Defesa Civil do território acusaram repetidamente as forças israelenses de atirar contra civis que esperam por ajuda, e a ONU afirma que o exército matou mais de 1.000 palestinos que tentavam conseguir alimentos desde o fim de maio.
As forças militares israelenses e o gabinete do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu não responderam imediatamente a um pedido de comentário sobre a declaração da AFP.
‘Completamente abatido’
Bashar Taleb, um dos quatro fotógrafos da AFP selecionados este ano para o Prêmio Pulitzer, vive entre as ruínas de sua casa em Jabaliya al Nazla, no norte de Gaza.
“Tive que interromper várias vezes meu trabalho para buscar comida para minha família”, conta o jornalista, de 35 anos. “Pela primeira vez, me sinto completamente abatido.”
Seu colega Omar al Qattaa, também fotógrafo de 35 anos e indicado ao Pulitzer, diz estar exausto.
“Preciso carregar equipamento pesado, andar quilômetros (…) Já não conseguimos chegar aos locais sobre os quais devemos reportar, não nos restam forças por causa da fome”, relata Al Qattaa, que depende de analgésicos para aliviar as dores nas costas, embora observe que medicamentos básicos já não são encontrados nas farmácias.
Khadr al Zanoun, de 45 anos e baseado na Cidade de Gaza, afirma ter perdido 30 quilos desde o início da guerra. O jornalista menciona desmaios, “fadiga extrema” e dificuldade para trabalhar. “Minha família também está no limite das forças.”
O fotojornalista Eyad Baba, de 47 anos, deslocado do sul de Gaza para Deir al-Balah, no centro do território, onde o Exército israelense lançou nesta semana uma ofensiva terrestre, deixou um campo de refugiados superlotado e insalubre para alugar um abrigo a um preço exorbitante, a fim de proteger sua família.
“Não aguento mais essa fome, ela está afetando meus filhos”, confessa.
‘A fome impede de pensar’
“No nosso trabalho, enfrentamos todas as formas possíveis de morte. O medo e a sensação de morte iminente nos acompanham por toda parte”, acrescenta.
No entanto, “a dor da fome é mais forte que o medo dos bombardeios”, explica Baba. “A fome impede de pensar.”
Na Cidade de Gaza, o diretor do hospital Al Shifa, Mohammed Abu Salmiya, alertou nesta terça-feira sobre os “níveis alarmantes de mortalidade” por falta de alimentos, e afirmou que 21 crianças morreram de fome e desnutrição em apenas três dias.
A jornalista da AFP Ahlam Afana, de 30 anos, destaca outra dificuldade: uma exaustiva “crise de dinheiro vivo”, causada pelas exorbitantes comissões bancárias e pela inflação.
Sacar dinheiro pode implicar em taxas de até 45%, explica Khadr al Zanoun, enquanto o preço do combustível dispara nos poucos lugares onde ainda há, tornando impossível viajar de carro.
“Os preços são absurdos”, lamenta Ahlam Afana. “Um quilo de farinha custa entre 100 e 150 shekels israelenses [entre 166 e 249 reais], o que é mais do que conseguimos pagar, mesmo para comprar só um quilo por dia.”
‘Prefiro a morte a esta vida’
A Repórteres Sem Fronteiras (RSF) declarou nesta terça-feira que mais de 200 jornalistas morreram em Gaza desde o ataque de 7 de outubro de 2023.
O cinegrafista Youssef Hassouna, de 48 anos, afirma que a perda de colegas, amigos e familiares o afetou “de todas as formas possíveis”.
Apesar de um “vazio interior profundo”, ele continua a exercer sua profissão. “Cada imagem que eu capto pode ser o último vestígio de uma vida sepultada sob os escombros”, explica.
Zuheir Abu Atileh, de 60 anos, ex-colaborador do escritório da AFP em Gaza, compartilha a experiência dos colegas e descreve a situação como “catastrófica”.
“Prefiro a morte a esta vida”, afirma. “Não nos restam forças, estamos esgotados, estamos desmoronando. Basta.”
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