Medicina brasileira vive crise de formação, aponta Dr. Raymundo Paraná

O Brasil vive uma crise silenciosa na formação médica. Com a proliferação de faculdades de Medicina, o país chegou à marca de mais de 423 cursos autorizados pelo MEC. O número supera países como China e Estados Unidos, mesmo com população e PIB superiores.Ao mesmo tempo, cresce entre os profissionais da saúde o uso indiscriminado das redes sociais como ferramenta de autopromoção, muitas vezes sem respeitar a ética médica.É nesse contexto que se destaca a voz do hepatologista baiano Raymundo Paraná, professor titular da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e uma das maiores autoridades brasileiras na área e mais de 40 anos de atuação.Em entrevista ao Papo Reto com Ildázio Jr., programa do A TARDE FM, o profissional destaca que a raiz da crise está na expansão desordenada dos cursos de Medicina no Brasil. Ele lembra que o movimento começou ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, com a justificativa legítima de que o país precisava formar mais médicos. Mas, segundo ele, o processo saiu do controle.“Começamos o expansionismo da Medicina ainda no governo de FHC, a gente realmente tinha poucos cursos de Medicina, precisava. Depois disso, saiu do controle. O poder econômico farejou, isso era um grande negócio. Deixou de ser uma política pública do país, passou a ser um grande negócio”, disse.

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Segundo Paraná, a situação se agravou após a moratória de 2016, que tentou conter a proliferação de faculdades sem critérios adequados, mas teve efeito contrário.“A famosa moratória de 2016 foi uma das atitudes mais covardes que já vi. Não deu outra: judicializações ocorreram e foi quando mais cresceu o número de escolas médicas, mas desta vez sem nenhum regulatório. Porque era por judicialização, as pessoas faziam como queriam”, afirmou.Médicos sem residênciaA consequência, afirmou o hepatologista, é a entrada no mercado de milhares de profissionais sem a devida qualificação.“Nós estamos agora observando uma situação caótica, onde a Medicina está colocada em jogo em sua credibilidade, o que é muito ruim. Você despeja no mercado milhares de médicos, sem ter vaga para residência, que seria o último passo para cobrir as lacunas do curso. Só tem 30% das vagas de residência, obviamente 70% não consegue alcançar a pontuação para entrar”, explicou.Dr. Paraná pontuou que, sem formação complementar, muitos desses médicos buscam alternativas rápidas para ganhar dinheiro e assim acabam nas redes sociais. Ele criticou o pior defeito da globalização da internet: a transformação das redes em espaço de desinformação, inclusive na área da saúde.“Mentir não é liberdade de expressão, mentir é feio, é ruim, é desonesto. Mentir para ganhar dinheiro às custas de pessoas de boa fé é crime, o nome disso é estelionato. Isso não tem nada a ver com liberdade de expressão”, ressaltou.“As redes sociais trouxeram outro fenômeno que é mortal: são muito boas para o espalhador de fake news, que sabe que vai adoecer a pessoa depois. O que ocorre é que as pessoas se tornaram superficiais. O bombardeio de informações é tão grande que ninguém quer saber da fonte, do tema, ninguém quer se aprofundar”, completou.O fim da inspiraçãoA superficialidade não contamina apenas o público, mas também os próprios profissionais de saúde, que passam a investir mais em sua imagem do que em conteúdo. Para Paraná, isso destrói um pilar essencial da formação médica, que é o exemplo.“A medicina sem paradigmas é um caminho aberto para uma medicina desumanizada e sem controle. São aquelas pessoas que matam sua formação e servem como molde. Isso está acabando com esse tipo de ensino que a gente tem. Não tem mais paradigma, que é aquele indivíduo que você olha e diz: ‘esse cara é diferente’, ‘esse é um professor de fato’, ‘quero me espelhar nele’. É uma crise de princípios sem precedentes”, concluiu.Ele ainda destacou o que tem moldado os tempos atuais: “Ganhar dinheiro não respeita nenhum princípio”.

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