Método Paulo Freire: entenda estratégia adotada pela Prefeitura de BH para alunos com leitura defasada

A aplicação da metodologia criada pelo professor Paulo Freire em escolas de Belo Horizonte, revelada em primeira mão pelo Portal BHAZ na última semana, dividiu opiniões de internautas. De acordo com a Secretária de Educação, Natália Araújo, mais de sete em cada 10 estudantes dos anos iniciais do ensino fundamental não têm as habilidades de alfabetização mínimas esperadas para a faixa etária. Mas afinal, quais as características da metodologia e qual a aplicabilidade dela para reduzir a defasagem de leitura dos alunos?

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A primeira coisa a se entender é que as estratégias de alfabetização de Paulo Freire visava a educação de jovens e adultos analfabetos.

Em 1963, Freire realizou um teste emblemático com trabalhadores rurais. Aplicando sua metodologia, que partia de “palavras geradoras” do universo dos educandos, promoveu a alfabetização de cerca de 300 adultos em apenas 40 horas.

A experiência, conhecida como “as 40 horas de Angicos”, demonstrou a viabilidade de um aprendizado rápido e, fundamentalmente, conscientizador, vinculando o ler e escrever à compreensão crítica da realidade.

Mauro Silva, ex-diretor de educação de jovens e adultos no MEC (Ministério da Educação), explica que o modelo usa palavras do dia a dia do aluno para viabilizar a alfabetização.

“É um método extremamente simples. Ele parte de uma palavra contextualizada na vida dos alfabetizandos. Ele trabalha a palavra toda e não a letra. Depois, contextualiza a palavra”, detalha.

O método foi um dos utilizados pelo programa Brasil Alfabetizado quando coordenado por Silva, entre 2007 e 2016. Apesar de não ter sido o único modelo, o pesquisador garante que ele trouxe resultados.

“A estratégia é bastante satisfatória. Eu acho que Paulo Freire, muito mais que um método em si, criou uma filosofia para a educação de jovens e adultos. É uma proposta de formar adultos engajados”, completa.

Na avaliação de Silva, justamente o impacto social do modelo de educação freiriano também é o fator que levantou críticas e polarização política entorno do nome de Paulo Freire.

“Paulo Freire foi muito revolucionário, mas ainda há algumas pessoas que compreendem que os outros ainda precisam ser mandados. Dar autonomia e poder de escolha de pensamento não agrada todo mundo. Isso aconteceu desde o início. E acredito que, no início a resistência foi muito mais pesada, já que ele foi exilado e perseguido durante o Governo Militar”, avalia o educador.

Eficácia para crianças e adolescentes

Na avaliação da secretária de Educação de Belo Horizonte, Natália Araújo, o “intesivão” freiriano será capaz de reduzir a defasagem de leitura identificada em 75% dos alunos de anos iniciais do ensino fundamental da rede municipal.

A estratégia da prefeitura é aplicada em 45 dias, com previsão de fim para o mês de junho. Para a secretária, o problema tem origens diversas e, ainda hoje, tem reflexos da pandemia de Covid-19.

“Ficou comprovado com a pandemia que, quanto mais ficamos isolados e paramos de interagir no universo das brincadeiras, fora de casa, tivemos um rebaixamento geral do desenvolvimento da linguagem. E o uso de telas também contribui para isso”, comentou em entrevista ao BHAZ.

“Esses meninos não se formaram leitores. E o que é que vai ser de nós dali para a frente? Porque a gente vê hoje que problemas de matemática, às vezes, existem porque a criança não entende um problema matemático, porque ela não sabe o português. Que dirá história, geografia e ciências, que são conhecimentos que são acessados pela linguagem”, avalia.

Alguns especialistas, no entanto, têm ressalvas quanto ao uso do modelo com crianças e adolescentes.

Gladys Rocha, professora da faculdade de Educação da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e consultora educacional da FGV (Fundação Getúlio Vargas) aponta que o modelo, criado para jovens e adultos, demanda uma participação ativa e contexto social não encontrado na realidade de uma criança.

“As primeiras experiências freireanas foram realizadas com trabalhadores muito engajados em consciência social, que tinham noção da importância da palavra escrita para mudanças sociais e políticas”, comenta.

Além disso, a especialista acredita que a adoção de um “intensivão” esporádico é limitado para solucionar uma defasagem que, segundo ela, vem de um histórico de crescimento.  

“A escola não tem essa plasticidade de escolher um modelo e garantir que vamos resolver os problemas. Precisamos que a alfabetização não seja compreendida só pelo professor alfabetizador da escola. Ela precisa ser da escola, que vai entender os cenários para trabalhar com cada aluno”, avalia. 

“A gente precisa dar suporte aos professores e escolas para que eles possam trabalhar, criar condições para que os meninos do quarto e quinto ano, como exemplo, tenham algum tipo de atendimento em contraturno para adoção de estratégias de discriminação positiva, que é dar mais para que tem menos. Pegar o melhor professor e colocar para aquele aluno com menos conhecimento”, completa.

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Biografia

Considerado um dos mais influentes educadores do século XX e patrono da educação brasileira desde 2012, Paulo Reglus Neves Freire nasceu em Recife (PE) em 19 de setembro de 1921. Sua trajetória foi marcada por uma profunda dedicação à alfabetização popular e à criação de um método pedagógico que via o diálogo e a realidade do aluno como centrais no processo de aprendizado.

Formado em Direito pela Faculdade de Direito do Recife, Freire lecionou Língua Portuguesa e Filosofia antes de se dedicar integralmente à educação de adultos. Sua experiência mais emblemática ocorreu em 1963, em Angicos (RN), onde seu método alfabetizou cerca de 300 trabalhadores rurais em apenas 40 horas de estudo. O sucesso levou à concepção do Programa Nacional de Alfabetização, interrompido pelo golpe militar de 1964.

Preso e acusado de “subversivo”, Freire partiu para um exílio de quase 16 anos. No Chile, escreveu sua obra mais célebre, “Pedagogia do Oprimido” (publicada em 1968), que propõe uma educação libertadora, crítica à “educação bancária” (onde o conhecimento é apenas depositado no aluno) e defensora da conscientização e do protagonismo do estudante. O livro teve impacto mundial, levando-o a ser professor visitante em Harvard (EUA) e consultor do Conselho Mundial de Igrejas na Suíça, período em que assessorou projetos educacionais em mais de 30 países, especialmente na África.

Com a Anistia, retornou ao Brasil no início dos anos 1980, filiando-se ao PT e supervisionando programas de alfabetização. Entre 1989 e 1992, foi Secretário Municipal de Educação de São Paulo na gestão de Luiza Erundina, onde implementou iniciativas como o Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos (MOVA). Em 1991, fundou o Instituto Paulo Freire.

Autor de diversas obras, incluindo “Pedagogia da Autonomia” (1996), Paulo Freire recebeu o título de Doutor Honoris Causa por 41 universidades ao redor do mundo. “Pedagogia do Oprimido” é um dos livros mais citados em universidades de língua inglesa. Ele faleceu em São Paulo em 2 de maio de 1997, aos 75 anos, deixando um legado duradouro sobre a importância de uma educação crítica, dialógica e transformadora.

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