| Foto: Fabien Toulmé | Divulgação
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Trabalhar e morrerA segunda parada de Toulmé, na Coreia, infelizmente, aborda um assunto mais pesado: o fenômeno da gwarosa – morte por excesso de trabalho.Toulmé fecha o foco nos trabalhadores de plataformas digitais, como Hyun-Cheol, quadrinista que produz webtoons (quadrinhos digitais, extremamente populares na Coreia) e Seung Ju, entregador da Coupang, equivalente coreana da Amazon, conhecida pela sua entrega absurdamente ágil, que costuma acontecer no mesmo dia da compra.Essa agilidade, evidentemente, é por conta do sacrifício (humano) dos seus entregadores. É um plantão tão frenético, tão puxado que, somente em 2020, 22 entregadores morreram de gwarosa.Desenhistas de webtoon também não tem vida fácil na Coreia. A exigência é que eles produzam um episódio com 60 quadrinhos por semana – roteiro e desenhos. Ao mesmo tempo, como se trata de uma plataforma on line, os comentários dos leitores determinam a continuidade ou não de uma HQ. E todos sabemos como esses comentários podem ser crueis. Resultado: burnout.
| Foto: Fabien Toulmé | Divulgação
Ylang ylangA última parada de Toulmé, nas Ilhas Comores, desvenda o trabalho das colhedoras de ylang ylang, uma flor que só existe naquele arquipélago e cujo óleo é um ingrediente essencial para a poderosa indústria francesa de perfumes.O problema é que o que se paga àquelas mulheres, nativas de uma ilha cuja atividade econômica é quase zero, é – claro – uma ninharia que mal dá para elas sustentarem suas famílias, sendo obrigadas a recorrer a plantação de hortas e à coleta de frutas nativas para sobreviverem. Uma vida miserável, que contrasta de forma muito flagrante com o glamour (brega) dos comerciais de perfume.Entre uma viagem e outra, Toulmé insere interlúdios nos quais conversa com a socióloga Dominique Méda, especialista em trabalho e figura fácil na mídia francesa, já que é bastante consultada para falar sobre o assunto. O tripalium lá do início deste texto é ela quem fala. “Reflexos do Mundo realmente é um projeto que eu queria misturar diário de viagem com jornalismo e sociologia. O objetivo era entender um pouco os comportamentos humanos, vamos dizer assim”, conta Toulmé.“Por isso eu tive essa ideia de entrar em contato com sociólogos, os especialistas, para me dar essa visão mais ampla dos comportamentos humanos. Então foi assim que surgiu essa ideia dos interlúdios, que também existem no primeiro volume da série”, acrescenta.
| Foto: Fabien Toulmé | Divulgação
E as IAs?Engenheiro por formação, Toulmé já dirigiu uma empresa do ramo em Fortaleza e João Pessoa, onde morou por anos, após vir ao Brasil em um intercâmbio de sua faculdade. Como Austin, largou tudo para perseguir seu sonho de ser um quadrinista de sucesso.É, portanto, um observador privilegiado das questões que aborda, até por investiga-las in loco. Hoje, uma das questões mais urgentes sobre o mundo do trabalho é certamente o avanço das IAs (Inteligências Artificiais), que perigam extinguir uma série de profissões, projetando uma grande sombra de dúvida sobre o futuro.“Nesse volume, eu já perguntei um pouco para a Dominique Méda sobre como ela via essa questão, se era uma coisa preocupante ou não. Acho que eu concordo com ela. No decorrer dos séculos, apareceram grandes progressos técnicos, tecnológicos, que a gente pensava que ia substituir o ser humano e que, no final das contas, ajudou a criar outros trabalhos. Talvez essa nova tecnologia, a IA, seja um pouco mais radical, no sentido de que – estou falando da minha profissão de quadrinista –.você pode criar um quadrinho agora sem precisar saber desenhar nem contar a história”, observa Toulmé.“Então, eu acho que eu sou dividido. De uma certa maneira, eu acredito que a gente vai encontrar uma maneira de coexistir com a inteligência artificial e, de outra maneira, eu tenho um pouco medo da falta de controle dos governos, da sociedade. O poder das grandes empresas que vão tentar impor essa falta de controle. Eu acho que talvez o caminho seria tipo um carimbo, que faça com que a gente possa identificar o que é feito com inteligência artificial e o que não é”, sugere.Em um mundo no qual as pessoas cada vez mais vivem para trabalhar, ao invés do inverso (e será que algum dia isso já foi diferente para o povo?), Fabien Toulmé aponta que a solução mais simples é talvez a mais sábia: só queremos trabalhar E viver.Reflexos do mundo: Trabalhar e viver / Fabien Toulmé / Nemo/ 360 p./ R$ 129,80 / E-book: R$ 90,90