Em decisão inédita divulgada nesta quinta-feira (21), a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) autorizou fundos imobiliários (FIIs) e Fundos de Investimento nas Cadeias Agroindustriais (Fiagros) listados na B3 a realizarem a recompra de suas próprias cotas. A medida foi aprovada pelo colegiado da autarquia, mas não apresentou detalhes sobre possíveis condicionantes, como a necessidade de cancelamento das cotas readquiridas.
A autorização é considerada histórica, pois equipara, em parte, a prática dos fundos brasileiros ao que já ocorre amplamente em outros mercados, como os Estados Unidos, onde a recompra de ações é uma das principais formas de remuneração dos acionistas, mitigando o impacto tributário sobre dividendos, que por lá são taxados a 30%.
O que muda com a recompra de cotas?
Com a decisão, os fundos listados na B3 poderão recomprar cotas em circulação, o que, na prática, reduz a quantidade de cotas no mercado e pode elevar o valor patrimonial por cota. Essa é uma estratégia semelhante à utilizada por empresas que buscam fortalecer o valor de suas ações e sinalizar confiança ao mercado.
Além disso, ao diminuir o número de cotas disponíveis, a participação proporcional de cada cotista aumenta, potencialmente elevando os ganhos sobre o patrimônio líquido do fundo.
Gestores de fundos como BRCO, CPTI e FGA já demonstraram interesse ou realizaram operações de recompra, incluindo até amortizações de cotas como estratégia para aumentar o valor patrimonial e gerar ganhos indiretos aos investidores.
Conflito com a lei: CVM pode ultrapassar sua competência?
Apesar do entusiasmo de parte do mercado com a autorização, especialistas alertam para um grave impasse jurídico. A Lei nº 8.668, de 25 de junho de 1993, que regula os fundos de investimento imobiliário no Brasil, veda expressamente a aplicação de recursos do próprio fundo na aquisição de cotas do mesmo.
O artigo 12 da referida lei afirma:
“É vedado à instituição administradora, no exercício específico de suas funções e utilizando-se dos recursos do fundo imobiliário, aplicar recursos na aquisição de cotas do próprio fundo.”
Com isso, especialistas argumentam que a CVM não possui competência legal para autorizar uma prática que está proibida por lei federal. Como autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda, a CVM está sujeita à hierarquia normativa e, portanto, não poderia regulamentar algo que infringe a legislação vigente.
Debate jurídico e preocupações com abusos
O tema divide opiniões entre gestores e investidores. De um lado, há quem veja na recompra de cotas uma ferramenta eficiente para proteção patrimonial e incremento do valor do fundo, especialmente quando realizada com disciplina, limites claros e com foco na preservação dos interesses dos cotistas.
Por outro lado, há o temor de que, sem regulamentação adequada, a autorização possa abrir espaço para práticas abusivas. Uma das principais preocupações é a possibilidade de gestoras realizarem emissões de cotas, captando recursos com a finalidade de recomprar cotas do próprio fundo, gerando assim um ciclo de captações sucessivas, aumento de taxas de administração e potenciais prejuízos para investidores menos atentos.
A falta de parâmetros bem definidos pode também incentivar manobras para inflar artificialmente o valor patrimonial por cota, comprometendo a transparência e a eficiência do mercado.
O papel das gestoras e o risco aos investidores
O caso evidencia um potencial desequilíbrio entre os interesses dos gestores — que podem ser estimulados pela cobrança de taxas sobre o patrimônio administrado — e o dos investidores, que nem sempre possuem pleno entendimento sobre os riscos e as consequências das operações de recompra.
Segundo especialistas, há fundos que, historicamente, privilegiam o crescimento a qualquer custo, buscando novas emissões mesmo quando não há necessidade operacional clara, apenas para manter o fluxo de receitas com taxas.
Este movimento, associado à possibilidade de recompra sem critérios rigorosos, pode prejudicar a saúde financeira do fundo e impactar negativamente o retorno dos investidores.
A importância da regulamentação clara e segura
Diante desse cenário, analistas defendem que a autorização da CVM precisa ser acompanhada de uma revisão na legislação, com a atualização da Lei 8.668/1993, para que haja segurança jurídica e coerência normativa entre o regulador e a lei.
Além disso, sugerem que, enquanto não houver a devida alteração legal, a decisão da CVM carece de validade plena e pode ser judicialmente contestada por investidores ou outras partes interessadas.
Próximos passos
Até o momento, a CVM não divulgou um documento detalhado com as condições específicas para a recompra de cotas por FIIs e Fiagros. A ausência dessas diretrizes amplia a insegurança jurídica e o debate sobre os limites da atuação da autarquia.
O mercado agora aguarda manifestações de associações representativas do setor, como a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), além de possíveis ações do Congresso Nacional para discutir a modernização da lei dos fundos imobiliários.
O post CVM autoriza recompra de cotas por FIIs e Fiagros, mas decisão é contestada por conflito com lei federal apareceu primeiro em O Petróleo.