Arquitetura neocolonial em BH, um ecletismo de feição nacionalista

Neste segundo artigo da série sobre a história da arquitetura de Belo Horizonte, damos sequência à abordagem do estilo eclético, no qual se insere a arquitetura neocolonial, predominante na capital mineira sobretudo na década de 1930. A riqueza dessa arquitetura, ainda pouco reconhecida, justifica aqui uma análise exclusiva.

Dentre as várias vertentes do chamado ecletismo tardio em Belo Horizonte, o neocolonial – que resgata elementos da arquitetura barroca e rococó, principalmente a religiosa – talvez seja a mais autêntica, pois revisita uma arte que, embora originada na Europa, foi genuinamente adaptada ao Brasil ao longo de três séculos, durante o período colonial. Lembremos das contribuições originais dos gênios mineiros Manoel da Costa Athayde e Aleijadinho. Aliás, Minas Gerais, como veremos adiante, foi o epicentro da reflexão sobre a construção de uma identidade nacional brasileira, reacendida com o centenário da Independência, em 1922.

No entanto, o impulso inicial desse olhar para o nosso passado luso-brasileiro – como alternativa ao ecletismo de inspiração francesa e outras modas em voga – partiu do engenheiro, arquiteto e arqueólogo lisboeta Ricardo Severo. O português emigrou para o Brasil no final do século XIX e se destacou como precursor de uma investigação sobre a expressão nacional, além de realizar pesquisas de campo voltadas à catalogação da arte antiga brasileira, especialmente a arquitetura colonial. Sua célebre conferência A Arte Tradicional no Brasil, proferida em 1914 e 1917, teve grande repercussão em São Paulo e chamou a atenção de intelectuais brasileiros para o patrimônio colonial como verdadeira expressão da identidade nacional, entre os quais, Mário de Andrade.

Vale lembrar que Mario de Andrade, tempos depois, empreendeu uma investigação sobre a arquitetura religiosa colonial de Minas, Pernambuco e Bahia, além de organizar a épica Caravana Modernista a Minas, em 1924, que buscava, nas antigas cidades coloniais, os elementos de uma “autêntica arte brasileira”. Não por acaso, Mario de Andrade foi o autor do anteprojeto de criação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), cuja revisão e versão final foram feitas, em 1937, pelo belo-horizontino Rodrigo Melo Franco de Andrade, patrono do patrimônio brasileiro.

Ricardo Severo, Mario de Andrade e Rodrigo Melo Franco de Andrade. Montagem. (Fontes: Biblioteca Luso-Brasileira / Wikimedia Commons / Iphan).

Outro importante personagem que se engajou na construção do estilo neocolonial foi o escritor e crítico de arte e arquitetura pernambucano José Mariano Filho, que publicou, em 1923, Os Dez Mandamentos do Estilo Neocolonial – Aos Jovens Arquitetos. No mesmo ano, Mariano assumiu a presidência da Sociedade Brasileira de Belas Artes (SBBA), instituição que se tornou referência do movimento neocolonial. No início de 1924, a SBBA financiou uma viagem de estudos a Minas Gerais para um grupo de estudantes e arquitetos – entre eles, Lúcio Costa, que aderiu ao movimento. Entre 1926 e 1927, Mariano Filho dirigiu a Escola Nacional de Belas Artes, onde fomentou pesquisas sobre a arte brasileira e a criação de uma arquitetura nacional.

Ilustrações da publicação de Os Dez Mandamentos da Arquitetura Neocolonial, de José Mariano Filho. (Fonte: Revista Architectura no Brasil, n. 24, 1923 / Acervo da Biblioteca Nacional)

Em Belo Horizonte, os primeiros ares neocoloniais chegaram em meados da década de 1920 e se espalharam com mais força nos anos 1930. Um dos precursores desse movimento na metrópole montanhesa foi o arquiteto vindo do Rio de Janeiro Carlos Santos, que projetou um dos edifícios mais emblemáticos dessa expressão arquitetônica na cidade: o então Grupo Escolar Dom Pedro II, inaugurado em setembro de 1926. Em sua estadia em terras mineiras, o arquiteto buscou conhecer melhor o nosso estado. Em janeiro de 1926, o jornal Diário de Minas assim descreveu as pesquisas de campo de Carlos Santos sobre a arquitetura colonial mineira:

Esse distinto artista, que é hóspede do ilustre arcebispo de Mariana, tem visitado os lindos templos e monumentos outros de tempo colonial, da secular cidade Mineira com o intuito de estudar e desenhar os magníficos detalhes que compõem essas maravilhosas obras de arte, que nos foram legadas pelos nossos artistas. Os trabalhos do inspirado artista vêm enriquecer de maneira notável os subsídios que se vão colhendo do velho estilo barroco e colonial, que serve de base, em suas linhas gerais para a estilização que se vem fazendo, no propósito de criar uma escola arquitetônica brasileira.

Uma vez adotado por diversos arquitetos da capital mineira, aqui se produziu um acervo de verdadeiras obras de arte neocoloniais, cuja expressão alcançou grande força em exuberantes casarões que ganharam requintes de ornamentação ao modo das igrejas das nossas cidades históricas. Assim como o ecletismo de viés neoclássico ou gótico, o neocolonial mirou o passado.

O Solar Canaã, construído à Av. Assis Chateaubriand, n. 273, projetado em 1936 por Caetano Defranco. (Fonte: Guia do Bem).

Duas dessas joias residenciais do estilo neocolonial em Belo Horizonte são o Solar Canaã e o Casarão encomendado por Antônio Mascarenhas, ambas projetadas em 1936 pelo arquiteto mineiro Caetano Defranco e construídas na Avenida Assis Chateaubriand, números 273 e 291. Essas belas casas nobres servem de exemplo para observarmos os principais elementos arquitetônicos resgatados das edificações do passado colonial, quais sejam:

  • Frontões ondulados;
  • Adornos em forma de volutas;
  • Vergas arqueadas em portas e janelas;
  • Colunas salomônicas (torsas);
  • Pinhas como arremates de muretas e fachadas;
  • Painéis de azulejo;
  • Telhas em forma de pomba nas extremidades dos beirais;
  • Paredes em branco, amarelo ou rosa, com esquadrias azuis ou verde-oliva claro (este é o quarto mandamento do estilo neocolonial escrito por José Mariano Filho);
  • Telhado tipo capa e canal (colonial);
  • Cimalhas, que as são molduras que arrematam os beirais.
O Casarão de Antônio Mascarenhas, projetado em 1936 por Caetano Defranco, localizado à Av. Assis Chateaubriand, n. 291.  (Fonte: Guia do Bem).

A arquitetura religiosa, como nos velhos tempos, também expressou com maestria a estética neocolonial na capital mineira, em obras emblemáticas como: as antigas edificações do Seminário Arquidiocesano Coração Eucarístico de Jesus (1927-1951) – hoje parte do campus Coração Eucarístico da PUC Minas – provavelmente projetadas por Carlos Santos; a Igreja de São Sebastião, no Barro Preto (1929-1958), de autoria de Adriano Drager; e a Igreja de Santa Teresa (1933-1949), projetada pelo arquiteto mineiro João de Almeida Ferber.

A introdução da arquitetura neocolonial na capital mineira trouxe, portanto, novas possibilidades estéticas ao ecletismo presente desde a fundação da cidade, enriquecendo a paisagem urbana da década de 1930 com notáveis edificações moldadas por um historicismo de cunho nacionalista.

Conheça algumas obras emblemáticas do estilo neocolonial em BH.

1. Antigo Seminário Arquidiocesano Coração Eucarístico de Jesus (Atual Campus Coração Eucarístico, PUC Minas).

Imóveis tombados.

Conjunto de edificações projetadas, provavelmente, pelo arquiteto Carlos Santos. Os projetos tiveram início em 1927 e as últimas obras foram concluídas em 1951.

Localização: Campus Coração Eucarístico da PUC Minas. Bairro Coração Eucarístico.

Antigo Seminário – PUC Coração Eucarístico (Fonte: Acervo IBGE).

2. Igreja de São Sebastião.

Imóvel tombado.

Templo projetado por Adriano Drager em 1929. As obras foram concluídas em 1958.

Localização: Av. Augusto de Lima, n. 1655. Bairro Barro Preto.

Igreja de São Sebastião (Fonte: Ulisses Morato)

3. Igreja de Santa Teresa.

Imóvel tombado.

Obra projetada pelo arquiteto João de Almeida Ferber em 1933 e inaugurada em 1949.

Localização: Praça Duque de Caxias, n. 200. Bairro Santa Tereza.

Igreja de Santa Teresa (Fonte: Arquidiocese de BH).

4. Casa Rua Monte Carmelo.

Imóvel tombado.

Moradia projetada pelo arquiteto João de Almedia Ferber em 1932.

Localização: Rua Monte Carmelo, n. 117. Bairro Floresta.

Casa Rua Monte Carmelo (Fonte: Guia do Bem).

5. Casa térrea Rua Pium-í.

Imóvel tombado.

Moradia térrea projetada pelo arquiteto Ayrton Norberto Inhatá em 1931.

Localização: Rua Pium-í, n. 74. Bairro Cruzeiro.

Casa térrea Rua Pium-í (Fonte: Ulisses Morato).

6. Casarão de Domingos Malaco.

Imóvel tombado.

Imóvel projetado em 1933 pelo arquiteto Caetano Defranco para Domingos Malaco.

Localização: Rua Marechal Deodorao, n. 294. Bairro Floresta.

Casarão de Domingos Malaco (Fonte: Ivan Capdeville Jr.)

7. Casarão de Caremo Piffon.

Imóvel tombado.

Moradia projetada em 1933 pelo arquiteto Caetano Defranco para Caremo Piffon.

Localização: Rua Espírito Santo, n. 1.912. Bairro Lourdes.

Casarão de Caremo Piffon (Fonte: Ulisses Morato).

8. Sobrado Rua dos Aimorés.

Imóvel tombado.

Residência projetada pelo arquiteto José Castro em 1930.

Localização: Rua dos Aimorés, n. 1.725. Bairro Lourdes.

Sobrado Rua dos Aimorés (Fonte: Ulisses Morato).

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