
Casal confundiu personal trainer Kely Moraes com trans e disse que ela usasse ‘banheiro inclusivo’. Casal que impediu personal de entrar em banheiro feminino se pronuncia sobre o caso
“Pelo porte físico dela, pela aparência, eu só pensei que ela fosse uma pessoa que se identificasse de outra forma. Em nenhum momento eu cometi nenhum crime, nem fui desrespeitosa com ela. Só que aí, na tentativa de você ajudar, as pessoas interpretam de forma errada. […] Não houve nenhum tipo de preconceito”.
A fala é da empreendedora Karolaine Klecia da Silva, envolvida na confusão em que a personal trainer Kely Moraes foi impedida de usar o banheiro da academia em que estava trabalhando, em Boa Viagem, na Zona Sul do Recife.
Karolaine e o marido, Marcos Aurélio Mendes Leite, confundiram a personal trainer com uma mulher transsexual e mandaram que ela usasse um “banheiro inclusivo”, direcionado a pessoas com deficiência, e unissex (veja vídeo acima).
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A personal trainer Kely Moraes é mulher cis e, por ser fisiculturista e ter um corpo musculoso, disse que já teve a identidade de gênero questionada outras vezes, inclusive sendo ameaçada de morte em algumas ocasiões.
Segundo Karolaine Klecia, ela tentou “ajudar” a personal ao vê-la saindo do banheiro feminino.
“Acho que a personal estava, não sei, nervosa, porque parece que ela caiu da moto anteriormente, fora da academia, e acho que ela estava nervosa já por outros problemas e interpretou de forma errada. Tanto que ela se direciona para a aluna dela e fala dessa forma: ‘ela está me dizendo que eu não posso utilizar o banheiro feminino porque eu não sou uma mulher’. E eu não falei dessa forma”, afirmou.
Personal trainer é xingada e impedida de entrar em banheiro ao ser confundida com trans
Outra pessoa envolvida na confusão foi a aluna de Kely, Marcela Clementino do Nascimento. Ela, que está grávida, tentou defender a personal trainer. Karolaine Klecia disse que foi ameaçada e agredida por ela.
Nesta quinta-feira (29), o casal foi à Delegacia de Boa Viagem e registrou boletim de ocorrência sobre o caso. Os dois acusaram Kely e calúnia e difamação e Marcela, de injúria e ameaça.
“Toda agressão e ameaça que houve foi de parte da aluna dela [de Kely], que fez total sensacionalismo dentro da academia. Fui ameaçada, fui agredida fisicamente e a única parte que a personal se altera é no final, que ela perde um pouco ali do controle. E a única coisa que eu falo ali exaltada é dizendo que pode filmar e que pode processar, porque eu não tinha cometido nenhum crime com a informação que eu passei”, disse.
O marido, Marcos, disse que estava protegendo a esposa e, por isso, se pôs no caminho de Kely. Ele também negou ter tido atitudes discriminatórias.
“Em nenhum momento a gente teve nenhum tipo de discriminação. O que houve ali foi simplesmente informativo. Ninguém discriminou, porque, longe disso, nós nunca fomos discriminatórios com ninguém, nenhum tipo de ser que seja na terra. […] Eu respondi, por causa do calor do momento, à primeira vista, foi o que eu entendi, que ela seria uma pessoa inclusa, à primeira vista, foi quando ela perguntou. Aí eu disse, tem um banheiro inclusivo lá embaixo”, declarou Marcos.
Kely Moraes, personal trainer impedida de entrar em banheiro feminino ao ser confundida com trans
Reprodução/Instagram
Exclusão de academia
A rede de academias Selfit decidiu expulsar o casal, “conforme os princípios e valores da empresa”, encerrou o contrato dos dois. O advogado Kleber Freire, que defende Karolaine e Marcos, disse que foi pego de surpresa pela decisão, e que vai pedir indenização à empresa.
“No nosso entendimento, a academia deveria funcionar como órgão mediador. Meus clientes foram atrás da academia, no dia seguinte ao fato, mesmo antes das coisas de tomarem a projeção nas mídias sociais, procuraram as pessoas responsáveis pela academia e a todo momento foi criado um embaraço. Na noite desse dia que eles foram, receberam um e-mail informando que eles haviam sido banidos de toda a rede dessa academia”, declarou o advogado.
Kleber Freire também disse que esperava que todas as pessoas envolvidas no caso fossem suspensas até que houvesse deliberação sobre o caso.
“Meus clientes sofreram a sanção, foram banidos. Nós já solicitamos as câmeras, que serão fundamentais para esse caso. Quando a verdade se estabelecer, a gente com certeza vai dar vazão a essa pretensão indenizatória contra essa rede de academias”, declarou.
Defesa
Por meio de nota, os advogados de Kely e Marcela disseram que elas “exerceram seu direito constitucional de narrar fatos amparadas em prova audiovisual e testemunhal, sem jamais imputar crime inexistente. A divulgação do ocorrido, de interesse público e pautada em documentação oficial, não configura calúnia, difamação, ameaça, nem injúria”.
Os advogados também disseram que “a conduta do casal, ao impedir o uso normal do banheiro feminino pela Sra. Kely, constitui prática discriminatória enquadrada como crime de transfobia equiparado à Lei de Racismo”, e que “todas as medidas legais para responsabilização criminal e cível já estão em curso”.
A defesa também disse que repudia “qualquer tentativa de deslegitimar a vítima por meio de ações infundadas” e que, caso o casal persista apresentando “alegações sem respaldo nos fatos ou nas provas”, adotará medidas judiciais, “inclusive pedido de indenização por litigância de má-fé e abuso de direito”.
Por fim, os advogados afirmaram que Marcela, a aluna, ao defender a professora, “vem sofrendo alto nível de estresse, ao ponto de entrar em estado de aborto gestacional”, impossibilitada de se movimentar.
“Exigimos respeito e cessação imediata de qualquer ato que coloque em perigo não só sua honra, mas também a saúde física e emocional da gestante”, finaliza a nota.
O caso
O caso aconteceu na Selfit Boa Viagem II na segunda-feira (26). A personal Kely disse que caiu da moto no caminho e assim que chegou na unidade, foi ao banheiro para limpar o pé, que estava sangrando. Na saída, encontrou Karolaine, que começou a dizer que ali não era lugar dela, e que banheiro de homem era no andar de baixo.
Em seguida, chegou o marido de Karolaine, Marcos, que repetiu o discurso da esposa. Kely relatou que, aos gritos, o casal disse que ela não podia usar o banheiro — de onde ela já tinha saído.
No mesmo dia, Kely registrou boletim de ocorrência na Delegacia de Boa Viagem, acompanhada da aluna que presenciou o caso.
Procurada, a Polícia Civil informou que o caso foi registrado pela Delegacia de Boa Viagem como uma ocorrência de constrangimento ilegal, vias de fato e ameaça. A corporação disse que um inquérito foi instaurado e que as investigações seguem “até a completa elucidação” dos fatos.
Karolaine Klecia da Silva e Marcos Aurélio Mendes Leite impediram personal de entrar em banheiro feminino ao confundi-la com trans
Reprodução/TV Globo
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