Por que Preta Gil foi tratar o câncer nos EUA? A resposta expõe o Brasil

O país inteiro acompanha com atenção a saúde de Preta Gil. A cantora foi diagnosticada com câncer colorretal no início de 2023, e no ano seguinte, passou por uma cirurgia para remover os tumores. No entanto, exames posteriores indicaram que o câncer havia se espalhado para outras regiões do corpo, e desde então, ela segue passando por uma série de procedimentos para tratar a doença.Em março deste ano, a artista anunciou na TV que iria para Nova York, nos Estados Unidos, após esgotar todas as possibilidades de tratamento no Brasil. “Aqui a gente já fez tudo que podia. Então, agora as minhas chances de cura estão fora do Brasil. É para lá que eu vou, para voltar para cá curada e voltar a fazer o que eu amo”, prometeu. Dois meses depois, após um longo internamento em decorrência de uma infecção urinária, a filha de Gilberto Gil, enfim, desembarcou em terras norte-americanas.No exterior, Preta Gil tem se submetido a uma série de exames e consultas médicas para encontrar o melhor protocolo terapêutico a ser seguido. Em uma postagem no Instagram, publicada nesta terça-feira, 3, ela anunciou que vai começar o novo tratamento no próximo dia 10 de junho.Mas afinal, no que a decisão de Preta Gil em viajar para o exterior foi baseada? O Portal A TARDE conversou com um médico e entidades ligadas à oncologia para saber quais são as possibilidades de tratamento fora do Brasil e se elas são realmente promissoras.

O post de Preta Gil

|  Foto: Rerodução | Redes Sociais

Quais são os tratamentos disponíveis para o câncer no Brasil?O câncer é um conjunto de mais de 100 doenças caracterizadas pelo crescimento desordenado e agressivo de células, que podem invadir tecidos vizinhos ou se espalhar para outras partes do corpo (metástase). Essas células podem formar tumores e originar diferentes tipos de câncer. Atualmente, as formas de tratamento no Brasil incluem cirurgia, quimioterapia, radioterapia e transplante de medula óssea, muitas vezes combinadas para maior eficácia.Considerado o principal problema de saúde pública no mundo, o câncer tem incidência significativa na Bahia. Dados disponibilizados pela Secretaria de Saúde (Sesab) indicam que de 2020 ao início de abril de 2025, o tipo colorretal, mesmo de Preta Gil, foi o quinto que mais matou no estado:1- Neoplasias malignas (não especificadas): 14.136 mortes2- Neoplasia maligna da próstata: 7.746 mortes3- Neoplasia maligna da traqueia, brônquios e pulmões: 7.384 mortes4- Neoplasia maligna da mama: 6.075 mortes5- Neoplasia maligna do cólon, reto e ânus: 5.271 mortesNa Bahia, a raça/cor com o maior número de mortalidade no período foi a parda (57,1%), enquanto o sexo masculino foi o mais afetado (52,6%). A faixa etária com maior registro de óbitos foi a de 80 anos ou mais (22,4%), seguida de 70-74 anos(12,6%) e 65-69 anos (12,30%).Os dados revelados pela Sesab ao Portal A TARDE revelam, ainda, uma tendência de crescimento ao longo dos últimos quatro anos. Quanto ao número de mortes por neoplasias malignas (não especificadas), por exemplo, em 2020, foram registradas 2.523 óbitos, que evoluíram durante os cinco anos:2020 – 2.523 mortes2021 – 2.646 mortes2022 – 2.655 mortes2023 – 2.823 mortes2024 – 2.895 mortes2025 – 594 mortes (registro até 7 de abril de 2025)Oncologista e pesquisador na área, o médico Vinicius Carrera explica que o tratamento padrão para câncer de intestino com metástase em linfonodos, caso inicial de Preta Gil, envolve cirurgia para retirada do tumor e dos linfonodos afetados, seguida por quimioterapia para eliminar possíveis micrometástases. “Quando o tumor está em áreas difíceis, como o reto distal, radioterapia também pode ser necessária”, explica.

Após o tratamento inicial, o paciente entra em vigilância ativa, com exames periódicos por pelo menos cinco anos. O especialista ressalta que se houver recidiva, como o que aconteceu com a artista, a conduta é personalizada “levando-se em consideração o tempo que demorou para a doença recorrer, o estado geral do paciente, o local exato dos linfonodos e outras metástases em outros órgãos associados”.

Preta Gil passou por múltiplas intervenções e agora vive com uma colostomia – abertura no abdômen para a saída de fezes e gases. Em situações como a dela, quando a cirurgia não é mais viável, o foco recai sobre tratamentos sistêmicos e, eventualmente, participação em estudos clínicos. “O paciente pode buscar, por conta própria ou com o oncologista, pesquisas em andamento no site cancertrialsbr.com.br”, sugere Carrera.

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Preta Gil ficou internada

|  Foto: Rerodução | Redes Sociais

Na avaliação de Carrera, o Brasil possui recursos modernos para tratar o câncer, como quimioterapia, radioterapia e cirurgia. No entanto, o acesso a terapias mais inovadoras, como imunoterapia e medicamentos de precisão, ainda é limitado ao setor privado.Ele diz ainda que outro gargalo é a baixa participação do país em estudos clínicos. “Menos de 5% dos estudos clínicos realizados no mundo ocorrem no Brasil, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). O Brasil ocupa a 17ª posição em número de estudos clínicos”.Diretor-geral do Instituto Nacional de Câncer (INCA), Roberto Gil admite que o país ainda possui uma oferta restrita de tratamentos experimentais do câncer, o que motiva a busca de pacientes brasileiros no exterior. No entanto, ele destacou que o país tem avançado neste campo e anunciou que o INCA deve inaugurar, em breve, a sua primeira enfermaria dedicada exclusivamente a estudos clínicos de fase 1, etapa inicial em que novas drogas são testadas em humanos.Ele lembra que apesar dos avanços, o acesso a terapias de ponta pelo SUS ainda esbarra em desafios estruturais. “A dificuldade não está na capacidade técnica ou científica de oferecer o tratamento, mas no desafio de garantir que ele chegue de forma equitativa a toda a população”, ressaltou Gil, lembrando que o sistema atende mais de 200 milhões de brasileiros.No entanto, ainda que tecnologias modernas nas áreas de cirurgia, radioterapia e tratamento sistêmico já estejam disponíveis na rede pública, a incorporação de novos medicamentos e terapias exige análises rigorosas de custo-efetividade e sustentabilidade, conduzidas pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec).País mais procurado para tratar o câncerPara casos avançados ou com poucas opções terapêuticas, muitos brasileiros buscam estudos clínicos no exterior. De acordo com Vinicius Carrera, os Estados Unidos, onde Preta está, lideram em pesquisas sobre câncer colorretal. “Só lá, hoje existem mais de 500 estudos abertos para esse tipo de tumor. No Brasil, são apenas 17”, aponta o especialista.Entre os centros mais procurados estão o Memorial Sloan Kettering Cancer Center, em Nova York, e o MD Anderson Cancer Center, no Texas. Apesar disso, participar de um estudo internacional envolve dificuldades logísticas, regulatórias e financeiras.Uma das grandes apostas da oncologia moderna é a medicina personalizada, que analisa o DNA do tumor por meio de sequenciamento genético para encontrar mutações específicas. Medicamentos “inteligentes”, conhecidos como terapias-alvo, podem agir diretamente sobre essas alterações, reduzindo os danos às células saudáveis.

Embora essa abordagem exista no Brasil, ela é restrita. Hoje já existem alguns medicamentos inteligentes para combater apenas estas alterações moleculares. O problema é que a frequência destas alterações que têm medicamentos disponíveis são pequenas, e às vezes o paciente não tem mutação que possa usar algum remédio aprovado

Entre os remédios de medicina personalizada já usados no país estão o Cetuximabe, Panitumumabe, Encorafenibe e o Pembrolizumabe. No entanto, alguns fármacos aprovados nos Estados Unidos ainda aguardam liberação no Brasil.Dor transformada em esperança: a história do Instituto Fernanda Gaigher

Luzia Rodrigues e Fernanda Gaigher

|  Foto: Rerodução | Redes Sociais

A dor da perda de um ente querido para o câncer foi também o combustível de uma luta por avanços no Brasil. A história do Instituto Fernanda Gaigher começa em novembro de 2019, após a morte precoce da paranaense Fernanda Gaigher, aos 31 anos. A brasileira, diagnosticada com Linfoma Não Hodgkin, viu no tratamento com CAR-T Cell – terapia genética que modifica as próprias células do paciente para combater o câncer -, uma esperança. No entanto, o procedimento experimental não pôde ser concluído a tempo.Sua mãe, Luzia Rodrigues, decidiu transformar essa experiência em um legado de amor e acolhimento. Desde então, o Instituto dedicado a Fernanda tem oferecido apoio a pacientes com câncer, principalmente na cidade de Cornélio Procópio, no Paraná, onde a jovem nasceu. O atendimento é presencial e gratuito, voltado para pessoas de todas as idades e classes sociais. Desde sua fundação, 74 pacientes foram acompanhados, com idades entre 18 e 84 anos. A maioria é composta por mulheres.“A vida jamais será a mesma, mas podemos aprender a nos adaptar a essa nova vida e fazer o nosso melhor para honrar tudo o que nossos filhos passaram com o enfrentamento do câncer”, diz ela.

A trajetória de Fernanda com a doença teve início em 2018, quando recebeu o diagnóstico. Os médicos logo mencionaram a possibilidade do uso do CAR-T Cell. “Ela teve as células coletadas e modificadas, porém, não houve tempo de finalizar devido ao avanço da doença. O sentimento foi de profunda tristeza pois os médicos haviam comentado no início do tratamento que se pudessem fariam de imediato o Car – T Cell, mas como se tratava de uma pesquisa experimental, seria a última cartada e infelizmente ela não teve esse tempo”, conta Luzia.

Ela critica a lentidão com que o tratamento vem sendo incorporado no país. “O maior entrave é a falta de investimento em pesquisas e ausência de políticas públicas mais eficientes na área de saúde”. Luzia destaca, no entanto, avanços recentes como a parceria entre o Instituto Butantan, a USP e o Hemocentro de Ribeirão Preto, que promete expandir o acesso ao CAR-T Cell pelo SUS. “A criação das unidades do Nutera [Núcleo de Terapia Celular Avançada] pode aumentar a capacidade para até 300 pacientes por ano”, diz.Para ela, o maior legado deixado por Fernanda foi o amor. “Ela nos ensinou com seu exemplo no enfrentamento do câncer que é possível ser feliz mesmo sentindo dor, que a vida é agora e não dá para esperar amanhã para ser feliz e amar. A família é nosso bem maior e quando nos unimos, a caminhada fica mais leve”.Luzia encerra com um apelo direto ao poder público. “É preciso colocar em prática o que muitas vezes é lema de campanha, é preciso maior investimento em pesquisas e apoio às instituições que acolhem os pacientes oncológicos. Melhorar as políticas públicas existentes e elaborar novas que garantam a qualidade do atendimento na área da saúde”.INCA terá projeto piloto de medicina personalizada no sistema público

A terapia CAR-T Cell é considerada promissora no tratamento contra o câncer

|  Foto: Rerodução | Agência Brasil

Em meio a luta de Luzia, uma boa notícia: o Instituto Nacional de Câncer (INCA) afirmou ao A TARDE que deve iniciar ainda em 2025 a aplicação da terapia CAR-T Cell em pacientes atendidos pelo SUS. A nova modalidade terapêutica será, inicialmente, destinada a casos de leucemia linfoblástica aguda (LLA) em crianças, e linfomas de alto grau em adultos, marcando um avanço importante da medicina personalizada na rede pública de saúde.“Estamos na etapa final de organização dos fluxos assistenciais e de adequação de recursos humanos, para garantir que a oferta do tratamento ocorra de forma segura, eficiente e integrada à rotina hospitalar. A expectativa é que, ainda no segundo semestre, iniciemos a aplicação em pacientes do INCA.”, afirmou o diretor Roberto de Almeida Gil. Segundo ele, entre 10 e 15 pacientes devem ser atendidos nesta fase inicial.CAR-T é uma terapia genética revolucionária que utiliza células do próprio paciente, modificadas em laboratório para atacar células cancerígenas com alta precisão. O tratamento já é usado em centros de referência como os norte-americanos Memorial Sloan Kettering e MD Anderson, e começa agora a ganhar espaço também em países em desenvolvimento como o Brasil. “Neste primeiro projeto, toda a produção está sendo realizada no INCA. Já para a segunda etapa, em fase de desenvolvimento, a produção será feita na Fiocruz, com a aplicação também no INCA”, explicou Gil.A produção nacional das células CAR-T no INCA e, futuramente, na Fiocruz, representa mais do que um marco científico: é um passo estratégico para a autonomia tecnológica do país em um dos campos mais promissores da medicina. “Todas as células CAR-T utilizadas nos projetos serão produzidas em território nacional, reforçando a autonomia tecnológica do país e o compromisso com a inovação dentro do SUS”, afirmou o diretor.No curto prazo, a prioridade será consolidar o tratamento com segurança e eficiência. A aplicação será inicialmente restrita a pacientes já em acompanhamento no INCA, e ainda não há fila de espera ou triagem nacional. Mas o objetivo de longo prazo, segundo Gil, é claro: garantir que terapias como a CAR-T não sejam um privilégio, e sim um direito acessível a todos os brasileiros.Onde se tratar contra o câncer na Bahia:Hospital Aristides Maltez – SalvadorHospital Geral Roberto Santos/CICAN – SalvadorHospital Universitário Professor Edgard Santos – SalvadorHospital Santa Izabel – SalvadorHospital Martagão Gesteira – SalvadorHospital Estadual da Mulher – SalvadorHospital Santo Antônio – SalvadorHospital Maternidade Luiz Argolo – Santo Antônio de JesusHospital Estadual da Criança – Feira de SantanaHospital Dom Pedro De Alcântara – Feira de SantanaSAMUR – Vitória da ConquistaComplexo Hospitalar de Vitória da ConquistaHospital Municipal Dr. Ricardo de Tadeu Ladeia – CaetitéHospital Manoel Novaes – ItabunaHospital Calixto Midlej Filho – ItabunaHospital Geral Prado Valadares – JequiéHospital São José Maternidade Santa Helena – IlhéusHospital Regional de JuazeiroHospital Núcleo Vida – Paulo AfonsoHospital Regional Dr. Mário Dourado Sobrinho – IrecêHospital Regional Deputado Luís Eduardo Magalhães – Porto SeguroHospital Regional Costa das Baleias – Teixeira de FreitasHospital do Oeste – Barreiras

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