
Síndrome do burnout atinge 1 em cada 3 brasileiros com estresse no trabalho e pode causar exaustão física e emocional profunda. O personagem Renato Filipelli (João Vicente de Castro) teve burnout na novela “Vale Tudo”
TV Globo/Reprodução
Sentir-se tão esgotado a ponto de não conseguir sair da cama, tomar banho ou colocar uma roupa. Ter alterações no sono, no apetite e perceber que nada mais do trabalho parece importar. Esses são alguns dos sinais clássicos do burnout, uma síndrome ocupacional provocada por estresse crônico não gerenciado no ambiente de trabalho.
Na novela “Vale Tudo”, o personagem Renato Filipelli, vivido pelo ator João Vicente de Castro, vive um quadro de estresse com o trabalho.
O problema já atinge 32% dos trabalhadores brasileiros com estresse, segundo dados da ISMA-BR (International Stress Management Association no Brasil), uma organização dedicada à pesquisa científica e à prevenção do estresse. Em entrevista ao podcast Bem-Estar, a psicóloga Ana Maria Rossi, referência no tratamento do estresse no país, foi categórica ao alertar:
“A pessoa tem uma sensação de exaustão que sair da cama, tomar um banho, colocar uma roupa, são atividades que demandam um esforço sobrenatural. Ela basicamente se arrasta”.
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A especialista, que é precursora das técnicas de autocontrole e biofeedback no Brasil, reforça que o burnout é frequentemente confundido com a depressão, mas a principal diferença é o vínculo direto com o ambiente profissional.
“A depressão pode afetar qualquer pessoa em qualquer idade. Já o burnout só pode ocorrer em quem está ativo no mercado de trabalho. Ele é uma síndrome resultante do estresse crônico não administrado no local de trabalho”.
Síndrome e não doença: qual a diferença?
Apesar de estar classificado desde 2022 como “doença ocupacional” pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o burnout não é tecnicamente uma doença.
“A doença é uma condição médica com causas identificáveis. Já a síndrome é um conjunto de sinais e sintomas que ocorrem simultaneamente, normalmente sem causa definida”, explicou Ana Maria Rossi no podcast Bem-Estar.
Três sinais que ajudam a identificar o burnout
De acordo com a psicóloga, para ser diagnosticado com burnout, o profissional precisa manifestar três dimensões fundamentais:
Exaustão – cansaço físico e emocional que não melhora nem com férias;
Ceticismo – apatia, insensibilidade e distanciamento em relação ao trabalho;
Ineficácia – queda na produtividade, alta margem de erro e sensação de incapacidade.
Quem corre mais risco?
A síndrome costuma surgir em profissionais insatisfeitos, desmotivados e que não respeitam seus próprios limites.
“O profissional sabe que está ultrapassando seus limites, mas continua por diversas razões. Isso o torna um forte candidato a ter burnout”, disse Ana Maria Rossi.
Entre os principais gatilhos estão:
jornadas excessivas,
insegurança no emprego,
falta de apoio no trabalho,
metas inalcançáveis,
e conflitos entre vida pessoal e profissional.
O burnout tem consequências graves. Afeta as pessoas de forma diferente, mas mesmo os casos leves, capazes de se prolongar por vários anos, podem levar a uma série de resultados negativos para a saúde. Isso inclui ansiedade e depressão relacionadas, aumento do risco de doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2, insônia, dores de cabeça e, talvez, o mais alarmante: aumento da mortalidade.
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Trabalho remoto é vilão ou aliado?
Segundo a psicóloga, o home office teve efeitos diversos. Para alguns, trouxe ganho de tempo e produtividade. Para outros, principalmente os mais sociáveis, causou isolamento e dificuldade de adaptação.
Apesar da percepção de aumento, Ana Maria alerta que o crescimento dos diagnósticos pode estar associado a confusões conceituais.
“Há uma grande confusão. Burnout é só ligado ao trabalho. Não existe burnout gestacional, burnout do idoso. Não há comprovação científica disso”.
Como tratar (e prevenir)?
O tratamento pode incluir psicoterapia, antidepressivos nos casos mais graves e mudanças no estilo de vida. Mas, segundo a especialista, afastamento do trabalho nem sempre é a melhor solução:
“Algumas pessoas não se beneficiam com o afastamento porque não têm apoio social. Elas se sentem inúteis e isso pode piorar o quadro”.
A chave, segundo ela, está em adotar práticas de autocuidado e estabelecer limites claros:
praticar respiração abdominal;
manter momentos de lazer;
buscar apoio emocional e social;
cuidar da alimentação e evitar álcool e cigarro.
Empresas também têm responsabilidade
Com a classificação da síndrome pela OMS, o Brasil passou a ter novas regras. A Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1) determina que empresas criem políticas para prevenir o burnout — evitando, por exemplo, jornadas abusivas e assédio moral.
A fiscalização, que estava prevista para maio de 2025, foi adiada para maio de 2026. Mesmo assim, Ana Maria acredita que o alerta já está aceso nos gestores:
“Eles poderão ser responsabilizados juridicamente. Por isso, devem estar atentos a cargas de trabalho sustentáveis, reconhecimento e um ambiente de apoio aos funcionários”.