Uma investigação exclusiva do UOL revelou um esquema de fraudes milionárias envolvendo o pagamento do seguro-defeso a supostos pescadores artesanais em diversas cidades brasileiras. O mais grave: em alguns municípios, há mais pescadores cadastrados do que a própria população adulta residente, segundo dados cruzados com o IBGE.
O seguro-defeso é um benefício essencial para a preservação ambiental, garantindo um salário mínimo mensal por até cinco meses a pescadores artesanais impedidos de atuar durante o período de reprodução das espécies. No entanto, esse instrumento virou alvo de corrupção sistêmica. Somente em 2023, o INSS desembolsou R$ 5,9 bilhões o maior valor da história com fortes indícios de que uma fatia significativa foi desviada.
Cidades com números absurdos de “pescadores” e fraudes escancaradas
A distorção dos dados fica evidente em cidades do Maranhão, Pará, Amazonas e Piauí, onde entidades conveniadas ao INSS cadastraram milhares de pescadores que, na prática, não exercem a atividade. Há relatos de beneficiários que, ao invés de viver da pesca, atuam em escolas, prefeituras e até no SUS.
Atualmente, o Brasil contabiliza cerca de 1,7 milhão de pescadores registrados no Ministério da Pesca — um aumento de 500 mil em apenas um ano. Para especialistas e investigadores, o número não condiz com a realidade.
O papel das entidades e a atuação da CBPA
A Confederação Brasileira dos Pescadores e Aquicultores (CBPA), que tem convênios com o INSS e autorização para registrar pescadores, também está no centro do escândalo. O presidente da entidade chegou a admitir, em entrevista à repórter Natália Portinari, que “todo mundo avacalhou” e que pessoas têm procurado carteiras de pescador apenas para acessar os benefícios.
Embora a CBPA negue responsabilidade direta, afirmando que entidades estariam usando seu nome indevidamente, os dados do INSS mostram que os cadastros fraudulentos vêm sendo feitos, em sua maioria, por colônias e federações ligadas à própria confederação.
Governo impõe limite, mas sem medir o rombo
Em resposta à crise, o governo federal publicou um decreto estabelecendo um teto de R$ 6,4 bilhões para os gastos com o seguro-defeso em 2024. A medida prevê o uso de dados da Receita Federal para identificar fraudes, mas não quantifica o tamanho do desvio nem define critérios objetivos para bloqueios de pagamentos suspeitos.
Especialistas criticam a resposta governamental, classificando-a como tardia e ineficaz, pois o sistema atual depende de intermediações políticas e sindicais, sem um controle federativo eficiente.
Solução está no modelo do Bolsa Família
Analistas apontam que o caminho para estancar as fraudes passa por replicar o modelo de gestão do Cadastro Único, utilizado em programas como o Bolsa Família. Esse sistema, com controle federal, articulação com os municípios e uso de indicadores de monitoramento, já demonstrou eficácia na redução de fraudes.
“Enquanto a gestão do seguro-defeso continuar nas mãos de entidades intermediárias ligadas a políticos locais, o Brasil continuará perdendo bilhões”, afirmou Fernando Abrucio, especialista em administração pública.
Um benefício vital transformado em ralo de dinheiro público
O seguro-defeso existe para proteger o meio ambiente e garantir a sobrevivência de quem vive da pesca artesanal durante o período de proibição da atividade. No entanto, tornou-se mais uma fonte de desvio de recursos públicos, com impacto direto sobre as contas da Previdência Social e a credibilidade do sistema.
A fraude também põe em risco o próprio objetivo do programa: sem controle, a preservação dos estoques pesqueiros fica comprometida, assim como a renda de pescadores reais que, muitas vezes, enfrentam dificuldades para acessar o benefício.
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