Como funciona o protocolo de morte cerebral aberto por hospital após espancamento de jovem em SP


Guilherme Alvarelo foi espancado por cerca de 10 pessoas durante festa de rodeio em Piquete (SP). Hospital abriu protocolo nesta segunda-feira (7). Jovem espancado em Piquete tem quadro de morte cerebral
A Santa Casa de Lorena, no interior de São Paulo, abriu nesta segunda-feira (7) o procedimento de morte encefálica do jovem Guilherme Araújo Cabral Alvarelo, espancado por cerca de 10 pessoas durante uma festa de rodeio em Piquete (SP) no último final de semana.
O procedimento é previsto em lei e regulamentado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e faz parte do processo para confirmar ou não se houve a morte encefálica de uma pessoa, segundo explica o neurologista Marcelo Calderaro, médico assistente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP e membro da Câmara Técnica de Morte Encefálica do CFM.
“Tudo isso é importante porque o Brasil, em prol de uma segurança da sociedade, adotou, desde o começo dos nossos protocolos de avaliação de morte encefálica, um dos protocolos mais conservadores do mundo, talvez o mais conservador do mundo. Eles quiseram colocar todas as barreiras possíveis para que, sob nenhuma hipótese, a gente tivesse alguém que estivesse vivo que, ao ser avaliado adequadamente pelo protocolo de morte encefálica, essa pessoa fosse dada como morta”, explicou.
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Segundo o médico, o primeiro passo é ter uma causa de morte bem esclarecida. No caso de Guilherme, que foi espancado, é necessário um exame que mostre o estrago causado pelas agressões.
“A gente precisa ter uma causa de morte bem esclarecida. Não basta a pessoa ter sido espancada, ela tem que ter sido espancada e ter um exame de imagem que mostre a repercussão desse espancamento com uma catástrofe intracraniana. Você tem que demonstrar que houve uma lesão anatômica significativa do cérebro da pessoa”, afirmou.
O que é morte encefálica?
Com a lesão bem definida, é possível dizer se a lesão é reversível ou não. Caso seja, não é considerado o critério de morte encefálica.
Outro fator importante, segundo Calderaro, é avaliar o paciente clinicamente para verificar se ele tem a perda de todas as funções, não só do cérebro, mas também do tronco cerebral.
“Se o cérebro está com perda de função, mas o tronco cerebral está íntegro, a gente não define morte encefálica. A gente diz que o paciente pode estar em coma, pode estar em um monte de outras coisas, mas não que esteja em morte encefálica”, explicou o médico.
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Arquivo pessoal
Fatores externos que possam causar algum tipo de falso exame neurológico também devem ser considerados nessa hora. No Brasil, os exames são feitos por ao menos dois médicos.
“A gente tem que ter um exame que é feito por dois médicos, no caso do Brasil, que tenham sido capacitados para essa avaliação, diferentes, com um período de pelo menos 1 hora de exame entre eles, e é importante que essas pessoas não estejam de forma alguma envolvidas em equipes, por exemplo, que vai ser envolvida em transplantes, isso para evitar qualquer tipo de conflito”, pontuou o médico.
O teste de apneia também é realizado nos pacientes, com o objetivo de indicar se a pessoa está tendo ou não incursão respiratória. Nesse caso, o paciente é deixado sem a ventilação mecânica.
“No Brasil ainda é necessário que se faça um exame complementar. A gente tem que provar, depois de tudo isso, um exame que mostre ausência de fluxo sanguíneo cerebral, mostre a ausência de atividade elétrica cerebral ou ausência de metabolismo cerebral”, acrescentou
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Tempo de procedimento
De acordo com Calderaro, o tempo mínimo de atendimento hospitalar é de 6 horas, mas em casos específicos de pacientes, o tempo pode subir para até 24 horas, sem um limite máximo de horas.
“No caso dos pacientes que têm parada cardíaca, esse período de observação tem que ser até maior do que essas 6 horas. Esse período de observação ele sobe para 24 horas nos casos de avaliação convencional, e existem alguns pacientes que após parada cardíaca e, portanto, que foram reanimados, que o coração voltou a bater, mas que eles ficam em coma, alguns desses pacientes são submetidos ao que a gente chama de hipotermia terapêutica. Significa que eles gelam o corpo e o cérebro da pessoa para que ela aumente as chances de se recuperar após uma parada cardíaca. No caso dos pacientes submetidos à tal da hipotermia, após o reaquecimento do corpo, conta-se 24 horas”, explicou.
No caso dos pacientes submetidos à hipotermia, como explicado pelo médico, o procedimento acontece 24 horas após ‘reesquentar’ o corpo da pessoa.
“Enquanto eu não fechar o diagnóstico de morte encefálica, a gente está cuidando de uma pessoa que está viva, então existe uma série de parâmetros que são adotados para que a gente veja como é que estão os reflexos do indivíduo”.
Alguns pontos são considerados durante a avaliação dos reflexos. De acordo com Calderaro, se a pessoa não tem resposta motora espontânea ou aos estímulos, isso é um fator considerável, mas não é o único.
“Você vai observar reflexos do tal do tronco cerebral. Então, você vê que a pessoa perde a reação das pupilas, que todo mundo tem. Imagina que você mesmo vai olhar a sua pupila no espelho. Se você jogar a luz do olho, você vai ver que a pupila contraste as pessoas que estão em morte encefálica e que a pupila está dilatada e não reativa a luz, porque o indivíduo está possivelmente em morte encefálica”, considerou.
“Em terceiro lugar, o indivíduo não tem nenhuma movimentação dos olhos, nem movimentação espontânea e nem dos reflexos, então você vira a cabeça da pessoa de um lado e do outro de tal maneira que você tenta desencadear esses reflexos e a pessoa que está em suspeita de morte encefálica naturalmente não tem esses reflexos”, acrescentou.
Caso Pedro Severino
Um dos casos emblemáticos mais recente foi o do jogador do Red Bull Bragantino, Pedro Severino, onde o hospital chegou a abrir o procedimento de morte encefálica, mas que foi interrompido após o atleta responder.
De acordo com o especialista, o cumprimento criterioso das etapas foi essencial para identificar que Severino estava vivo.
“Na verdade, o que aconteceu foi que se abriu o protocolo de avaliação para ver se ele estava em morte encefálica e o protocolo não se confirmou e por isso ele estava vivo. Não é que ele reviveu, não é isso. Ele simplesmente nunca esteve em morte encefálica e o protocolo justamente mostrou isso”, finalizou.
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