
Cabeleireira de 45 anos sentiu dor aguda por quatro dias e alega ter sido diagnosticada com queimadura na córnea. Especialistas alertam para o uso de produtos sem prescrição médica e cuidados com a região dos olhos. Lidiane Herculano conta que teve queimaduras na córnea após usar o sérum para as cílios e sobrancelhas Wedrop, da marca Wepink, da influenciadora e empresária Virginia Fonseca
Redes sociais, divulgação e Edilson Rodrigues/Agência Senado
Consumidoras alegam terem sido diagnosticadas com queimaduras nas córneas depois de usar um sérum para cílios e sobrancelhas da marca Wepink, criada pela influenciadora Virgínia Fonseca. O g1 ouviu médicos especialistas que fazem um alerta para os cuidados no uso de produtos aplicados próximos aos olhos. (Entenda mais abaixo)
O produto faz parte da linha de cosméticos da influenciadora e é vendido com a promessa de aumentar o volume e estimular o crescimento de cílios e sobrancelhas. Em um site de reclamações, há pelo menos uma dezena de relatos de pessoas que alegam ter comprado o produto e terem tido problemas nos olhos.
O g1 procurou a empresa responsável pelo produto, mas não obteve resposta até a última atualização desta reportagem.
Fotos tiradas no segundo atendimento de Lidiane, quando o médico anestesiou os olhos para que ela conseguisse abri-los
Arquivo pessoal
Lidiane Herculano é uma delas. A cabeleireira conta que após usar o produto nos cílios e sobrancelhas passou a ter uma visão embaçada e foi diagnosticada com uma queimadura.
Especialistas explicam que seria preciso uma análise do produto para saber o motivo da queimadura. No entanto, alertam que a embalagem informa que o cosmético foi testado dermatologicamente, mas não menciona testes oftalmológicos — que avaliam a segurança do uso em contato direto com os olhos. Segundo os médicos, esse tipo de teste é essencial em produtos que podem atingir a região ocular.
Consumidora alega queimadura nas córneas
O g1 conversou com Lidiane, de 45 anos, que é cabeleireira. Ela conta que aplicou o sérum nos cílios antes de dormir, em 13 de junho. Ela conta que não havia nenhuma informação no site alertando sobre restrições quanto ao uso noturno.
Na hora de aplicar, a cabeleireira diz que chegou a sentir uma leve ardência, mas achou que era uma reação normal. Horas depois, durante a madrugada, ao ir ao banheiro, Lidiane percebeu que a visão estava “nublada” e, ao acender a luz, enxergava tudo “acinzentado”. Ela lavou os olhos com água e soro fisiológico e voltou a dormir, acreditando que estaria melhor ao acordar.
No dia seguinte, ainda com a visão embaçada, ela procurou atendimento médico e recebeu o diagnóstico, segundo ela, de queimadura nas córneas.
Sérum para sobrancelhas e cílios WWedrop, da marca Wepink, promete força, volume e crescimento
Divulgação
“A oftalmologista disse que minhas córneas estavam queimadas e me passou quatro colírios, incluindo antibiótico e lubrificante ocular. Durante o dia, a nebulosidade aumentou. Na manhã seguinte, eu não conseguia abrir os olhos de tanta dor”, relata.
Lidiane chegou a procurar uma segunda opinião médica, mas segundo ela, os dois médicos diagnosticaram queimaduras nas córneas.
“Parecia gilete cortando os meus olhos. Eu precisava forçar os olhos para soltar a água acumulada, porque não conseguia abri-los. A maior sequela foi emocional, porque eu fiquei com medo de não voltar a enxergar. Fiquei quatro dias totalmente dependente. Hoje, não passo mais nada no rosto nem nos olhos”, desabafa.
Além dela, no Reclame Aqui, site que reúne reclamações de clientes online, há ao menos dez relatos de usuárias que alegam ter tido problemas e precisado de atendimento médico após reação do produto nos olhos. O produto não é um lançamento e há reclamações desde 2023.
Veja os relatos abaixo:
“Assim que usei o Wedrop nos meus cílios, o produto me deu uma alergia que parecia que tinha um ferro dentro dos meus olhos. Doeu muito e um inchaço imenso. Tive que sair correndo pro pronto socorro e o oftalmologista me informou que o produto tinha afetado as minhas córneas”, escreveu uma consumidora em uma reclamação em 12 de junho de 2025.
“Há dois dias usei o Wedrop, e isso ocasionando uma inflamação no meu olho direito”, escreveu outra consumidora em 3 de maio de 2024.
“Comprei o Wedrop para fortalecer os cílios e sobrancelhas e quando passei nos cílios tive uma alergia séria. Estou com o olho todo inchado, vermelho e adquiri uma doença nos cílios”, comentou outra consumidora em agosto de 2023.
Segundo Lidiane, os advogados da empresa Wepink chegaram a entrar em contato com ela, mas não deram um esclarecimento sobre o que pode ter acontecido.
O g1 acionou a Wepink, mas aguardava o retorno até a publicação.
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Olhos são sensíveis e é preciso cuidado
O oftalmologista do Hospital Sírio-Libanês, Newton Kara José Junior, analisou a composição do produto e afirma que, em uma análise preliminar, os compostos presentes no sérum Wedrop têm potencial para agredir a superfície ocular e que, por isso, o produto não deveria entrar em contato direto com os olhos.
Ele ainda ressalta que, mesmo aprovado pela Anvisa, o produto é liberado para fim cosmético e não como medicamento, por isso não são exigidos todos os testes.
“A Anvisa aprova o produto como cosmético para uso nos cílios. Como não é um medicamento, ele não passa por estudos rigorosos de eficácia e segurança. Não foi considerada a possibilidade de contato com os olhos nem foram realizados testes para esse tipo de exposição”, afirma o médico.
O g1 consultou um perito químico, que analisou os compostos do produto. André Luiz Carneiro Simões, que é perito e professor de química no Senai, cita que a maioria dos compostos têm segurança dermatológica, mas que alguns podem ser alérgicos ao olhos.
Alguns dos componentes que ele cita são:
O Imidazolidinyl Uera é um conservante que pode ser um doador de formaldeído, que pode liberar pequenas quantidades com o tempo;
A Triethanolamine é utilizada para ajuste de pH e pode irritar pele e mucosa em concentrações elevadas. O risco principal é ocular e dérmica;
Acrylates Copolymer, um copolímero, normalmente é considerado seguro e inerte, porém traços de monômero residual podem estar presentes e com isso causar também irritação e alergia;
PPG-5-Ceteth-20 pode causar leve e moderada irritação ocular.
André Luiz reforça que é preciso uma análise minuciosa do lote dos produtos que causaram a queimadura para entender qual o problema: se é um problema na composição ou se essas pessoas estão dentro da faixa estática daquelas que podem apresentar alergia.
“A gente tem componentes que têm algum risco alérgico, mas é preciso lembrar que as reações são muito individuais. Cada pessoa pode apresentar uma reação diferente ou não apresentar nada, pois cada individuo pode ter resistência maior ou menor frente a algum dos componentes. É preciso análise em laboratório, explica.
O que dizem os médicos
De acordo com o oftalmologista Sergio Felberg, especialista em córnea do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo (HSPE), mesmo produtos seguros para a pele e aprovados pela Anvisa podem causar danos oculares se atingirem os olhos.
Ele explica que produtos com substâncias ácidas ou formulações alcoólicas são especialmente perigosos, podendo provocar irritação, toxicidade e danos aos tecidos oculares.
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“Algumas reações podem ser suficientemente tóxicas para causar danos oculares permanentes e comprometimento irreversível da visão”, alerta Felberg.
Por isso, para o médico oftalmologista e diretor da Sociedade Brasileira de Oftalmologia, Cesar Motta, a recomendação é que não haja o uso de produtos na área dos olhos sem a prescrição médica.
Motta ainda explica que queimaduras químicas na córnea costumam provocar dor intensa. O tempo de recuperação varia conforme a gravidade da lesão, e as sequelas podem incluir desde abrasões até perfurações.
O que fazer em caso de reação nos olhos
Quanto maior o tempo de exposição e mais tardio o atendimento, maior o risco de sequelas. O médico Sergio Felberg orienta duas ações imediatas:
Lavar abundantemente os olhos com água filtrada, mineral, soro fisiológico ou até mesmo água corrente, caso não haja outra opção. O ideal é agir o mais rápido possível.
Procurar atendimento médico de urgência, para adoção de medidas que evitem complicações permanentes.