Imagine que você entra em um cassino: máquinas caça-níqueis, jogos de azar, luzes coloridas e um mascote aparentemente inofensivo, que pode até ser chamado no diminutivo, o “tigrinho”. Ali, influenciadores digitais em quem você confia mostram suas supostas conquistas e o convidam para o “clube dos milionários” com a promessa de dinheiro fácil. Você aposta seus recursos, “quase” ganha, e a tentação de apostar de novo e de novo se torna um ciclo. É assim que nasce o vício. E esse lugar, que parece distante, está na palma da sua mão, 24 horas por dia, sem restrições, projetado para te adoecer e endividar sua família.
Segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT), ao menos 24 milhões de brasileiros apostaram em “bets” em 2024 e, desses apostadores, quase metade está endividada. Crianças e jovens são os mais vulneráveis à compulsão por jogos de azar online. De acordo com levantamento do Instituto Locomotiva, 30% dos jovens de 16 a 17 anos já apostaram online, muitos utilizando o CPF dos pais ou de terceiros para burlar as regras. O Governo Federal aponta que 34% dos jovens adiaram o ingresso no ensino superior devido a gastos com “bets”.
E para quem pensa que essa realidade ainda não chegou por aqui, Belo Horizonte já registra aumento nas internações por ludopatia, o vício em jogos de azar. Somente no Instituto Assistencial Espírita André Luiz, na região Oeste da capital, foi registrada uma alta de 300% nos números de pacientes diagnosticados com esse transtorno.
Enquanto isso, as famílias seguem com dificuldade para conseguir o básico. Entre os brasileiros que realizaram apostas em 2024, a maioria afirma ter gasto até R$ 500 em aplicativos ou sites na internet. A maior parte do valor, de acordo com pesquisa do Senado, sai da renda de até dois salários mínimos de 52% dos apostadores. A fatia que ganha entre dois e seis salários mínimos é de 35%, enquanto 13% afirmam receber uma remuneração superior. Para se ter ideia, em Belo Horizonte, a cesta básica em junho atingiu R$ 726,63.
O impacto também chega ao comércio. De acordo com estudo da Confederação Nacional do Comércio (CNC), o comprometimento da renda das famílias com essas apostas tem potencial de reduzir em até 11,2% a atividade varejista, diminuindo em R$ 117 bilhões o faturamento do setor por ano.
Considerando o adoecimento mental e financeiro das famílias da nossa cidade, protocolei um projeto de lei que proíbe a veiculação de publicidade de apostas online e jogos de azar. O texto abrange estádios de futebol, naming rights e proíbe a administração pública de firmar contratos com empresas relacionadas a operadoras de apostas.
A proibição vale também para eventos esportivos, automobilísticos, culturais, educacionais e comunitários realizados com apoio, fomento ou participação da administração pública, direta ou indiretamente. Os estabelecimentos comerciais também ficam proibidos de expor produtos que contenham propagandas de jogos de azar. Afinal, se o vício é patrocinado em milhões por propagandas espalhadas pela nossa cidade, não é uma escolha da população estar em contato com as casas de apostas.
Aceitaram assinar o PL comigo os parlamentares Edmar Branco (PCdoB), Flávia Borja (DC), Iza Lourença (Psol), José Ferreira (Podemos), Juhlia Santos (Psol), Lucas Ganem (Podemos) e Luiza Dulci (PT).
O calendário de BH deve ganhar uma data simbólica para o combate ao vício, por meio de outro projeto de lei que propus no mesmo sentido. O Dia 1º de Abril, o Dia da Mentira, pode se tornar o Dia Municipal de Conscientização e Enfrentamento ao Vício em Apostas Virtuais e Jogos de Azar. Os projetos passam a valer em 90 dias a partir da sanção da lei e o Executivo ficará responsável pela fiscalização.
Não queremos impor nada aos comerciantes nem aos clubes de futebol; sabemos que muitos times mineiros sediados em BH são patrocinados por essas empresas. Queremos promover um debate de alto nível, ouvindo todos os setores da sociedade, incluindo os clubes de futebol, federações e até a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), tudo isso para defender quem mais importa: você.
O post Wagner Ferreira: ‘Belo Horizonte não pode ser sócia da mentira’ apareceu primeiro em BHAZ.