‘O ritmo que resiste: bailes, juventude e a ameaça da censura em Belo Horizonte’, por Iza Lourença

“É cultura de baile, som de favelado
Que quando toca na moral ninguém fica parado
Olha o gingado dos cria, combina o traje todo
A lupa, a berma, o pisa, a marra de quem nasceu assim”
(Quando o DJ toca – FBC, VHOOR, UANA)

Esses versos sintetizam a potência do funk nas periferias de Belo Horizonte: uma cultura que pulsa no asfalto quente da favela, que se expressa nos corpos em movimento, nos beats das caixas e na marra de quem, apesar de tudo, afirma sua existência com orgulho.

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Entretanto, devido à polarização política mais geral da sociedade, essa expressão cultural está sob ataque. Três projetos de lei tramitam hoje na Câmara Municipal de BH com propostas que ecoam uma campanha nacionalizada da extrema-direita que busca censurar o funk. Inspirados em um conservadorismo crescente no país, estes projetos pretendem proibir bailes funk nas comunidades e restringir a contratação de artistas sob o argumento de combater a “apologia ao crime”.

A justificativa parece técnica, mas na prática, é política e ideológica. Historicamente, manifestações culturais negras e periféricas sempre foram perseguidas pelas elites — foi assim com o samba no início do século XX, com a capoeira desde o período da escravidão, com os terreiros de candomblé e com o hip-hop até hoje. Agora, é o funk que está na mira.

Ao atacar os bailes, esses projetos não apenas criminalizam o som, mas tentam interditar os poucos espaços de lazer e convivência que a juventude periférica tem. O baile é mais do que festa: é encontro, é cultura, é sobrevivência. É nele que muita gente se expressa, circula, empreende, cria vínculos.

Para muitos, é também sustento: DJs, MCs, produtores, vendedores ambulantes, técnicos de som e artistas locais. É geração de renda, economia criativa, circulação cultural. Mas esses fatores raramente são considerados nas votações que pretendem transformar o funk em problema — quando, na verdade, ele é solução. Hoje o funk é um dos gêneros musicais mais tocados nas plataformas no Brasil e já conquistou o mundo. Um jovem periférico que consegue se colocar nesse mercado pode produzir renda para toda uma comunidade.

A ideia de que o funk representa uma ameaça vem carregada de preconceito racial e de classe. Quando artistas da elite falam de drogas ou violência, isso é considerado arte. Mas quando um jovem negro da favela canta sua vivência — que inclui, sim, conflitos, dores e contradições —, a resposta é repressão.

Esses projetos ameaçam não só a liberdade artística, mas a própria existência cultural da periferia. É uma tentativa de calar a juventude preta que ousa sonhar, dançar e se orgulhar de quem é. Criminalizar o funk é, no fundo, criminalizar os corpos que o produzem.

Se você não gosta de funk, tudo bem — é só não escutar. Mas impedir que ele exista, que continue sendo ferramenta de identidade e resistência, é censura. É silenciamento. E a favela não vai ficar assistindo isso acontecer. No último dia 12 de julho, Dia nacional do Funk, artistas, dançarinos e produtores musicais foram às ruas em ato na capital mineira com o mote “BH vai virar baile”, demonstrando disposição em enfrentar os ataques que a extrema direita quer impor ao funk. BH nunca foi eles, BH é nóis! O funk é o ritmo que resiste. E enquanto houver batida, haverá corpo, voz e vida ocupando espaço. 

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