
Juiz investigado por importunação sexual é demitido no RS
O juiz Odijan Paulo Gonçalves Ortiz foi demitido do cargo pelo Tribunal de Justiça do RS devido a relatos de importunação sexual, após decisão definitiva do Órgão Especial da corte. A medida foi publicada no Diário da Justiça Eletrônico de terça-feira (15). Ortiz atuava no judiciário de Vacaria, na Serra do RS. Ele também responde a processo pelo mesmo crime.
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Ortiz foi afastado da magistratura em 2023, ainda durante o estágio probatório, após relatos de importunação sexual feitos por quatro mulheres — uma juíza, uma advogada e duas estagiárias. Segundo os relatos, os episódios teriam ocorrido tanto no ambiente de trabalho quanto em redes sociais e teriam envolvido olhares invasivos, aproximações físicas indevidas e comentários impróprios.
Em julho deste ano, o Órgão Especial da corte — composto por 25 desembargadores — confirmou a pena de demissão, com base na lei que regula a magistratura.
Com a publicação oficial no boletim do Departamento de Magistrados, o tribunal confirmou que a decisão é definitiva e não cabe mais recurso. A decisão faz Odijan perder o salário, que em junho – mesmo durante período de afastamento – somou R$ 35 mil, segundo informações disponíveis no portal da transparência da Corte e consultados nesta quarta-feira (16) pela RBS TV.
A defesa do magistrado, representada pelos advogados do escritório De Paula & Paula, de Brasília, argumentou, em nota, que “não houve comprovação da suposta importunação sexual”, pois “baseou-se unicamente em relatos subjetivos, sem qualquer prova material, documental ou testemunhal direta que confirmasse os fatos”.
Ainda defende que o julgamento “contrariou as provas constantes”, que “houve votos divergentes pela absolvição” e que “a pena aplicada foi desproporcional”. Leia a nota na íntegra abaixo.
O processo disciplinar correu sob segredo de justiça. À RBS TV, o TJ confirmou a decisão. “O TJRS reafirma seu compromisso com a ética, a responsabilidade e a preservação da confiança da sociedade no Poder Judiciário”, informa, em nota.
Os detalhes do caso
À época do afastamento, a reportagem da RBS TV obteve acesso ao conteúdo do Processo Administrativo Disciplinar da Corte, que tramitava em sigilo.
Uma das mulheres relatou aos juízes-corregedores que recebia olhares dele no local de trabalho e que, em uma ocasião, precisou cobrir a blusa, na região dos seios, com um papel para que o magistrado parasse de observá-los.
“Ele ficou olhando para o meu seio. Eu peguei um papel, estava anotando e fiz isso. Não tinha decote, não tinha nada. Estava no inverno. Eu fiz isso ao perceber que ele estava olhando. Aí, ele se tocou e disse: desculpa, a trama dessa sua blusa é muito linda”, disse aos juízes.
A conduta inapropriada constante de Ortiz causou medo em uma das mulheres, como relatou em depoimento.
“Ficou só eu e ele na sala. Eu estava sentada na cadeira, terminando o termo e ele sentado do meu lado. E aí ele começou a vir mais para perto de mim. Eu colocava a cadeira para trás. Ele seguia vindo para perto de mim. E aí foi quando ele veio bem pertinho de mim e saí pra trás”, relata.
Segundo outra mulher, o comportamento do magistrado fez com que ela mudasse a sua rotina diária para evitar encontrá-lo a caminho do trabalho.
As quatro mulheres detalharam à corregedoria a conduta inapropriada do juiz, que persistia não apenas no ambiente de trabalho, mas fora dele, como em locais públicos e em perfis de sites de redes sociais.
“Todos os stories ele curtia e reagia, independente do que fosse. Comecei a achar estranho quando ele reagiu com ‘uau’ numa foto com decote. Depois disso, seguiu e em nenhum momento eu respondi. Ele falou: tu és a guria bonita que comecei a seguir no Instagram? Fiquei sem jeito e falei que era”, conta.
A preocupação também incluía serem seguidas por Ortiz durante a rotina de trabalho. Elas relataram aos juízes-corregedores que passaram a não publicar registros de onde estavam para evitar a presença do magistrado.
Entendimento dos juízes-corregedores
Após análise dos depoimentos, os juízes-corregedores que investigaram o caso concluiram que “em relação a todas elas, o magistrado Ortiz manteve conduta que pode ser compatível com assédio sexual, consistente em contato físico, contato por meio de palavras, contato por meio de rede social ou contato por gestos, na tentativa de manter relacionamento com as depoentes, ainda que elas não tenham dado qualquer consentimento aos contatos por parte do magistrado”.
O que diz a defesa do juiz demitido
NOTA DE ESCLARECIMENTO
Em razão da matéria veiculada nesta terça-feira (15), sob o título “Juiz investigado por importunação sexual é demitido no RS”, a defesa técnica do magistrado Odijan Paulo Gonçalves Ortiz, representada pelos Advogados Vamario Wanderley, Ivana de Paula e Paula Ferro, vem a público prestar os seguintes esclarecimentos, com o devido respeito ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul e à sociedade:
1. NÃO HOUVE COMPROVAÇÃO DA SUPOSTA IMPORTUNAÇÃO SEXUAL.
Com o devido respeito ético e jurídico da decisão do TJRS, fato é que o processo disciplinar baseou-se unicamente em relatos subjetivos, sem qualquer prova material, documental ou testemunhal direta que confirmasse os fatos imputados ao magistrado.
2. O JULGAMENTO CONTRARIOU AS PROVAS CONSTANTES NOS AUTOS.
Inúmeras testemunhas ouvidas declararam que nunca presenciaram condutas impróprias por parte do juiz, inclusive de partes envolvidas nos fatos. Ainda assim, tais depoimentos foram ignorados no julgamento.
3. HOUVE VOTOS DIVERGENTES PELA ABSOLVIÇÃO.
Diferentemente do que foi divulgado, vários desembargadores votaram pela inocência e absolvição do magistrado, reconhecendo a fragilidade das provas e a ausência de elementos mínimos para a condenação disciplinar.
4. A PENA APLICADA FOI DESPROPORCIONAL.
Mesmo que se admitisse a existência de alguma conduta questionável (o que se nega), a aplicação da pena de demissão — a mais grave possível — foi absolutamente desproporcional frente ao conjunto dos autos e ao estágio probatório do magistrado.
5. SUSPEITA DE RACISMO INSTITUCIONAL.
A defesa expressa profunda preocupação com a possibilidade de racismo institucional ter influenciado o rigor desproporcional da apuração e do julgamento, dada a condição racial do magistrado e a seletividade observada em casos análogos.
6. USO INDEVIDO DE JURISPRUDÊNCIA.
A decisão se baseou em precedentes jurisprudenciais completamente distintos da situação dos autos, violando os princípios da razoabilidade e da individualização da sanção.
7. SEGREDO DE JUSTIÇA.
Em respeito à legislação, a defesa limita-se a essas considerações, pois o processo tramita em segredo de justiça, o que impede a divulgação de documentos e trechos específicos.
8. MEDIDAS JUDICIAIS SERÃO ADOTADAS.
A defesa já estuda a adoção de medidas cabíveis junto ao Conselho Nacional de Justiça e, se necessário, ao Supremo Tribunal Federal, para assegurar a revisão de um julgamento marcado por violação à ampla defesa, desproporcionalidade e evidente injustiça.A injustiça não se corrige com silêncio. E tampouco se legitima pelo peso da maioria.
Brasília, 16 de julho de 2025
Vamario Wanderley
Ivana de Paula
Paula Ferro
Juiz Odijan Paulo Gonçalves Ortiz durante posse em 2022
RBS TV/Reprodução
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