Em 2023, a energia eólica no Brasil parecia invencível. O país inaugurou 123 novas usinas eólicas, principalmente no Rio Grande do Norte e na Bahia, regiões com forte potencial devido à sua extensa faixa litorânea e ventos constantes. Esse cenário ajudava a posicionar o Brasil como um dos líderes globais em energia limpa, com mais da metade da população vivendo relativamente próxima do litoral.
Mas a maré mudou rapidamente. Grandes fabricantes como a GE fecharam fábricas de pás de turbina em Pernambuco, acumulando prejuízos e demitindo milhares de funcionários. A espanhola AES, que também atuava no setor, deixou o Brasil no ano passado.
O que aconteceu para um mercado tão promissor entrar em turbulência? A resposta começa com um apagão em agosto de 2023.
O apagão que virou a chave para o setor
No dia 15 de agosto de 2023, uma linha de transmissão no Ceará falhou, gerando um efeito dominó no sistema elétrico. Em teoria, outras usinas — principalmente as eólicas locais — deveriam compensar a perda, mas os equipamentos não responderam como esperado. O resultado foi devastador: milhões de brasileiros em 25 estados e no Distrito Federal ficaram sem energia por até seis horas.
A falha evidenciou para o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) — responsável por gerenciar a geração e distribuição de energia no país — que o setor eólico ainda não era tão confiável para suportar eventos críticos. Isso levou a um endurecimento das regras para as usinas.
Curtailment: o freio no vento
Após o apagão, o ONS aumentou as exigências técnicas para as usinas e intensificou uma prática já conhecida no setor: o curtailment.
Essa restrição reduz a produção de energia para preservar a estabilidade da rede elétrica, evitando excessos quando o consumo está baixo. Em 2024, o uso do curtailment foi intensificado, forçando muitas usinas a ficarem paradas mesmo durante ventanias — um golpe duro para os investidores.
Os prejuízos foram calculados em cerca de R$ 1,6 bilhão só em 2024, e o número de novas usinas caiu significativamente em relação ao ano anterior.
Indústria em crise e pressão por mudanças
As restrições técnicas impactaram toda a cadeia produtiva. A demanda por aerogeradores despencou, levando fabricantes ao vermelho. A GE fechou fábricas, a Ais acumulou prejuízos bilionários, e o setor começou a reduzir drasticamente sua mão de obra.
Diante desse cenário, as empresas partiram para o lobby, defendendo mudanças urgentes:
-
Revisão dos critérios de curtailment para reduzir a frequência e intensidade das restrições.
-
Indenização às usinas pela energia que deixaram de gerar (e não vender) devido ao curtailment.
-
Redução de impostos para facilitar a exportação dos equipamentos produzidos no país.
-
Aumento da alíquota de importação para proteger a indústria nacional.
Enquanto a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) resiste à indenização, o setor alerta que, sem incentivos e previsibilidade, será difícil manter os investimentos no Brasil.
O que esperar do futuro da energia eólica no Brasil?
O vento segue abundante, mas o futuro da energia eólica depende agora da capacidade do governo e do setor de chegar a um consenso.
O setor pede políticas mais favoráveis para recuperar a confiança dos investidores e garantir a expansão do parque eólico nacional. Caso contrário, o país corre o risco de ver um dos seus maiores trunfos em energia limpa se perder no horizonte.
Resumo dos impactos em números:
Indicador | Antes do apagão (2023) | Após o apagão (2024) |
---|---|---|
Novas usinas eólicas inauguradas | 123 | queda significativa |
Prejuízos estimados com curtailment | — | R$ 1,6 bi |
Empregos na indústria de aerogeradores | em expansão | mais de 5.000 demissões |
A crise na energia eólica no Brasil mostra como uma falha pontual pode desencadear problemas estruturais em todo um setor. O desafio agora é redefinir regras e políticas que conciliem a estabilidade do sistema com o enorme potencial dos ventos brasileiros.
O post Como um apagão paralisou a energia eólica no Brasil e gerou prejuízos bilionários apareceu primeiro em O Petróleo.