SIGA ESSA MULHER: ‘A menina debaixo da mesa e a mulher que muda o mundo’

No dia 14 de julho, o Prêmio Jabuti Acadêmico 2025, um dos mais conceituados da literatura brasileira, revelou a tão esperada lista das obras semifinalistas. Em uma das categorias, lá estava: “Ancestrais do Futuro” (Editora Benvirá), da mineira Grazi Mendes. Na hora que a lista foi divulgada, a escritora estava à minha frente, no que deveria ser uma entrevista, mas virou um bate-papo emocionante e recheado de ensinamentos. Ela já tinha sido escolhida pelo “Siga essa mulher”, muito antes do resultado do prêmio.

Clique no botão para entrar na comunidade do BHAZ no Whatsapp

ENTRAR

Ensinar, aliás, deve estar no DNA da Grazi. Em uma hora de conversa, ela nos ensinou sobre coletividade, oportunidade, resiliência, sonhos e esperançar diante de um câncer metastático e sem cura. O otimismo perpassa a vida dessa mineira corajosa, antes mesmo de entrar na escola. Nascida e criada na periferia da Zona Norte de Belo Horizonte, ela se escondia debaixo da mesa da moradia simples da família par ler. Por quê? Grazi não se lembra porque os pais apoiavam a leitura e os estudos. Talvez fosse para sonhar em paz.

Quando entrou para escola, onde esperava encontrar muitos livros, deparou-se, de novo, com a falta deles. Inconformada, aos nove anos de idade, liderou uma campanha para rechear as prateleiras da biblioteca. Como presidenta do Clube do Livro ia de sala em sala para convencer outros alunos a abraçarem sua ideia. O maior desafio era a própria timidez. “Ficava com o pescoço, o colo e parte do rosto manchados de vermelho”, relembra.

Hoje, ela fala para 500, 1.000, 9.000 pessoas. Grazi é uma das 100 afrofuturistas mais influentes do mundo, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). Diretora de Desenvolvimento e Inovação em uma multinacional de tecnologia, professora, escritora, palestrante, a Grazi é aliada e está alinhada com movimentos sociais importantes, como o Pacto das Pretas, Coletivo das Mulheres na Tecnologia e outros. Além disso, virou voz forte no mundo. As pessoas param e escutam quando ela fala: “Tudo que você toca tem que ficar mais bonito depois que você passa.

Mas, o que poucos sabem é que a Grazi briga por essas e outras ideias desde quando a sua voz tinha um alcance muito menor, como a comunidade em que vivia, as empresas em que trabalhava e as salas de aulas em que lecionava. Aliás, para ela, ser professora ainda é (e sempre será) a parte mais nobre do seu currículo.

Depois do Clube do Livro, na infância, ela inovou aos 13 anos ao decidir fazer um curso de manutenção de computadores, no início da década de 90. Embora, na época, a tecnologia estivesse ainda muito distante da periferia, a pré-adolescente Grazzi sabia que o futuro passaria por aquele caminho. Além de que já tinha a percepção de que é se movimentando dentro do possível que as mudanças acontecem.

“Desde cedo, entendi o poder das frestas. Sabe quando você encontra uma oportunidade, mesmo que ela seja pequena e você vai por essa fresta e outras oportunidades vão se abrindo… Hoje, com essa consciência, se eu entrei por uma fresta, faço questão de construir um caminho para que eu pegue a chave da porta da frente e a abro para que mais pessoas entrem sem precisarem passar também por frestas… para ampliar os espaços”

A “garota das frestas” cresceu em estatura, em conhecimento e na profissão com a certeza de que tudo que aprendesse iria dividir. Na sua matemática, a divisão multiplica. Quem ouve essa fala da Grazi fora de contexto pode cair na armadilha de achar que ela nasceu com essa visão de vida. Mas não. A filha da cantineira da escola aprendeu observando a mãe e as outras mulheres periféricas se desdobrando para sustentar, educar e manter seus filhos vivos.

“A minha mãe e o meu pai ficavam fora o dia todo e tinham três filhos que se cuidavam sozinhos. Essa era a realidade de todas as mães próximas a nós. Elas se organizavam para que uma apoiasse a outra. Chegava na minha casa e tinha criança de tudo quanto é lugar. E a minha mãe me colocava para cortar a salsicha bem pequenininha para render para mais pessoas. Eu fui crescendo nessa ideia de que dá para render. Que se você tem, divide e, ao dividir, não fica com menos. Isso vale para comida e vale para oportunidades”

Enquanto ensinava a Grazi como fazer render a salsicha (e tudo que fosse preciso), a dona Fatinha não imaginava que a pequena estava se encantando pelo que os humanos podem fazer por mais pessoas quando decidem promover uma mudança e se unem em prol de um objetivo. E é claro que dona Fatinha sequer sonhava que essa receita de viver estaria nas linhas e entrelinhas de um livro, ainda mais escrito pela filha.  

O intertítulo de “Ancestrais do Futuro” _ “Qual a mudança que seu movimento alcança?” _  dá o tom do que vamos ler, mas também incomoda, pois coloca a todos no lugar de fazedores de um mundo melhor. 

“Eu acredito que é possível mudar vários mundos todos os dias com a micropolítica do cotidiano. Tem sempre alguma mudança que a sua caneta alcança. No comparativo, a gente fala muito do poder da caneta, que é esse simbólico das decisões que você toma todos os dias.”.

A Grazi defende que quanto mais consciência as pessoas ganham do poder de suas canetas, com mais intencionalidade agem, portanto, maior é o impacto de tudo que movem. Além disso, ganham a consciência de que para ampliarem o raio de ação de suas canetas precisam se juntar a “outras canetas”, buscar parcerias, co-criar saídas. Qualquer semelhança com o cotidiano das mulheres periféricas, não é mera coincidência.

Não é acaso também que ela seja co-fundadora do Voa, Papagaio, cursinho popular Pré-Enem e Pré-Encceja, no Morro do Papagaio. Afinal, a leitura e o livro foram uma das primeiras frestas pelas quais a Grazi passou para descobrir que o conhecimento nunca sobra, e sempre abre portas. “Aquela menina debaixo da mesa, a pequena Grazi já sonhava com um mundo mais diverso, mais inclusivo e com mais oportunidades para mais pessoas”, encerra.

Encerra neste texto, mas continua em entrevista na conversa que você pode assistir abaixo, pelo canal do BHAZ no YouTube, porque a filha do Seu Odorico e da Dona Fatinha, a irmã da Tatiana e do Guilherme, a esposa do Bruno e a mãe de três caramelos tem tanto a contar e a nos ensinar, que não coube só na coluna escrita. 

No bate-papo em vídeo, ela conta como está enfrentando um câncer que a desafia desde outubro de 2023, quando recebeu o diagnóstico, passou por cirurgias e tratamentos, e agora teve a notícia de metástase e dos novos protocolos de tratamento que não mais vislumbram a cura. “Eu sempre gostei muito da vida, sempre fui muito apaixonada pela vida, eu nasci lutando pela vida, nasci com o cordão umbilical enrolado no pescoço… e essa paixão foi sempre muito correspondida. A vida gosta muito de mim também.”

Assista abaixo. E siga essa mulher em @grazimendes

A coluna Siga essa mulher é publicada quinzenalmente, na quinta-feira, apresentando mulheres que fazem a diferença no mundo, entrevistadas por Nalu Saad, que você pode seguir em @nalusaad.

O post SIGA ESSA MULHER: ‘A menina debaixo da mesa e a mulher que muda o mundo’ apareceu primeiro em BHAZ.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.