
Indígena denuncia múltiplos estupros em delegacia no interior do AM
A indígena da etnia Kokama, de 29 anos, que denunciou ter sido estuprada por policiais enquanto estava presa em uma delegacia no interior do Amazonas, receberá moradia, auxílio social e uma quantia em dinheiro a título de danos morais, custeados pelo Governo do Estado. A informação foi confirmada pela Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM).
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Segundo a vítima, o crime ocorreu entre novembro de 2022 e agosto de 2023, enquanto ela estava presa na delegacia de Santo Antônio do Içá, suspeita de envolvimento em um homicídio ocorrido em 2018, na capital amazonense. Cinco pessoas foram presas pelo crime contra a indígena.
O acordo foi firmado após audiência realizada em Manaus, na tarde de terça-feira (29). O g1 questionou a Defensoria Pública e o Tribunal de Justiça do Amazonas (Tjam) para saber quais órgãos estiveram presentes na audiência, bem como quem foi o responsável pela ideia em fazer o acordo com os termos aceitos, mas até a atualização mais recente desta reportagem não houve resposta.
“Foi acordado que, no melhor interesse da indígena, ao invés de receber apenas uma indenização em pecúnia, fosse acordado pelo estado a possibilidade de uma concessão de uma residência de um programa do governo do estado. Além disso foi acordado que, pelo período de um ano, ela recebesse uma ajuda de custo, um auxílio social e também um valor a título de danos morais”, afirmou o defensor público Téo Eduardo Costa.
🔍Contexto: indenização em pecúnia refere-se ao pagamento em dinheiro de um valor devido a alguém, em vez de em bens ou serviços. É uma forma de compensação financeira, onde o valor a ser pago é convertido em dinheiro.
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Indígena irá para o regime de semiliberdade
Nesta terça-feira (29), uma decisão do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM) concedeu a indígena o direito de trocar o regime fechado pela semiliberdade ficando em um abrigo destinado à mulheres vítimas de violência sexual . O documento justifica a mudança para que haja possibilidade de saída da mulher para atendimento médico e psicológico, ou outras atividades essenciais, sob supervisão, com o objetivo de reestabelecer o quadro de saúde físico e mental.
🔍O Estatuto do Índio prevê, em seu artigo 56, a possibilidade de cumprimento de penas de reclusão e detenção em regime especial de semiliberdade para indígenas condenados. No caso, as penas de reclusão e detenção devem ser cumpridas em local próximo à habitação do condenado, onde funcione o órgão federal de assistência aos indígenas.
A Justiça também determinou que Secretaria Estadual de Saúde (SES-AM) elabore um plano de atendimento clínico, que contemple atendimento psicológico e o fornecimento dos medicamentos que eram ministrados à indígena dentro do estabelecimento prisional.
A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) é citada na decisão como responsável pelo acompanhamento da mulher durante o regime de semiliberdade.
Indígena denuncia estupros em delegacia no interior do Amazonas
Divulgação
Da prisão aos abusos sexuais
A indígena foi presa em 11 de novembro de 2022, após uma vizinha chamar a Polícia Militar por suspeita de violência doméstica entre a indígena e o companheiro. Ao chegar à delegacia, os policiais descobriram um mandado de prisão em aberto contra ela, que já havia sido condenada por envolvimento em um homicídio ocorrido em Manaus, em 2018.
A Rede Amazônica teve acesso ao processo. De acordo com a denúncia, como não havia cela feminina na delegacia, a mulher foi colocada junto com presos homens. Foi nesse contexto que os abusos começaram.
O caso só foi denunciado às autoridades em 27 de agosto de 2023, quando ela foi transferida para a Unidade Prisional Feminina de Manaus nove meses após a prisão. Ela apontou como autores policiais militares e um guarda municipal.
“Desde novembro de 2022, quando foi recolhida na delegacia de Santo Antônio do Içá, até a transferência em agosto de 2023, ela foi vítima de agressões físicas, abusos morais e estupros coletivos cometidos por cinco agentes públicos”, diz trecho do processo.
Segundo o advogado Dacimar de Souza Carneiro, que representa a vítima, os abusos ocorriam em diferentes áreas da delegacia — na cela, na cozinha e na sala onde eram guardadas as armas — e mesmo com o bebê ao lado. “Os policiais diziam: ‘Quem manda aqui somos nós’”, relata o documento.
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Suspeitos presos
Desde que as denúncias vieram à tona, cinco policiais já foram presos e um encontra-se foragido. A prisão mais recente ocorreu no domingo (27), em Tabatinga, e faz parte do cumprimento dos mandados expedidos pelo Ministério Público do Amazonas (MPAM), em conjunto com a Polícia Militar do Amazonas (PMAM).
O sexto e último suspeito segue foragido e as investigações continuam para que ele seja localizado e apresentado às autoridades competentes.
As demais prisões dos envolvidos ocorreram em diferentes municípios. Veja:
Tabatinga: Soldado Nestor Martin Ruiz Reátegui e Luiz Castro Rodrigues Júnior;
Manaus: 1º Sargento Osiel Freitas da Silva;
Santo Antônio do Içá: Cabo Claudemberg Lofiego Cacau e o Guarda Municipal Maurício Faba Nunes.
Em nota oficial, a Polícia Militar do Amazonas informou que tem atuado ativamente na resolução do caso e que está colaborando com as investigações conduzidas pelo MPAM e pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco).
A corporação destacou que procedimentos administrativos internos foram abertos para apurar as denúncias, e que os agentes suspeitos foram afastados das atividades de rua, além de terem suas armas funcionais recolhidas.
A PMAM afirmou ainda que repudia qualquer ato fora da legalidade, não compactua com a violência relatada pela vítima e segue colaborando com as investigações para esclarecer os fatos.
Os suspeitos são investigados por crimes como estupro de vulnerável, estupro qualificado e tortura, cometidos enquanto a vítima estava presa em condições degradantes dentro da delegacia.
Um dos suspeitos de estuprar a indígena que foi preso em Santo Antônio do Iça
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