Salgadinho, refrigerante e até talher compartilhado: estudo da Unicamp alerta para risco da alimentação de macacos por turistas


Pesquisadora flagrou visitantes de parque no interior de SP oferecendo alimentos inapropriados para macacos-prego
Natascha Scarabelo/Arquivo Pessoal
Um estudo da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) que analisou os impactos da alimentação dada por humanos a macacos-prego encontrou riscos para a saúde tanto dos animais quanto dos humanos, além de chances de conflitos e outros efeitos prejudiciais aos primatas.
A pesquisa, feita no Parque Estadual de Águas da Prata, no interior de São Paulo, observou que os animais, que comem o que é oferecido diretamente pelos visitantes ou descartado em lixeiras, acabam consumindo alimentos ultraprocessados e inapropriados para a espécie, como salgadinhos e refrigerantes.
Segundo a bióloga Natascha Kelly Alves Scarabelo, membro do Laboratório de Ecologia e Comportamento de Mamíferos (Lama), durante a análise também foi flagrada uma situação de compartilhamento de talheres entre humano e primata.
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“Teve um caso excepcional que a gente viu, que foi uma pessoa estava comendo açaí com frutas, e aí ele comia uma colher de açaí, pegava frutinho com a colher, dava pro macaco, o macaco pegava fruta da colher, aí a pessoa com a mesma colher comia de novo”, diz.
“Chamou muita atenção, principalmente por risco de transmissão de doenças. É uma proximidade que é alarmante. Está, literalmente, compartilhando a saliva muito proximamente. Por exemplo, para [espécies como o] sagui, algumas doenças humanas, como a herpes, podem ser fatais”.
Embora situações extremas representem apenas 4% dos eventos observados, a autora ressalta que elas chamam atenção para a conduta dos visitantes. A seguir, entenda detalhes da pesquisa, publicada nesta quinta-feira (31) na Revista do Instituto Florestal, e os riscos desses eventos.
A influência dos humanos na alimentação dos macacos
No total, foram 461 eventos de alimentação antrópica, isto é, momentos em que os animais do parque receberam alimentos diretamente dos visitantes ou consumiram das lixeiras. Nessas situações, os principais itens foram banana, amendoim com pele salgado e milho com manteiga e sal.
A pesquisa também observou momentos em que:
os visitantes ofereceram restos de alimentos que estavam consumindo, como pastéis, salgados, sorvetes e refrigerantes;
os macacos se alimentaram com salgadinhos, biscoitos, leite industrializado e sachês de açúcar a maionese (oferecidos pelos visitantes ou encontrados no local);
os visitantes deixaram sacolas cheias de banana, sem acompanhamento, para que os primatas coletassem e consumissem.
Já pela análise de amostras das fezes, foram 46 registros de consumo de artrópodes (como insetos), 44 de fibras vegetais, 33 de sementes, cinco de madeira (possivelmente ingeridas junto aos artrópodes), três de samambaias, três de pelos, uma de cabelo humano e um fragmento de rocha.
Relação entre humanos e primatas
Pesquisadora da Unicamp analisou alimentação de macacos-prego em parque do interior de SP
Natascha Scarabelo/Arquivo Pessoal
Segundo o estudo, a maioria dos eventos de alimentação envolvendo humanos e macacos foi pacífica. Porém, ocorreram alguns momentos conflituosos:
alguns pais forçaram os filhos pequenos a alimentar os animais apesar de estarem com medo, o que, algumas vezes, resultou na criança gritando com a aproximação dos primatas e os assustando, gerando um risco de respostas agressivas;
alguns visitantes perseguiram os macacos quando eles não aceitaram os alimentos.
houve situações em que o alimento foi arremessado como forma de oferta;
em uma ocasião, um macaco roubou alimento de dois homens em situação de rua, que passaram a ameaçar qualquer animal que se aproximasse com um pedaço de pau de 1,5 metro de comprimento.
Impactos na saúde e no comportamento dos animais
O estudo mostrou que, em alguns momentos, os macacos-prego utilizam a área urbana do parque para obter alimento, principalmente pela oferta direta de humanos ou pelo lixo. Além disso, embora a ação dos visitantes não seja a única fonte de alimentação dos animais, ela foi um fator presente durante toda a observação, considerando dias com alta concentração de turistas.
Outro ponto destacado pela pesquisa é que os visitantes oferecem alimentos ultraprocessados, gordurosos, ricos em sódio e açúcar, vendidos no parque, e a banana, devido à crença popular de que esse é o alimento preferido dos primatas. Também foram dados restos de alimentos já consumidos, que poderiam ser via transmissão de doenças para os bichos.
De modo geral, esse comportamento pode levar a problemas na saúde dos primatas, da mesma forma como ocorre com humanos de alimentação desequilibrada, o que inclui:
desnutrição;
baixa do sistema imunológico;
aumento de sódio e triglicérides do sangue.
Problemas dentários também são comuns. “O alimento que o primata consome é em geral uma um fruto mais duro. Isso auxilia na limpeza do dente. Um primata que está sendo alimentado por pessoas e está comendo coisas muito moles, até a banana, que as pessoas acham que é uma fruta mais saudável para dar, pode causar esse risco de não limpar os dentes corretamente”.
Além da saúde, essa relação também pode ter efeitos no comportamento, como pontua a pesquisadora:
os animais podem desenvolver dependência dos humanos como fonte de alimento, sendo essa uma fonte instável;
levar a exposição ao ambiente urbano, onde pode ocorrer o acidente com carros, eletrocussões e acidentes com animais domésticos;
ataques dos animais a humanos em casos de recusa na oferta de alimentos;
aumento da agressividade entre os animais devido a competição pelo alimento.
A personalidade dos animais pode ser afetada. “Como é uma pessoa dando uma banana, pode ter 10 macacos ao redor querendo a banana. Eles podem brigar entre si, podem ter problemas com a hierarquia. Essa é uma espécie que tem uma hierarquia muito bem definida, tem um macho dominante, uma fêmea dominante e eles têm privilégio de acesso a a recursos”.
“Então se o macho subordinado está pegando o alimento antes do dominante, ele vai retaliar e pode criar um conflito que não existiria sem essa intervenção humana”, comenta.
“E os animais que vão atrás do alimento humano são os animais ousados, então pode haver uma seleção artificial para esse tipo de personalidade”.
Educação ambiental como solução
A pesquisa destaca que a gestão do parque instalou um comedouro na trilha principal, onde são oferecidas frutas, como laranja, maçã, banana e mamão. A iniciativa é parte da campanha “Lugar de Macaco é na Floresta”, que tenta diminuir o contato dos animais com os visitantes e minimizar os riscos dessas situações. É uma forma de manejo alimentar programado, o que traz benefícios.
Porém, Natascha defende que a educação ambiental é a principal solução, pois ensinará visitantes e trabalhadores do parque sobre os riscos e consequências do comportamento.
Deixar a alimentação dos animais apenas para os responsáveis por seu manejo é válido não apenas em Águas da Prata, como em qualquer outro parque ou zoológico.
“O poder da educação em todos os sentidos, mas principalmente no ambiental é esse, de multiplicar e trazer pessoas para causa. O educador ambiental não vai estar presente lá o tempo todo, mas sempre tem turista, né? Então, os turistas podem ir conversando e passando a informação uns para os outros”.
Metodologia do estudo
A observação foi realizada na parte urbanizada do parque, onde vivem 26 indivíduos de um único grupo de macacos-prego. Em 24 dias, totalizando 66 horas, a pesquisa identificou uma média de 7,7 eventos de alimentação antrópica por hora.
A metodologia da pesquisa envolveu o uso do scan sampling (ou varredura), técnica que registra as ações dos indivíduos visíveis em intervalos regulares. Também foram coletadas amostras de fezes para análise da dieta dos macacos, complementando a caracterização do comportamento alimentar.
Para identificar os indivíduos do grupo, a pesquisadora utilizou padrões da pelagem, coloração, faixa etária, comportamento e características físicas únicas, como ausência de cauda. O trabalho recebeu apoio financeiro do CNPq.
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