Smartphones nos olhos, peso nas costas: quem está prestando atenção?

Eu estava no aeroporto, dentro do salão de embarque, quando notei as duas mulheres: uma era bastante idosa, magra e miúda, e seguia outra, de seus 60 anos, ambas brancas, cabelo claro. Aquelas donas, mãe e filha, estavam em disparada correria, suadas e carregadas de bagagens, como se fugissem de Pompéia em chamas.Fiquei ainda mais chocado ao me aproximar, pois a velhinha segurava contra o peito uma mala enorme e pesada, enquanto a outra levava mochilas menores. Mesmo depois de tomar a mala aos meus cuidados, mantive o julgamento (“Que filha desnaturada!”), mas a situação era mais crítica: a mulher de 60 tinha viajado para fazer uma cirurgia, estava operada e não podia carregar nada. A mala não tinha rodinhas, e as duas não sabiam onde tomar o voo, porque a companhia aérea mudara o portão de embarque. E nem todo mundo sabe lidar com essas complicações aeronáuticas, ou sequer perguntar.

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Também não adiantaria tentar ajudar se não tivesse passado ali perto uma funcionária da empresa de aviação que, muito solícita, providenciou carrinho e atendeu aquelas criaturas. Guardo até hoje a lembrança das bochechas molhadas da filha e da coragem da mãe que, por sua menina, transportaria até uma montanha nos braços.

Talvez por ser do interior e sempre um pouco caipira, eu tenho esse costume de olhar para pessoas que também parecem deslocadas em ambientes semelhantes a shopping centers. Eu sei que a tendência é que a modernidade passe o trator e padronize o comportamento humano nas matas, avenidas, favelas e litorais, mas a questão é essa mesma: enquanto nossos olhos ainda podem estranhar os fatos, valemos mais que a inteligência artificial.

Outro exemplo: demoro nas filas do supermercado domingo de manhã porque todos os caixas estão atendendo carrinhos lotados, transbordando de produtos, às vezes dois carrinhos por cliente. Imediatamente imagino que aqueles consumidores estão armazenando comidas, refrigerantes e supérfluos por meses, afinal de contas é só uma ou duas pessoas empurrando cada compra. Depois eu entro numa perspectiva mais realista, de que o lote deve durar bem menos, sendo devorado por uma família com mais membros.Mas me vem outra questão: Onde estão os parentes que vão consumir os itens? No trabalho? Na faculdade, tendo aulas dominicais? Por que nas filas geralmente são idosos realizando sozinhos essa tarefa? Será que há algo errado no meu cálculo?No caminho para casa, crianças de três, cinco anos, muito pobres, sujas e sem camisas, fritando os olhos em celulares. Nos apartamentos, outros meninos que já não saem, bebês reborns de carne e osso, ignorantes do que seja uma bola, um livro, um amigo. Que já não desgrudam do smartphone nem quando estão diante de uma piscina, de uma bicicleta, de uma festa.A boa notícia é a quantidade de dinheiro que eu tenho no banco. É tanta grana que eu nem consigo administrar direito, e todo dia recebo quatro, cinco ligações dizendo que foram feitos diversos pagamentos, pixs, transferências, e me perguntam se eu quero contestar. Eu nem aumento conversa, porque acredito que as instituições bancárias sabem o que fazem, quando o quesito é segurança. Então eles, os bancos, e esses telefonistas se equivalem e se merecem.

Somente com alguma ironia é possível responder aos absurdos diários, ao agressivo negócio devastador da natureza e aos ridículos picaretas (300 ou mais) que se dizem heróis da pátria.

É que aos olhos não basta ver. Eles precisam sorrir também.

*Franklin Carvalho é autor de Tesserato – A tempestade a caminho (Ed. Noir)

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