Por dentro do chip da beleza: esses são os riscos que ninguém te contou

Por trás de um nome chamativo, há uma substância potente, um histórico médico complexo e um debate acalorado entre especialistas. Batizado popularmente de “chip da beleza”, o implante hormonal à base de gestrinona tem ganhado espaço entre mulheres que buscam melhora na qualidade de vida e efeitos estéticos. Mas a fórmula da transformação corporal carrega riscos, efeitos colaterais e exige cuidados que nem sempre acompanham a velocidade com que a tendência se espalha.A gestrinona é um hormônio originalmente desenvolvido para tratar doenças e transtornos ginecológicos como endometriose, miomatose e a tensão pré-menstrual (TPM). O nome comercial ganhou ares de produto milagroso quando começou a ser associado a ganhos de massa muscular, perda de gordura e aumento da disposição.“Chip da beleza é um nome infeliz”, afirma a ginecologista baiana Fernanda Medeiros. Ela explica que a gestrinona tem ação antiestrogênica, ou seja, diminui as ações do estrogênio, o hormônio sexual feminino, no corpo. “Mas, por ter um perfil androgênico, o hormônio pode provocar ganhos estéticos”, completa, referindo-se aos hormônios responsáveis pelo desenvolvimento das características sexuais masculinas.A advogada Renata Pimenta, de 54 anos, faz uso do implante há dois anos. Natural de Cruz das Almas, no interior da Bahia, ela convive com duas condições que costumam se chocar nos consultórios médicos: endometriose e menopausa. Depois de quase dois anos de dores inexplicadas, internações e exames sem respostas, foi apenas após os 50 anos que teve o diagnóstico confirmado.“Chegava ao hospital e diziam que eu não tinha nada, mas eu rolava de dor”, relata. O tratamento ginecológico foi construído aos poucos. “Comecei com aplicações vaginais, depois introduzimos a gestrinona. Estou no segundo chip e a dor sumiu”.A busca pelo alívio, no entanto, se transformou em algo maior. A advogada precisou mudar o estilo de vida para receber a gestrinona. Na atual rotina, um novo padrão alimentar e regularidade de exercícios e exames. Ela afirma que a decisão de colocar o implante não se deu por estética. “Eu sei exatamente o que uso, com acompanhamento e consciência”, garante Renata.BombaO endocrinologista Cristiano Gridi vê com preocupação o uso disseminado da substância. “Existe uma banalização”, ele pontua. “Estão usando nomes como ‘modulação hormonal’ para mascarar o uso de anabolizantes”, critica. Segundo ele, a gestrinona pode, sim, ser considerada um esteroide anabolizante em determinados contextos.“Ela tem ação semelhante à testosterona, afeta o coração, o fígado e o colesterol. A medicação não foi feita para fins estéticos, e o uso em pessoas sem deficiência hormonal cria um estado de excesso”, explica.Cristiano alerta que, embora algumas mulheres se consultem com responsabilidade, muitas desconhecem os riscos. “Já atendi pacientes internados com problemas cardíacos e hepáticos causados por uso de anabolizantes”, lembra. “O que mais preocupa é que os efeitos colaterais muitas vezes aparecem anos depois”.Fernanda concorda que a gestrinona pode ser considerada um anabolizante. “Em competições oficiais que fazem o exame antidoping, por exemplo, a substância é barrada”, diz. “A depender da dose, pode levar ao ganho muscular e aumento da força”. Ela conta também que ainda não existem estudos robustos de segurança em longo prazo para o uso estético.

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PreçoPara a estudante de direito Hohhanan Alvez, de 22 anos, a gestrinona também foi uma solução médica. Diagnosticada com endometriose profunda ainda na adolescência, ela vivia com sangramentos prolongados, anemia e perda de peso severa. Ela pesava 42 quilos aos 17 anos, tinha anemia e um ciclo menstrual completamente desregulado. “A gestrinona me devolveu o corpo e a vida”, diz. Hoje, ela pesa 61 quilos e mantém uma rotina saudável de treinos e dieta.Antes de começar o tratamento, Hohhanan se assustou com os preços. Para ela, o custo do investimento ainda é alto. “Cada cápsula é cobrada em dólar, e na última vez, paguei mais de mil reais por unidade”, diz. Ela ainda diz que fez muitas pesquisas, mas que não encontrou médicos que aceitassem o convênio. “Entre exames, consultas e transporte, gasto quase 10 mil reais por ano”, diz.RiscosTanto Fernanda quanto Cristiano alertam que a falta de regulação específica e a divulgação massiva do procedimento nas redes sociais contribuem para a banalização do uso da gestrinona. “As pessoas veem resultados rápidos e querem repetir sem entender o que está por trás”, diz o endocrinologista.Para Fernanda, existem diferenças entre reposição hormonal e o uso com fins estéticos. “Essa linha tem sido ultrapassada com muita frequência”, afirma. Segundo ela, o acesso fácil à substância por meio de clínicas privadas sem a devida avaliação médica pode aumentar o número de complicações em médio e longo prazo.Cristiano reforça que o uso indiscriminado também representa um desafio para o sistema de saúde. “Quando os efeitos colaterais surgem, muitas vezes anos depois, esses pacientes vão recorrer ao sistema médico em busca de tratamento para consequências que poderiam ter sido evitadas”, afirma.Para o endocrinologista, é fundamental que haja uma discussão pública mais ampla sobre o uso da gestrinona, incluindo campanhas de conscientização e um posicionamento mais claro das entidades médicas. “Não se trata de demonizar a substância, mas de garantir que seja usada com critério e respaldo científico”.

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