Implosão do submarino Titan: Oceangate tinha protocolo de segurança ‘gravemente falho’, diz investigação


Veja momento em que equipe de buscas encontra destroços do submarino Titan
O submarino Titan implodiu por ter sido projetado de forma inadequada, e com falhas nos processos de certificação, manutenção e inspeção por parte da Oceangate, afirmou a Guarda Costeira dos Estados Unidos no relatório final da investigação sobre a implosão, divulgado nesta terça-feira (5).
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Ainda segundo a Guarda Costeira americana, o evento inicial que levou à implosão do Titan foi a perda de integridade estrutural de seu casco de fibra de carbono.
Segundo o relatório, “outros fatores citados no relatório incluem uma cultura de trabalho tóxica na OceanGate.”
Relembre 💭 O submarino Titan desapareceu no dia 18 de junho de 2023 durante uma expedição aos destroços do navio Titanic. Havia 5 pessoas no veículo, o então diretor-executivo da OceanGate, Richard Stockton Rush, um copiloto e três bilionários. Segundo a investigação, o veículo implodiu a cerca de 3.350 metros de profundidade por conta da pressão da água e todos os passageiros morreram instantaneamente. Relembre o caso aqui.
O relatório divulgado nesta terça corrobora detalhes sobre o incidente e bastidores da Oceangate revelados por testemunhos de ex-funcionários da empresa durante uma rodada de audiências públicas em 2024 (Leia mais abaixo). Na audiência, especialistas indicaram diversas fragilidades do submarino, além de negligência dos donos da Oceangate.
Audiência pública
O Conselho de Investigação Marítima da Guarda Costeira dos EUA realizou em setembro de 2024 uma audiência pública sobre a implosão do submarino Titan, ocorrida em 2023 durante expedição aos destroços do Titanic.
As audiências sobre a implosão do submarino Titan compõem uma investigação da Guarda Costeira americana sobre o caso. O presidente do painel de Investigação Marítima disse que ainda há mais trabalho a ser feito antes que um relatório com conclusão das investigações e uma lista de recomendações seja apresentada à liderança da Guarda Costeira e, posteriormente, ao governo dos EUA.
Último dia de surpresas
O último dia de audiências nesta sexta não foi protocolar. O capitão Jamie Frederick, comandante da unidade de Boston da Guarda Costeira, pareceu chocado ao saber que o capitão do navio de apoio ao Titan disse ter sentido, em retrospectiva, uma leve trepidação no momento em que o submersível implodiu durante o mergulho no ano passado.
Frederick disse que era “inconcebível que eles não compartilharam isso” no momento que as buscas estavam sendo realizadas, entre 18 e 22 de junho de 2022. Segundo ele, isso “certamente teria mudado a equação” na resposta de resgate empregada pela Guarda Costeira.
Também nesta sexta, um funcionário da OceanGate testemunhou que se demitiu após uma conversa “tensa” em que o cofundador da empresa Stockton Rush disse a ele que o submarino seria registrado nas Bahamas e lançada do Canadá para evitar a fiscalização dos EUA — e descartou arrogantemente as preocupações regulatórias dos EUA se ela fosse para um porto americano.
Segundo o funcionário, Matthew McCoy, Rush lhe falou: “Se a Guarda Costeira se tornasse um problema, então ele compraria um congressista para resolver a questão.”
Stockton Rush em imagem sem data publicada no site da OceanGate
Reprodução/OceanGate
Incidentes e fragilidades do Titan
O casco de pressão de fibra de carbono do Titan foi o tema de grande parte da discussão durante a rodada de audiências. Uma testemunha especialista, Roy Thomas, engenheiro principal da American Bureau of Shipping, disse que apesar de ser um material forte e leve –mas é difícil de fabricar–, a fibra de carbono é “suscetível a falhas por fadiga” sob pressurização repetida e a água salgada pode enfraquecer o material de várias maneiras.
Autoridades da Guarda Costeira observaram durante a audiência que o submarino não havia sido revisado de forma independente, como é prática comum. O cofundador da Oceangate, Guillermo Sohnlein, contestou afirmando que o Titan tinha certificações e vínculos com a Nasa e fabricantes espaciais. Funcionários da Nasa e da Boeing disseram que as empresas tiveram papéis limitados no processo de criação do Titan: enquanto a Nasa não quis ser associada a um submarino experimental, a Boeing se afastou da Oceangate quando os donos do Titan desviaram de recomendações feitas por eles.
Testemunhas relataram que ouviram sons altos de estalos em descidas anteriores. O engenheiro do Conselho Nacional de Segurança nos Transportes (NTSB, na sigla em inglês) Don Kramer afirmou que o casco do Titan apresentava imperfeições que remontam ao processo de fabricação e se comportou de maneira diferente após um “forte estrondo” ser ouvido durante mergulho um ano antes da tragédia.
Novas imagens divulgadas de destroços do submarino Titan encontrados pelas equipes de buscas em 22 de setembro de 2023.
Guarda Costeira dos EUA
O ex-diretor de operações da Oceangate, David Lochridge, afirmou em depoimento que a tragédia poderia ter sido evitada, porque ele avisou sobre falhas do submarino Titan em grandes profundidades em 2018, cinco anos antes da implosão.
Lochridge afirmou que detectou diversas falhas no Titan e elaborou, a pedido da diretoria da Oceangate, um relatório de controle de qualidade do submarino. Entre os problemas, o engenheiro apontou a fibra de carbono e disse que o submarino não havia sido testado na profundidade que desceria na expedição do Titanic. Quando ele os expôs para a diretoria e insistiu em mais testes no Titan ele foi demitido.
“Na minha opinião, até que ações corretivas adequadas estejam em vigor e concluídas, o Cyclops 2 (Titan) não deve ser tripulado em nenhum dos próximos testes”, disse o então diretor em e-mail enviado à diretoria da Oceangate.
O ex-diretor científico da OceanGate, Steven Ross, disse em depoimento que o Titan apresentou falhas apenas dias antes da expedição que resultou na implosão. Segundo Ross, durante mergulho a embarcação se tornou instável devido a um problema de lastro, fazendo com que os passageiros a bordo fossem “lançados de um lado para o outro”, e levou uma hora para retirá-los da água.
Em outro depoimento, um passageiro que pagou para uma expedição ao Titanic em 2021 disse que a jornada foi abortada quando a embarcação começou a apresentar problemas mecânicos.
“Percebemos que tudo o que ele conseguia fazer era girar em círculos, fazendo curvas à direita”, disse Fred Hagen. “Nesse ponto, obviamente não seríamos capazes de navegar até o Titanic.” Ele afirmou que o Titan voltou à superfície e a missão foi cancelada.
Hagen disse que estava ciente dos riscos envolvidos no mergulho. “Qualquer pessoa que quisesse ir era ou delirante se não pensasse que era perigoso, ou estava aceitando o risco”, ele disse.
Buracos na camada de fibra de carbono de protótipo do submarino Titan após testes de pressão da água.
Reprodução/Guarda Costeira dos EUA
Novas imagens e última mensagem
Durante a rodada de audiências, novas imagens dos destroços do Titan foram reveladas. Entre elas, um vídeo do momento em que o submarino foi encontrado pelas equipes de busca.
Também foi revelada a última mensagem enviada de dentro do submarino para o barco de apoio na superfície.
“Está tudo bem”, dizia a mensagem, escrita momentos antes da implosão.
Carcaça do submarino Titan encontrada durante investigação sobre implosão. Imagem foi revelada em 16 de setembro de 2024.
Guarda Costeira da Marinha dos EUA
Negligência e ganância da Oceangate
O ex-diretor de engenharia da OceanGate, Tony Nissen, contou em depoimento que se negou a pilotar o submarino quando Stockton Rush o pediu porque não confiava na equipe de operações.
“Não vou entrar nele”, disse Nissen à época.
Questionado sobre decisões de segurança e testes, Nissen também revelou que foi apressado para começar as operações que a pressão para colocar o Titan na água era “100%”.
David Lochridge, o ex-diretor de operações, afirmou também que se sentiu usado pela OceanGate, que teria o contratado para dar lastro científico às operações da empresa.
“O objetivo principal da empresa era ganhar dinheiro. (…) Havia muito pouco em termos de ciência”, afirmou Lochridge.
Outros relatos também dão conta de uma necessidade da empresa de colocar o projeto em ação o mais rápido possível, muitas vezes ignorando orientações de especialistas. Um ex-funcionário disse que a empresa estava sem dinheiro, e as expedições eram a forma de renda para manter a Oceangate funcionando.
A diretora de administração da OceanGate, Amber Bay, contestou uma pergunta sobre um senso de “desespero” da empresa para completar os mergulhos devido ao alto preço cobrado –cada cliente pagava US$ 250 mil (cerca de R$ 1,36 milhões) pela experiência.
Amber insistiu que a empresa não “realizaria mergulhos que fossem arriscados apenas para atender a uma demanda.” No entanto, disse ao painel da Guarda Costeira: “Definitivamente, havia uma urgência em cumprir o que havíamos prometido e uma dedicação e perseverança em direção a esse objetivo.”
O presidente do Conselho de Investigação Marítima, Jason Neubauer, disse que o painel completaria seu trabalho de produzir o relatório e pressionaria por mudanças na forma de recomendações à liderança da Guarda Costeira “para ajudar a garantir que ninguém tenha que enfrentar uma ocorrência semelhante no futuro”.
Neubauer afirmou que suas recomendações ao comandante incluirão propostas de segurança, juntamente com qualquer conduta criminosa. Se o painel acreditar que houve conduta criminosa, essa recomendação será tratada em um processo separado.
“Minha prioridade é resolver essa questão de maneira rápida, porque sinto que há questões globais em jogo”, disse Neubauer.
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