Canetas emagrecedoras representam fim da obesidade? Especialistas explicam

Aproximadamente um a cada três brasileiros, equivalente a 31% da população, vive com obesidade e essa porcentagem tende a crescer nos próximos cinco anos. Os dados são do Atlas Mundial da Obesidade 2025 (World Obesity Atlas 2024). Diante desse cenário, surge a pergunta: com o uso cada vez mais popular das chamadas canetas emagrecedoras e a promessa de emagrecimento rápido, seria possível reverter esse número?Na terceira reportagem da série “O Peso da Caneta”, o portal A TARDE investiga se o avanço do uso desses medicamentos pode, de fato, representar o fim da obesidade. Para isso, a equipe conversou com endocrinologistas que acompanham pacientes no dia a dia, buscando compreender qual o impacto real desses tratamentos.

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A médica endocrinologista do Hospital da Bahia, Mariana Freitas, afirma que este é um momento de grande transformação no tratamento da diabetes e da obesidade. “É uma medicação que está mudando o paradigma do tratamento da obesidade. Antes, a gente tinha um remédio para perder peso, mas que trazia uma série de efeitos adversos. E esses são medicamentos muito mais bem tolerados e que você vai ter um benefício na glicemia, na gordura do fígado, do ponto de vista cardiovascular e neurológico”.

|  Foto: Reprodução/Redes Sociais

Ela destaca ainda que as novas medicações são significativamente mais eficazes, promovendo resultados mais rápidos, com perda de peso que pode ultrapassar os 20%, algo que, anteriormente, só era possível com a cirurgia bariátrica. “A gente já vê, por exemplo, uma redução do número de pacientes que a gente encaminha para cirurgia bariátrica. Pacientes que antigamente teríamos que mandar para cirurgia e que hoje têm a possibilidade de fazer um tratamento clínico”.

“É uma medicação que vai além da perda de peso.”

Fim da obesidade?Segundo a doutora, apesar dos fatores acima citados, não há como afirmar que o medicamento a longo prazo possa significar o fim da doença. “A obesidade, na verdade, é uma doença multifatorial, tem causas genéticas médicas, ambientais, estilo de vida, são processos que estamos estudando para entender todo esse mecanismo fisiopatologista”, explica Mariana.É o que explica também o médico endocrinologista Fábio Trujilho, “A obesidade é uma doença. E quando você para de usar a caneta, você vê muita gente falando assim: ‘Ah, voltou a ganhar todo o peso’. Isso acontece porque quando você perde peso, o seu organismo interpreta que você precisa recuperar peso. Então ele cria mecanismos compensatórios para que você possa comer mais, o seu metabolismo diminui um pouco mais e você ganha peso”.

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“O problema das canetas é essa forma de pensar ‘eu vou usar para ir num casamento, para ir numa formatura, para que eu vou usar um pouquinho e parar”. Não, elas são boas desde que sejam usadas com a proposta do tratamento da obesidade”, completou Trujilho.Alto custo do medicamentoSegundo a Doutora, a revolução da saúde relacionada ou medicamento só está começando. “Eu acredito que vai ter um impacto muito grande e no futuro, principalmente na pandemia de obesidade que a gente está vivendo”. Contudo, ela pontua o alto custo do medicamento como um entrave para que os números de fato diminuam significativamente.“A gente finalmente está entrando em uma possibilidade de tratamento, mas o que a gente sabe também hoje é que é um tratamento que tem um custo extremamente alto e que boa parte da nossa população obesa não consegue ter acesso, infelizmente”, pontua.

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Como os medicamentos agemA médica explica que os medicamentos atuam produzindo substâncias químicas semelhantes aos hormônios GLP-1 e GIP, que o corpo naturalmente produz no estômago. “Esses hormônios vão levar a um retardo do esvaziamento do estômago. E com isso o paciente vai ter uma sensação maior de plenitude gástrica, de saciedade”.Esse processo também interfere em outros hormônios relacionados à fome e à saciedade. A grelina, conhecida como o hormônio da fome, é reduzida, enquanto o pyy, associado à saciedade, é aumentado. Como resultado, o paciente se sente satisfeito com porções menores, reduz a ingestão calórica e alcança um balanço energético negativo, favorecendo a perda de peso.

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“São medicações que vão levar a uma sensação de plenitude, de saciedade, então vai ajudar nesse processo do emagrecimento. Realmente a gente está vendo uma grande revolução nesse tratamento, porque até então, as medicações que a gente tinha anteriormente para o tratamento da obesidade elas tinham uma perda de peso muito mais modesta e com muito mais efeitos colaterais, eventos adversos”.Além do auxílio no emagrecimento, os medicamentos análogos ao GLP-1 e GIP apresentam benefícios que vão além da redução de peso. “Você consegue um controle do diabetes em praticamente 70% dos casos, você consegue uma melhora hepática, que é aquele fígado gorduroso, ele melhora, você consegue melhorias renais, então você consegue diminuir risco cardiovascular”.Receita retidaNo dia 23 de junho, farmácias e drogarias começaram a reter receitas de medicamentos agonistas GLP-1, popularmente conhecidos como canetas emagrecedoras. A categoria inclui a semaglutida, a liraglutida, a dulaglutida, a exenatida, a tirzepatida e a lixisenatida.A nova exigência, aprovada em abril pela diretoria da agência, determinou que esses remédios só poderão ser comprados com receita em duas vias, sendo que uma delas deve ficar retida no estabelecimento, assim como já acontece com os antibióticos. As prescrições terão validade de até 90 dias a partir da data de emissão.A norma, no entanto, não limita a autonomia dos médicos. Eles ainda podem indicar o uso desses medicamentos para finalidades que não estão na bula – o chamado uso “off label” – desde que avaliem cuidadosamente os riscos e benefícios e informem o paciente de forma clara.Segundo a Anvisa, a mudança tem o objetivo de aumentar a segurança no uso desses remédios, que vêm sendo consumidos em larga escala, muitas vezes sem orientação adequada. A agência registrou um aumento nos casos de efeitos colaterais relacionados ao uso incorreto dessas substâncias.

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