A recente imposição de tarifas pelos Estados Unidos a produtos brasileiros levantou alertas em setores da economia, na imprensa e entre autoridades. No entanto, segundo especialistas, o impacto direto do chamado “tarifaço” é muito mais limitado do que o senso comum sugere — e pode até abrir portas para uma nova fase do comércio exterior brasileiro.
Exportações para os EUA: apenas 12% do total
Um dos primeiros pontos destacados por analistas econômicos é que os Estados Unidos representam atualmente cerca de 12% das exportações brasileiras. Ou seja, embora relevante, esse percentual está longe de significar uma dependência estrutural.
Essa realidade difere, por exemplo, de economias como a Coreia do Sul ou Taiwan, altamente dependentes do comércio exterior. O Brasil, por outro lado, possui um mercado interno robusto, o que garante maior resiliência diante de choques comerciais externos.
Negociação e dependência mútua
Apesar das medidas anunciadas, os Estados Unidos também enfrentam obstáculos internos para aplicar o tarifaço em sua totalidade. Já são 1.388 produtos sendo excluídos das tarifas, segundo dados de bastidores das pré-negociações comerciais. Isso acontece porque muitos componentes exportados pelo Brasil são essenciais para a cadeia produtiva norte-americana. Se não chegarem a tempo, fábricas americanas simplesmente param.
Esse cenário cria espaço para negociações comerciais técnicas, ainda que o pano de fundo do embate tenha natureza política.
Curto prazo: reações e ajustes inevitáveis
Embora o impacto global seja contido, empresas brasileiras altamente dependentes do mercado norte-americano precisarão de apoio para redirecionar suas exportações. Nesse sentido, políticas públicas e apoio de instituições como o BNDES serão fundamentais para facilitar a transição.
O especialista entrevistado rechaça a ideia de colapso econômico iminente, reforçando que a dramatização feita por parte da imprensa é exagerada. “Não é um terremoto, é um terremotinho”, resume.
Longo prazo: chance de reconfigurar o comércio internacional
O cenário, que à primeira vista parece negativo, pode abrir caminhos para uma mudança mais profunda. Com a exclusão parcial do mercado norte-americano, países do Sul Global começam a buscar integração comercial entre si.
Esse movimento fortalece a ideia de uma complementaridade econômica entre nações emergentes, especialmente dentro de blocos como o BRICS. A proposta é construir cadeias produtivas menos dependentes do Norte Global, onde estão concentradas 15% da população mundial, mas 75% da riqueza.
A armadilha da dívida e a exploração via juros
Em meio ao debate sobre reestruturação econômica, chama atenção outro fator: a armadilha da dívida externa. Segundo estudo recente citado pelo especialista, 42% do orçamento de países em desenvolvimento é destinado apenas ao pagamento de juros da dívida externa — um dinheiro que poderia ser investido em saúde, educação ou infraestrutura.
Países como Angola, por exemplo, exportam petróleo, mas não conseguem reinvestir os lucros internamente por falta de indústria e autonomia tecnológica. Isso os obriga a importar bens básicos e contrair dívidas. O resultado é o uso da riqueza nacional apenas para sustentar o sistema financeiro internacional.
Sistema financeiro brasileiro: lucros astronômicos com juros abusivos
Ao olhar para dentro, o especialista também denuncia os juros abusivos praticados no Brasil. O rotativo do cartão de crédito brasileiro ultrapassa 450% ao ano, enquanto nos Estados Unidos a taxa média gira em torno de 19%. Na França, por exemplo, está entre 4% e 5% ao ano.
Segundo dados do Banco Central, as famílias brasileiras pagam, em média, 55% de juros ao ano. Isso significa que cerca de 30% do PIB nacional é convertido em lucros financeiros, beneficiando grandes conglomerados bancários — cujos principais acionistas são fundos internacionais como BlackRock e State Street.
Reorganizar-se para resistir: a saída está no Sul
Diante do cenário de pressão externa e fragilidade econômica, a rearticulação do Sul Global surge como alternativa viável e estratégica. A construção de alianças multilaterais baseadas em interesses comuns e menor dependência do dólar pode criar um novo modelo de desenvolvimento.
Para isso, é fundamental que os países do Sul deixem de negociar apenas concessões individuais com o Norte. A união em torno de interesses regionais e estruturais pode gerar uma nova ordem econômica mais justa e equilibrada.
O tarifaço é desafio, mas também oportunidade
Embora o tarifaço represente um desafio no curtíssimo prazo, com necessidade de realocação de mercados e medidas emergenciais, não configura uma catástrofe econômica. Pelo contrário: pode ser a faísca necessária para acelerar transformações estruturais e reforçar o papel do Brasil e de seus parceiros no Sul Global.
“Receber o porrete pode ser o que nos leva a repensar a estrutura”, afirma o especialista com otimismo, sem ignorar os riscos, mas enxergando as possibilidades de um novo arranjo internacional mais solidário e autônomo.
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