Arcabouço fiscal em xeque: cálculo mostra superávit primário de 3%–4% como necessário para estabilizar dívida

O debate sobre o real cumprimento do arcabouço fiscal ganhou força diante de sinais de flexibilização de gastos e da defesa de metas menos ambiciosas para o resultado primário. Cálculos difundidos por analistas mostram que, com juro real próximo de 7%, crescimento do PIB em torno de 2% e dívida bruta perto de 80% do PIB, seria necessário um superávit primário entre 3% e 4% do PIB para estabilizar a trajetória da dívida. Nesse contexto, a meta de superávit zero é vista como insuficiente para conter a dinâmica do endividamento.

Por que 3%–4% de superávit?

A regra básica de sustentabilidade da dívida compara o juro real (r) com o crescimento do PIB (g) e multiplica a diferença pela relação dívida/PIB. No cenário discutido:

  • r ≈ 7%, g ≈ 2%r – g ≈ 5 p.p.

  • Dívida/PIB ≈ 80%

  • Necessidade aproximada de superávit primário = (r – g) × dívida/PIB ≈ 5% × 80% = 4% do PIB

Mesmo admitindo variações para baixo — por exemplo, um juro real efetivo menor ou crescimento ligeiramente maior — o resultado ainda orbitariam 3% do PIB como referência mínima para estabilização.

Cumprimento do arcabouço e riscos

Especialistas questionam a prática de excluir despesas do alcance do arcabouço ou criar exceções, o que reduz a credibilidade do regime. A percepção de “fiscal flexível” pressiona os prêmios de risco e encarece o custo de financiamento no médio prazo. A leitura predominante é que superávit zero não “esfria a febre” da dívida — seria como registrar 38 °C e dizer que está normal, ilustram economistas.

Efeitos na dívida e no custo de rolagem

  • Dívida/PIB tende a subir caso o primário fique persistentemente abaixo de r – g.

  • Prêmio de risco maior eleva a taxa de juros longa, realimentando o problema.

  • Confiança: metas críveis e entregues reduzem volatilidade no câmbio e nos juros futuros.

Por que o mercado está complacente agora?

Apesar das dúvidas fiscais, observa-se complacência de curto prazo:

  • Câmbio: o real tem tido alívio pontual com a expectativa de que o Federal Reserve possa cortar juros ainda este ano, o que melhora o apetite a risco em emergentes.

  • Inflação nos EUA: mesmo com leituras mais firmes em alguns meses, a probabilidade de cortes segue no radar, sustentando a tomada de risco global.

  • Ciclo político: projeções de mudança no pêndulo político em 2026 alimentam a tese de ajustes futuros.

Esse alívio, no entanto, não substitui entregas fiscais. Sem avanço em medidas estruturais, o prêmio de risco pode voltar.

O que falta na política fiscal

  • Meta compatível com estabilização: trajetórias que convirjam para 3%–4% do PIB no médio prazo.

  • Qualidade do ajuste: priorizar despesa obrigatória e subsídios; ampliar base tributária com menor distorção.

  • Execução e transparência: evitar criatividades contábeis e gastos fora da regra, preservando a credibilidade do arcabouço.

Sinalizações para 2026

No debate público, há o entendimento de que será necessário um novo padrão fiscal após 2026, com metas mais alinhadas à estabilização da dívida e à redução do prêmio de risco. A discussão inclui ancoras mais duras, limites a gastos extraordinários e revisão de incentivos.

Quadro-resumo: quanto é necessário?

Variável Nível de referência Observação
Juro real (r) 7% Média implícita no debate
PIB real (g) 2% Crescimento potencial aproximado
Dívida/PIB 80% Patamar redondo de referência
r – g 5 p.p. 7% – 2%
Superávit necessário ≈ 4% do PIB 5% × 80%
Meta discutida 0% do PIB Insuficiente para estabilizar

Cenários

Base: ajuste gradual

  • Primário sobe 0,5 p.p. ao ano até 3% do PIB.

  • Dívida/PIB estabiliza e começa a ceder ao fim do horizonte.

  • Juros longos recuam com melhora de credibilidade.

Adverso: meta zero persistente

  • Primário em 0%–1% do PIB.

  • Dívida/PIB segue em alta, exigindo prêmio maior.

  • Volatilidade do câmbio e das curvas de juros aumenta.

Otimista: surpresas de crescimento

  • PIB acima de 2% e inflação sob controle.

  • Com reformas, r – g cai e o superávit necessário diminui, permitindo meta menor sem perder a âncora.

O que acompanhar

  • Lei Orçamentária e cumprimento das metas trimestrais.

  • Gastos excepcionais e pedidos de exclusões do arcabouço.

  • Trajetória das expectativas de inflação e juros longos.

  • Sinalizações para 2026 sobre novo desenho fiscal.

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