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Bahia além das três coresUma das grandes atitudes do clube em direção a essas mudanças tem nome, presidente e cores – a LGBTricolor. Presidida por Onã Rudá, a torcida lgbtqiap+ do Bahia luta pela presença de seus integrantes nas arquibancadas, sendo pioneira no panorama de torcidas pela diversidade no país.“O futebol é mais que a bola em campo e os três pontos. Eu acredito que o futebol pode ser diferente, e que ele ajuda a sociedade a mudar, porque chega onde o Estado não chega. Ele chega no trabalhador. Eu nasci no Nordeste de Amaralina, e só na LGBTricolor eu pude encontrar minha comunidade, com pessoas que podiam até não ter letramento, mas tinham boa vontade”, diz o presidente. “Bellintani, no Bahia, fez o que pessoas com privilégio precisam fazer — abrir espaço para dar passagem. Foi assim que pudemos fazer a LGBTricolor”, completa. Assim, surgiu o movimento, que a partir de 2019 começou a receber respostas por todo o país na forma da criação de outras torcidas tricolores Brasil afora. Nos primeiros três meses, foram 15 torcidas LGBTs pelo país. Atualmente, já são 23 grupos, espalhados pelas Séries A, B, C e D e incluindo alguns times não seriados no momento, seguindo o pioneirismo gerado pelo Esquadrão.
Onã Rudá
| Foto: Divulgação
“O que temos no Bahia não existe no resto do Brasil. É uma integração. No Bahia, mudamos resoluções discriminatórias, enviamos a primeira denúncia sobre o Flamengo que fez com que um clube fosse punido por LGBTfobia pela primeira vez, sugerimos à CBF que incorporasse a resolução que dava autonomia à confederação para punir qualquer clube, dentre muitas outras ações”, relembra Rudá.Representação no lugar mais altoProva inegável dessa mudança na torcida vem da voz da própria. Na última eleição presidencial do clube, foi eleito o primeiro atleta assumidamente gay do futebol brasileiro como presidente do Bahia – o ex-goleiro Emerson Ferretti. Há três anos, Ferretti quebrou um tabu que atravessava toda a história do futebol nacional. Em um podcast, o ex-atleta falou sobre sua sexualidade pela primeira vez, se assumindo como um homem gay e rompendo o silêncio que perdurava desde o nascimento do futebol no Brasil – a presença de pessoas LGBTs no futebol. “Esse silêncio passava a imagem de que não existiam pessoas gays atuando no futebol, mas elas sempre fizeram parte, seja dentro de campo, com carreiras enormes, inclusive atletas da Seleção Brasileira, como em comissões técnicas, na imprensa… sempre fizeram parte e sempre amaram o futebol. Mas assim como eu precisei fazer com que essa condição fosse invisível, todos eles também precisavam, porque se qualquer um de nós abrisse a boca, nossa carreira estaria acabada em alguns dias. Todos precisaram ser invisíveis para sobreviver no futebol”, relata o presidente tricolor. A trajetória é construída desde a infância. Para alguém que começou sua vida no futebol aos oito anos de idade, jogando na base do Grêmio, o sonho de ser goleiro veio muito antes da descoberta da própria sexualidade, vindo ela já acompanhada das máscaras que sua profissão exigia dele. “Criei um personagem para me parecer com os atletas heterossexuais, escondi meus companheiros, nunca saí para jantar em casal para não levantar suspeitas. Vivi o tempo todo com medo de ser descoberto sob pena da minha carreira se encerrar. Me escondendo, tive depressão, e acredito que o mesmo aconteceu com outros que não puderam se expressar como gostariam. O pior é a solidão desse processo todo”, conta.
Emerson Ferretti, presidente da associação do Bahia
| Foto: Marina Branco / A TARDE
A decisão de falar publicamente, então, foi resultado de um longo processo. Foram mais de dois anos de reflexão até que ele aceitasse falar sobre o tema, sempre acompanhando histórias de muito sofrimento de pessoas LGBT no futebol. “Eu refleti e decidi que eu poderia deixar um legado para o futebol e para a sociedade maior do que o que eu deixei como goleiro em campo. Eu podia fazer algo para que o futebol evoluísse. Meu comportamento como atleta profissional rompe com esses conceitos de que o esporte precisa de virilidade e que o homem gay não tem. Eu sempre tive, todas as vezes que precisei. Conheço muito homem hétero que não tem a virilidade necessária para jogar futebol”, afirma.Ferretti também rebate estereótipos preconceituosos. “Outro conceito é que um atleta gay vai criar problemas em um clube porque não vai conseguir segurar seus desejos rodeado de homens. Eu vivi mais de 20 anos em vestiários e sempre fui exemplo de comportamento. Já vi héteros criarem mais problemas”, conta.Mesmo após sua revelação, há três anos, ele segue como o único atleta brasileiro do futebol a falar abertamente sobre o tema, sendo pioneiro como foi o Bahia na temática, identificação reafirmada por Ferretti. “O Bahia foi o primeiro clube que entendeu a importância que os clubes têm de se posicionar socialmente, se preocupar com sua torcida e ajudar a sociedade a evoluir”, elogia.“Minha eleição como primeiro presidente assumidamente gay de toda a existência do futebol brasileiro trouxe uma consciência à torcida do Bahia, que na hora da eleição desconsiderou minha sexualidade e focou na minha competência. Quando você faz campanhas, tem muita gente que aprende, e outros só aprendem na dor, e aí vem a legislação”, comenta.Apesar das conquistas, no entanto, Ferretti revela também episódios de preconceito ao longo de toda a carreira. “Pela suposição da minha sexualidade, fui vetado, tive treinadores que não quiseram trabalhar comigo, dirigentes que não me quiseram como titular, sofri preconceito”, conta.
Seminário ‘Racismo no Futebol: Combate à Discriminação nos Estádios’
| Foto: José Simões/Ag. A TARDE
Para ele, esse ambiente hostil resulta em perdas irreparáveis para o esporte: “A gente perde talentos no futebol por puro preconceito. Muitos atletas desistiram de tentar a carreira no futebol quando perceberam que era um mundo muito hostil pra quem não é padrão no futebol”.A luta, então, segue. O apoio começa a vir cada vez mais de diferentes espaços e, aos poucos, clubes se unem em prol da diversidade no futebol. Nas três cores do Bahia, fica uma certeza – o orgulho em defender muito mais do que simplesmente vermelho, azul e branco.