
Para contornar o problema dos preços abusivos de hospedagem em Belém durante a COP30, marcada para novembro deste ano, o governo federal contratou dois navios de cruzeiro internacionais como uma solução emergencial.
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Juntos, os transatlânticos MSC Seaview e Costa Diadema terão capacidade para mais de 6 mil pessoas, em cerca de 3.900 cabines.
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A aposta, porém, também trouxe mais um desafio logístico para a capital paraense: as embarcações ficarão atracadas no Porto de Outeiro, na Ilha de Caratateua, distrito a cerca de 20 km do centro de Belém e separado por vias estreitas e com pouca infraestrutura.
A escolha por Outeiro ocorreu depois que o governo descartou o uso do Terminal Hidroviário Internacional de Belém, no bairro do Reduto, área central da capital, às margens da Baía do Guajará, onde já existia uma estrutura mais robusta.
Sob alegação de riscos ambientais, a obra de dragagem de R$ 210 milhões, que permitiria a atracação de transatlânticos no local, foi suspensa em janeiro.
Agora, no porto em adaptação, o governo federal está investindo cerca de R$ 180 milhões em obras de melhorias que incluem a instalação de um píer de 710 metros, previsto para ser entregue em 14 de outubro, a menos de um mês antes da conferência.
Segundo o governo do Pará, a promessa é de que o deslocamento dos delegados de países hospedados nos navios até o Parque da Cidade, no bairro da Sacramenta (zona leste de Belém, onde estão sendo erguidos os pavilhões oficiais), leve apenas 30 minutos.
Porto de Outeiro, em Belém, está passando por reformas para ampliar capacidade de hospedagem da COP30.
Diretoria de Infraestrutura/Secop
Para isso, a principal promessa é a conclusão da ponte estaiada entre Outeiro e Icoaraci, outra região periférica da capital.
A obra, contudo, ainda não foi concluída e tem previsão para entrega em setembro. Quando o g1 visitou o trecho no começo de agosto, apenas a estrutura central da ponte estava firmada, enquanto os acessos seguiam em construção.
A reportagem também percorreu o trajeto entre o centro de Belém e a nova ponte em construção, em um dia de trânsito leve. Só esse trecho levou mais de 35 minutos e não incluiu o deslocamento até o porto onde vão ficar os navios.
“Pela primeira vez Belém vai passar por um tipo de teste vinculado a um evento de grande porte, que vai precisar de uma mobilidade interna dentro da cidade e as coisas têm que funcionar nesse sentido. Não somente na mobilidade hidroviária, mas também na terrestre”, avalia a geóloga Aline Meiguins, docente do Programa de Pós-graduação em Gestão de Risco e Desastres Naturais na Amazônia, do Instituto de Geociências da UFPA (Universidade Federal do Pará).
“Esse potencial precisa ser mais bem desenvolvido no sentido de antecipar ações de ordenamento, infraestrutura e orientação quanto à mobilidade”, ressalta.
Impactos no rio e nas praias vizinhas
As obras de Outeiro estão sob responsabilidade da Companhia Docas do Pará (CDP) e incluem a instalação de 11 estruturas metálicas conhecidas como dolphins, oito destinadas à atracação e três à amarração dos navios.
Os equipamentos funcionam como grandes pilares fixados no leito do rio e servem para receber o impacto das embarcações e manter os transatlânticos presos com segurança ao píer.
Segundo o modelo de operação acordado com a ONU, as acomodações serão disponibilizadas em duas etapas.
Obras no Terminal Portuário de Outeiro, em Belém.
Roberto Peixoto/g1
Na primeira, delegações de 98 países em desenvolvimento e pequenos Estados insulares terão prioridade de reserva, com diárias em torno de US$ 220 (cerca de R$ 1,2 mil).
Já na segunda fase, as demais delegações, ONGs e participantes credenciados poderão garantir leitos a valores que chegam a US$ 600 (cerca de R$ 3,3 mil).
“A gente entende que isso foi uma medida emergencial, necessária do governo brasileiro, uma vez que escolheram Belém para sediar o evento”, analisa Thiago Marinho Pereira, engenheiro de pesca da Universidade Federal do Oeste do Pará.
“Não seria novidade que Belém e poucas cidades brasileiras têm condição de hospedar um evento dessa magnitude”, acrescenta
VÍDEOS: a COP30 e o nosso futuro
Para especialistas, a solução contudo acabou também apenas transferindo o impacto ambiental de uma região para outra (do centro da capital para Outeiro).
Isso porque mesmo paradas as embarcações precisam manter em funcionamento seus sistemas de energia e tratamento de efluentes.
“A grosso modo, existe um entendimento de que não existe outro meio de transporte tão poluente por pessoa como os navios. Numa média, um navio desse vai produzir mais ou menos 300 quilos de carbono por pessoa por dia, somente quando estiver operando”, destaca Thiago.
O governo federal, por sua vez, afirma que as emissões da COP30 serão compensadas por meio da compra de créditos de carbono.
COP 30, em Belém: Construção da 2ª Ponte no distrito de Outeiro.
Roberto Peixoto/g1
Mas outro ponto levantado por pesquisadores é a interferência no trânsito fluvial.
A região de Outeiro concentra embarcações que transportam diariamente moradores de ilhas vizinhas, como Cotijuba e Combu, além de barcos de turismo que circulam em fins de semana.
“A gente tem relatos de vários acidentes nesses trechos, às vezes por colisão de embarcações, às vezes porque muitas não estão em boas condições de navegação. Falta colete, falta orientação. Então, colocar navios desse porte numa área que já tem embarcações irregulares e um tráfego intenso, fora da rotina local, pode trazer ainda mais riscos”, alerta Meiguins.
Além disso, há preocupação com a pressão sobre as praias da região, tradicional destino turístico da região metropolitana de Belém.
“Eu imagino que nesse período haja um grande número de pessoas que queiram conhecer esses ambientes diferenciados da nossa região. E os barcos que vão fazer esse translado com turistas, saindo exatamente da área onde os navios vão estar atracados, precisam ser orientados a como proceder esse fluxo e a se afastar das zonas de movimentação dessas embarcações maiores”, acrescenta a geóloga.
O g1 tentou agendar entrevistas tanto com a Companhia Docas do Pará (CDP), responsável pelas obras do píer em Outeiro, quanto com a Secretaria Extraordinária da COP30, que coordena a logística do evento. Ambos os pedidos não tiveram repostas.
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