Caso Lisa Cook: reação do mercado foi moderada porque ninguém acredita na demissão, diz economista


‘Trump está tentando reduzir a independência do Fed’, afirma Fabio Kanczuk
A reação do mercado financeiro ao anúncio de Donald Trump de demitir Lisa Cook do conselho do Federal Reserve (Fed) foi moderada nesta terça-feira (26) porque os investidores não acreditam que a economista será efetivamente retirada do cargo.
A avaliação é de Fábio Kanczuk, diretor de macroeconomia do ASA e ex-diretor de Política Econômica do Banco Central do Brasil. Em entrevista à GloboNews, ele afirmou que prevalece a percepção de que Trump não conseguirá concretizar a demissão da diretora do banco central americano.
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“Sabemos da intenção de médio prazo de Trump de enfraquecer o Fed, mas ninguém esperava essa carta [com a demissão de Cook]. Quando o documento chegou, o mercado se perguntou: ‘Ele conseguirá retirá-la do cargo ou não?’ O mais provável é que não consiga”, diz.
“A batalha vai parar na Justiça, e Lisa Cook vai conseguir se manter no cargo por anos”, avalia. “Se o mercado achasse que Trump fosse conseguir removê-la, o efeito seria grande.”
Em meio à ofensiva inédita de um presidente dos EUA contra o Fed, que é uma instituição independente, o dólar fechou em alta de 0,34% nesta terça-feira, cotado a R$ 5,4338. Já o Ibovespa, principal índice da bolsa brasileira, encerrou em queda de 0,18%, aos 137.771 pontos.
Trump anunciou pelas redes sociais, na segunda-feira (25), a demissão de Lisa Cook. Em uma carta direcionada à diretora do Fed, ele mencionou acusações sobre supostas fraudes hipotecárias e declarou não confiar na integridade da economista. (saiba mais abaixo)
À GloboNews, Kanczuk lembrou que o mandato de Cook no conselho de governadores do Fed vai até 2038. Segundo ele, o mercado acredita que a economista deverá cumprir integralmente os 14 anos previstos no cargo.
“O efeito mais provável [da decisão de Trump] é que Cook continue brigando na Justiça enquanto se mantém no Fed — com um pouco de confusão e custos com advogado, mas tocando a vida do mesmo jeito”, diz o diretor do ASA.
Para Kanczuk, a possibilidade mais concreta nas mãos de Trump seria a substituição do presidente do Fed, já que o mandato de Jerome Powell termina em maio de 2026.
“Tem uma lista enorme de pessoas [para substituí-lo]. Nós não sabemos quem vai ser. Mas, com certeza, [o tema] deve passar pela questão de ter um Fed menos independente e mais alinhado às vontades do presidente”, analisa.
Fed se pronuncia e defende independência
O Fed se manifestou nesta terça-feira sobre o anúncio e reiterou a defesa de sua independência. Embora Trump tenha afirmado que a demissão de Cook tem efeito imediato, o BC dos EUA indicou que a economista continua no cargo até que haja uma decisão judicial.
Em nota oficial, a instituição destacou que seus diretores têm mandatos fixos de 14 anos e só podem ser afastados pelo presidente dos EUA “por justa causa”, conforme prevê o Federal Reserve Act — a lei de 1913 que criou o banco central.
O texto afirma que essas garantias são fundamentais para proteger a independência da política monetária.
“Mandatos prolongados e proteções contra demissões arbitrárias asseguram que as decisões do Fed sejam baseadas em dados, análise econômica e nos interesses de longo prazo do povo americano”, afirmou o Fed.
A nota também informa que Lisa Cook, por meio de seu advogado, pretende contestar judicialmente qualquer tentativa de afastá-la. O Fed afirmou que continuará exercendo suas funções conforme previsto em lei e que, “como de costume, cumprirá qualquer decisão judicial”.
A manifestação ocorre em meio a tensões entre a Casa Branca e o Fed. Trump tem intensificado críticas à instituição, que atua de forma independente, na tentativa de pressionar por uma redução da taxa básica de juros.

Demissão de Cook e ataques de Trump ao Fed
O anúncio de demissão, sem precedentes, é visto como uma nova escalada dos ataques do republicano à independência do banco central norte-americano.
Para justificar o afastamento, Trump diz que Cook teria cometido fraude hipotecária ao declarar duas residências como principais para obter melhores condições de financiamento.
A legislação do Fed estabelece que o presidente dos EUA não tem autoridade direta para demitir membros do conselho sem comprovação de falta grave.
Em nota divulgada por meio de seu advogado, Cook declarou que “não há motivo legal” para sua demissão e garantiu que não vai renunciar.
“O presidente Trump alegou ter me demitido ‘por justa causa’ quando não há justa causa prevista em lei, e ele não tem autoridade para fazê-lo”, diz o comunicado.
Segundo o advogado de Cook, serão adotadas todas as medidas legais para barrar a demissão da dirigente do Fed, classificada por ele como ilegal. “Não vou renunciar. Continuarei a cumprir meus deveres para ajudar a economia americana, como venho fazendo desde 2022.”
O caso foi encaminhado ao Departamento de Justiça para investigação.
Economista Lisa Cook será a primeira mulher negra na cúpula do Fed
Ken Cedeno/Reuters
Decisão é inédita
A demissão de um membro do conselho de governadores do Fed por decisão direta do presidente é inédita. O Fed foi estruturado para proteger a política monetária de pressões políticas.
Seus integrantes têm mandatos longos e escalonados, não podem ser autoridades eleitas nem membros do Executivo — o que garante estabilidade e continuidade nas decisões econômicas.
O Fed também não depende do orçamento do Congresso e não submete suas decisões ao aval do presidente ou do Legislativo.
Essa independência assegura que o banco central atue com foco em metas de longo prazo, como pleno emprego e estabilidade de preços, sem ceder a interesses eleitorais ou imediatistas.
Quem é Lisa Cook
Cook fez história em 2022 ao se tornar a primeira mulher negra indicada para um cargo no conselho de governadores do Fed.
Economista da Universidade de Oxford e doutora pela Universidade da Califórnia, Berkeley, ela foi professora de economia e relações internacionais na Universidade Estadual de Michigan.
Construiu sua trajetória como pesquisadora, investigando os impactos da discriminação sobre a economia americana e como as recessões provocam mais danos aos pobres.
A economista fala cinco idiomas — entre eles o russo — e é especialista em desenvolvimento internacional, tendo atuado na recuperação de Ruanda depois do genocídio de 1994.
Foi indicada para o cargo pelo então presidente democrata Joe Biden. Com mandato até 2038, levou ao Fed uma trajetória de destaque: integrou o conselho de assessores econômicos do presidente Barack Obama e atuou no Departamento do Tesouro dos EUA.

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