Na manhã de 11 de agosto de 2025, Belo Horizonte parou diante de uma cena que se repete, mas nunca deveria se tornar comum: o gari Laudemir de Souza Fernandes, 44 anos, foi morto a tiros durante a sua jornada de trabalho. O atirador, o empresário Renê da Silva Nogueira Júnior, desceu de um SUV após discutir com a equipe de coleta de lixo e, deliberadamente, puxou o gatilho. Horas depois, foi encontrado em uma academia e preso.
O crime não foi apenas um ato de brutalidade individual. Ele escancara a naturalização da violência em um Brasil que, ao longo dos últimos anos, cultivou o ódio como linguagem política. Dias depois, colegas de Laudemir e moradores interromperam o trânsito no Anel Rodoviário com gritos que ecoaram como denúncia e luto coletivo: “Somos garis, não somos lixo.” Uma cidade inteira foi convocada a olhar para a vida de Laudemir, reduzida pela frieza de um boletim de ocorrência, mas que sua família e sua comunidade se recusam a deixar virar estatística.
Laudemir era descrito como um homem pacífico, que tentou conter o conflito antes de ser alvejado. Trabalhava pela cidade, mas não resistiu a um país que normaliza o ódio e transforma a vida em alvo fácil. A sua morte mostra como, para quem vive do suor, a vulnerabilidade não é apenas econômica, é também política, cultural e social.
Do outro lado, o perfil do assassino revela mais que um indivíduo, é o retrato de toda uma era. Nas redes sociais, ele se apresentava como “cristão, marido, pai e patriota”, acumulando seguidores e projetando uma imagem de virtude e sucesso. Esse repertório de autoafirmações, tão familiar ao imaginário bolsonarista, funciona como um salvo-conduto moral, transforma a arma na cintura em “direito”, o ódio no olhar em “coragem”, e a agressão em “legítima indignação”.
Não se trata de acidente. Acidente é o imprevisto, o acaso inevitável. Cada ato foi carregado de intenção e consequência. Rebatizar essa sequência como “fatalidade” é mais um insulto à memória de Laudemir, e à inteligência coletiva. O bolsonarismo não criou a violência brasileira, mas deu a ela forma, narrativa e estética política. Esse projeto não se limita ao discurso, ele molda práticas, contamina relações sociais e, no limite, autoriza mortes. Quando essa lógica desce ao cotidiano, o resultado é um gari negro tombando no asfalto.
Laudemir não pode ser lembrado apenas como mais um número em uma planilha. Justiça por Laudemir é justiça por toda uma Belo Horizonte. É defender a vida acima de qualquer ego inflamado, é garantir que cada trabalhador que amanhece exercendo sua profissão volte vivo para casa.
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