Maria Bethânia fala sobre turnê, cinebiografia e perda de grande cantora

Há um ensinamento no candomblé que diz: não basta catar a folha, é preciso saber cantá-la. E assim, quando se canta corretamente, imersa na força do mistério, a cantadora faz o encantamento. No âmbito da ancestralidade brasileira, envolta nos mistérios da fé e da canções, nenhuma cantora alcançou longevidade e expressividade artística no cenário musical nacional como a cantora Maria Bethânia, ora imersa em canções de amor e protesto, ora cantando as religiões populares de vertente luso-afro-indígena, mas sempre evoluindo em qualidade técnica e estética, e esculpindo um tipo ideal de Brasil (fora das desigualdades, trabalhador, honesto e ecológico) que a cantora tem como “entidade”, por conta da fé e do amor que ela dedica a este país, apesar das enormes tristezas que nos abatem.Numa perspectiva sociocultural e ecológica, no mainstream brasileiro, na era do antropoceno, nenhuma outra voz feminina produziu tanto encantamento à luz dos ensinamentos afroindígenas e das culturas lítero-musicais em língua portuguesa.Agora, seguindo a sua permanente singularidade, depois da exitosa turnê Caetano e Bethânia juntos, a cantora baiana levará, inicialmente, para três capitais brasileiras a turnê comemorativa dos seus 60 anos de carreira.Estreando no Rio de Janeiro em setembro (no Vivo Rio, 6, 7, 13 e 14), passando por São Paulo em outubro (no Tokio Marine Hall, 4, 5, 11 e 12), chegando a Salvador em novembro (na Concha Acústica, 15), com o patrocínio institucional Cartão Elo, assessorada pela Live Nation Brasil, os ingressos serão vendidos pela Ticketmaster, com pré-vendas exclusivas para os clientes dos cartões Elo entre os dias 30/06 e 01/07, e a venda geral a partir do 03/07, às 10h. de cada dia.Ao falar sobre o fôlego juvenil de sair de uma turnê e ingressar em outra, nessa trajetória de 60 anos, a cantora, de 79 anos de idade, sentencia: “Chegar aqui aos 60 anos com vigor e vontade de voltar à cena se deve à grande paixão que tenho pelo palco, pela possibilidade de me comunicar, dizer o que penso, como sinto, porque sinto, para alguns que queiram me ouvir, a ribalta e a plateia para mim são os melhores cenários… sou muito feliz nisso”.

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Ao responder, cada palavra dela nos invade como verdades ontológicas, acumuladas pelo passar dos anos e da grande experiência de se construir artista a partir do palco e para o palco, formando assim, gerações de ouvintes apaixonados por uma carreira erguida em autenticidade, vivacidade corporal, cultivo à beleza, domínio musical, amor à palavra e muito suor.A perda de NanaHoje, de maneira isolada, Maria Bethânia é a única representante viva da geração diamante do nosso cancioneiro, surgida nos anos 1960. Com a morte de Gal Costa, em novembro de 2022, e a de Nana Caymmi, em maio de 2025, a santo-amarense carrega em si, com responsabilidade e respeito, o legado deixado por estas mulheres que, além de amigas e parceiras, são testemunhos de grandeza musical.Sobre a perda recente de Nana Caymmi, ela lamentou: “Não fui eu quem perdeu a amiga, parceira querida, foram o Brasil e o mundo que perderam uma enorme cantora, uma intérprete extraordinária, meu Deus, como Billie Holiday e Gal… Imensa”.Sendo assim, entre tantas perdas significativas, e de cenários políticos, econômicos e sociais ultrajantes, ao celebrar no palco seis décadas de entrega artística, Maria Bethânia ensina ao Brasil a necessária tarefa de celebrar a vida e as suas conquistas, como nos ensinaram os negros africanos, e ela sempre fez assim, mas agora é urgente, subir ao palco é mostrar-se mulher, inteira, brasileira, representante viva de uma geração de cantoras que revolucionaram a cena cultural e propuseram novos caminhos estéticos para o nosso cancioneiro.Suleadora: não norteadoraO sentimento de Maria Bethânia sobre o destino do Brasil como um país para todos pousa na tenaz esperança que ela insiste em manter, por ser fascinada por este lugar e desejar que o melhor nos aconteça.“Quando vejo do fundo de mim, tudo vai ficar mais límpido, grandioso, a floresta vai respirar, o mar vai ficar limpo… me permito delirar”, derrama-se a cantora entre a reflexão e a emoção de se ver pertencente ao nosso país.E ainda sobre o Brasil, ela propõe: “Precisamos ter juízo, ver que o Brasil é encantado, precisamos de mais doçura e muito, muito, muito mais respeito pelo outro”.Ancorada nas palavras suleadoras desta nova turnê – Palco, Devoção, Música, Vitória e Suor –, Maria Bethânia não pretende fazer uma retrospectiva da sua carreira, ela afirma: “Não tem saudosismos, tem o que sempre fui. Sou eu hoje, com meus sentidos, minhas sensações, quero cantar o que me marcou, trazendo coisas novas, expressando o agora da minha vida e da minha carreira”, detalha.‘Opinião’, Fauzi, BatatinhaMaria Bethânia – 60 anos de carreira, é uma turnê que reafirma a autoralidade de uma mulher intérprete, membra da Academia de Letras da Bahia, que faz oralituras com canções e récitas de textos literários, entrecruzando autores e autoras que tocam a sua sensibilidade. Uma mulher afirmativa da sua condição de gênero, que além de valorizar outras mulheres em seu ofício de cantora, se juntou a muitos homens que também a ajudaram em sua trajetória artística.Perguntada sobre o lendário diretor do espetáculo Opinião, Augusto Boal, sobre o diretor e ator, seu grande mestre, Fauzi Arap e pelo genial compositor baiano Batatinha, todos já falecidos, ela respondeu: “Vou começar pelo meu grande amigo Batata, primeira pessoa que conheci na boemia baiana quando eu era jovem, imediatamente percebi que se tratava de um grande poeta e músico. Ele me mostrava suas canções e eu gravei. Apresentei uma canção sua a Chico Buarque, que arregalou aqueles olhos lindos diante da beleza apresentada. Fauzi foi meu grande mestre, o maior ator que vi em cena, diretor deslumbrante, me ensinou tudo da cena, entendia o que eu queria, sabia tudo. Augusto foi o primeiro diretor, sempre muito ocupado e rodeado de muita gente, muitos papéis nas mãos, cheguei para cantar no Opinião e ele não falava comigo, um dia o interpelei e perguntei quando você vai me ouvir? Ele sorriu, me mandou ir para palco, e eu perguntei: ‘fazer o que, cantar’? Faça o que você quiser’, ele disse. E eu fiz sambas de roda, e eu sambei. Ele adorou. Boal foi importante, pra tudo, mas mestre foi Fauzi”.Alguns versos de Carta de Amor, canção autoral da cantora em parceria com Paulo César Pinheiro, podem ilustrar essa longuíssima trajetória de uma voz que escreve a história contemporânea na perspectiva luso-afro-indígena: ” Quando choro, se choro/ É pra regar o capim que alimenta a vida/ Chorando eu refaço as nascentes que você secou/ Se desejo/ O meu desejo faz subir marés de sal e sortilégio/ Eu ando de cara pro vento, na chuva, e quero me molhar/ O terço de Fátima e o cordão de Gandhi cruzam meu peito/ Sou como a haste fina/ Qualquer brisa verga/ Nenhuma espada corta/ Não mexe comigo/ Que eu não ando só/ Que eu não ando só/ Que eu não ando só/ Não mexe não”.A força de Bethânia se imprime nas letras, na musicalidade e na interpretação desta canção que fotografa um ser mulher no âmago da sua expressão, entre revolta, ternura e fé, a cantora combate qualquer tipo de maus-tratos que tenha sofrido ou venha sofrer, um cântico do presente voltando-se para 60 anos atrás e lançando-se ao infinito que é amanhã.O cantar das florestasUma história que precisa virar cinema, ser cinebiografada, a cantora permite que um diretor ou diretora sérios leve para a sétima arte a sua vida corriqueira e a abrasadora carreira de 60 anos. A voz vitoriosa que nunca sai de cena e nem de moda. Descoloniza o Brasil desde 1965 e em 2025 ressoa o cantar das florestas brasileiras na figura dos indígenas, caboclos e seres encantados que conheceu na sua amada Santo Amaro da Purificação.Quem se der ao indescritível prazer de assistir Maria Bethânia no palco, em cena, celebrando o que ela nasceu para fazer, nessa efeméride dos 60 anos de carreira, compreenderá que ela é uma árvore brasileira, plantada em solo baiano, a copa que atinge o mundo, frondosa e saudável, ela é a árvore infinita do inquice Tempo e ao mesmo tempo, a velha majé que encanta o mundo e transforma a feiura de agora em beleza para sempre.Maria Bethânia – 60 anos de carreiraDia 15 de novembro, 18hConcha Acústica do Teatro Castro AlvesR$ 480 e R$ 240 (lote 1), R$ 560 e R$ 260 (2)Vendas: Ticketmaster bilheteria TCA /Clientes cartão Elo: pré-venda segunda (30) e terça-feira (01), às 10h online, e 11h nas bilheterias oficiaisPúblico geral: quinta-feira (03)Classificação: 16 anos

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