‘O Último Azul’ é distopia que vai além do incômodo e encanta com cenas poéticas; g1 já viu


Rodrigo Santoro e Denise Weinberg em cena de ‘O último azul’
Guilhermo Garza/Desvia
Um olhar pessimista, mas paradoxalmente bonito conduz o novo filme do pernambucano Gabriel Mascaro. Com estreia nesta quinta-feira (28) nos cinemas, “O Último Azul” é uma distopia que encanta ao associar liberdade com pequenos prazeres da vida.
Vencedor do Urso de Prata no Festival de Berlim, o longa reafirma o interesse do cineasta em cutucar feridas sociais. Após abordar a estupidez sexista em “Boi Neon” (2015) e a contradição fundamentalista em “Divino Amor” (2019), ele agora debocha da incoerência do etarismo e tira sarro do sistema capitalista.
“O Último Azul” conta a história de Tereza (Denise Weinberg), mulher de 77 anos que trabalha como faxineira em uma indústria frigorífica de jacarés, na região amazônica. Ela leva uma vida simples e pacata, mas é convocada para uma colônia habitacional de idosos.
Criada pelo governo, essa colônia funciona como uma limpeza geracional. A lei determina que todos os idosos com mais de 80 anos devem ficar exilados ali até a morte — para não atrapalhar o trabalho do restante da população.
Mas uma mudança legislativa transforma a idade mínima do exílio para 75 anos, e Tereza fica com os dias contados. É quando ela decide realizar seu sonho de voar de avião, antes que seja tarde demais.
Denise Weinberg em cena do filme ‘O Último Azul’
Divulgação
A protagonista inicia, então, uma jornada visceral de experiências. Ao cruzar os rios da região, ela encontra o caracol baba-azul, bicho que solta uma gosma azulada neon. Dizem que uma gota dessa é capaz de revelar o futuro de qualquer um que a pingue nos olhos.
Esse tom místico da história rende diálogos potentes que nos levam a reflexões como livre-arbítrio, vitalidade e poder. As cenas do baba-azul também dão a entender que a gosma revela o que a pessoa reprime sobre si — seja a sensação de invalidez por envelhecer, ou um desejo de participar de apostas.
Tudo isso é embalado por cenas hipnotizantes. Assinada por Guillermo Garza, a fotografia do filme faz jus às maravilhas do cenário amazonense, com enquadramentos belíssimos. Vemos isso até mesmo em momentos grotescos, como uma brutal luta entre peixinhos — talvez, a cena mais poética do filme.
“O Último Azul” também sabe bem como compor cenário, ao inserir elementos como cartazes de um governo que maquia o autoritarismo, além de paredes pichadas com “idoso não é mercadoria” e “devolvam meu avô”.
Denise Weinberg em cena do filme ‘O Último Azul’
Divulgação
Os roteiristas Gabriel Mascaro e Tibério Azul constroem a história de forma cativante. O público é fisgado do início ao fim. Enquanto tenta voar de avião, Tereza começa a procurar sua própria autonomia. Redescobre pequenos prazeres da vida, que aqui surgem como sinônimo de liberdade.
Além de Tereza, outros personagens chamam a atenção. O barqueiro Cadu (Rodrigo Santoro) paga de machão, mas esconde um homem sensível e apaixonado. Ludemir (Adalino) é dono de uma pequena aeronave ilegal, mas não consegue decolar nela. E Roberta (Miriam Socarrás) é uma vendedora de Bíblias digitais que não crê no livro sagrado.
A relação entre Tereza e Roberta proporciona algumas das cenas mais interessantes. Divertidas, as personagens são uma afronta ao etarismo e aos estereótipos do que é ser idoso e, sobretudo, uma mulher idosa na sociedade capitalista. Fica até difícil não shippar as personagens.
As atrizes Denise Weinberg e Miriam Socarrás em ‘O Último Azul’
Divulgação
Denise está excelente como Tereza, protagonista cheia de caras e bocas. Sem dúvida, a atriz é um dos maiores triunfos do filme. Socarrás também arrasa como a risonha e misteriosa Roberta, enquanto Rodrigo mantém o talento de sempre.
Com tantos acertos, é fácil compreender o porquê “O Último Azul” venceu o Urso de Prata e, agora, tenta uma vaga no Oscar 2026.
Criativa, a produção provoca reflexões sobre o futuro, a partir de um retrato incômodo da atualidade. Mais do que pensar no envelhecimento enquanto assistimos ao longa, pensamos no sentido da vida. É como pingar nos olhos a baba azul de um caracol.
Cartela resenha crítica g1
g1
Filme brasileiro ‘O Último Azul’ conquista Urso de Prata no Festival de Berlim
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