Gilmar, proprietario do bar do Jan
| Foto: Uendel Galter | Ag. A TARDE
Comércio forte, identidade vivaA professora Luisa Maria dos Santos, de 76 anos, testemunha as mudanças que transformaram o bairro ao longo de décadas. “Quando cheguei, nem água encanada tinha, nem asfalto. Hoje temos posto médico, associação de moradores, muitas lojas, supermercados, farmácias, consultórios dentários, clínicas, academias, óticas, frigoríficos, padarias, delicatessen, restaurantes, churrascarias, casa lotérica, oficinas, lava-jato, borracharias, salão de beleza, igrejas, GAPI, mercearias, o Restaurante Popular, que foi inaugurado recentemente e muito mais.”Pernambués se desenvolveu a partir da força do seu povo. A diversidade étnica — com forte presença de populações negras, indígenas e uma ampla miscigenação — está refletida não só nos rostos, mas nos negócios locais, nos terreiros de Candomblé, nas festas religiosas e nas feiras comunitárias que mobilizam a população. E é exatamente essa diversidade que alimenta o comércio de forma orgânica.“Para comer, são três churrascarias no bairro que atraem muita gente de fora também”, reforça Gilmar. “Sem contar os bares e restaurantes!”
Especial A TARDE BAIRROS – Pernambués
Na foto: comércio em Pernambues
Foto: Shirley Stolze / Ag A TARDE
Data: 16/05/2025
| Foto: Shirley Stolze | Ag. A TARDE
Cultura de rua e afroempreendedorismoMas não é só no comércio e na culinária que Pernambués se destaca. A cena cultural, mesmo sem grandes centros formais, se afirma nos muros grafitados, nas batalhas de MCs, nos terreiros de candomblé e nas oficinas de hip-hop.Negro Davi é um dos nomes mais representativos dessa cena. Rapper, empreendedor e assistente social, ele é um rosto conhecido no bairro e um articulador de projetos que unem cultura e transformação social. “Eu sonhava em ser jogador de futebol. Fiz parte da escolinha Paulo Afonso, com professor Zumba, também treinava boxe, mas conheci a música e comecei a realmente me engajar no que gosto muito.”Sua atuação vai além dos palcos. Davi participou da rádio comunitária e hoje integra o primeiro projeto de Universidade Hip Hop da América Latina. “Além disso, tenho uma marca de roupa chamada D3 Power Black. Fazemos desfiles e participamos em parceria com o Projeto de Beleza Negra da comunidade. Precisamos formar uma grande rede de apoio entre nós. Por isso, estou sempre engajado em projetos sociais, culturais e de economia criativa. Sem contar a música, que é a minha vida.”Onde falta estrutura, sobra criatividadeMesmo com toda essa efervescência, o bairro ainda enfrenta desafios na área de lazer formal. “O maior lazer do bairro são alguns bares que têm a proposta de colocar música ao vivo, como nós do Boteco do Jan, barzinhos no condomínio São Judas Tadeu, e algumas datas comemorativas que as lideranças do bairro fazem eventos”, comenta Gilmar. “A iluminação pública pode melhorar mais. Um local para fazer oficinas e cursos para os jovens, uma casa da música seria muito bem-vinda. Temos muitos jovens talentosos aqui.”A carência de centros culturais não impede que a arte floresça. O artista visual Eder Muniz encontrou no bairro um novo espaço de expressão. “Não tinha acesso ao bairro, só conheci depois que me casei. Comecei a me inteirar no bairro, participar dos projetos. A área de comércio é farta. Temos de tudo aqui. Tem muitos bares também, mas é carente de locais para lazer e diversão”, avalia. Para ele, há muito potencial a ser explorado. “Falta movimento mais forte para atrair mais investimentos em lazer, com samba e eventos que fazem falta, que faz com que as pessoas daqui saiam em busca de outros bairros. Mas acho que daqui a cinco anos vai melhorar muito”.O artista, conhecido pelos seus murais urbanos, tem deixado sua marca pelas ruas do bairro. “As pessoas se identificam e temos muita troca aqui. Agora estou mais atuante na região, já fiz muitos painéis pelas ruas de Pernambués.”
Sede do bloco BBG
| Foto: Olga Leiria | Ag. A TARDE
Tradição, espiritualidade e memória ancestralAlém da música e da arte urbana, os terreiros de Candomblé são peças fundamentais na construção cultural do bairro. Esses espaços mantêm viva a tradição afro-brasileira, celebrando orixás, promovendo festas e fortalecendo os laços comunitários por meio da religiosidade ancestral.“Nasci e fui criado em Pernambués, sou filho de negros que vieram da cidade de Jaguaripe trabalhar em Salvador. Dos irmãos, só eu e a Iyáloriṣà Ana Márcia trouxemos a raiz dos nossos ancestrais. Fizemos da nossa um barracão simples e sem quase nada, mas ali que renasci para o Sagrado. Conseguimos reorganizar o espaço e estamos firmes e forte com o solo Sagrado”, conta o babalorixá Marcos, que lidera o terreiro Ilê Àse Yéyé Oromi há 18 anos junto com a sua irmã. “Ana Márcia está à frente da roça em Pernambués e eu a de Jaguaripe. Não é fácil ser do Axé, mas é muito gratificante. Estamos ali louvando nossos reis e rainhas que foram trazidos da África para serem escravizados nesse Brasil de meu Deus”.Eventos como as grandes festas religiosas, batalhas de MCs, feiras afroempreendedoras, celebrações do Dia da Consciência Negra e ações de economia solidária são alguns dos marcos que reforçam a força simbólica de Pernambués. Projetos como o Grupo de Arte-Educação, Esporte e Cultura (GAEEC) utilizam escolas e espaços comunitários para levar arte e cidadania a crianças e adolescentes, promovendo oficinas e manifestações culturais ligadas ao hip-hop.A movimentação cotidiana de Pernambués é uma manifestação concreta da potência das comunidades. Mais do que números e comércios, é um bairro construído por histórias de resistência, afeto e criatividade. É no encontro entre o samba do Boteco do Jan, os versos de Negro Davi, do sagrado de pai Marcos e os traços coloridos dos murais de Eder Muniz que se costura o tecido cultural de um lugar que, mesmo com desafios, não para de pulsar.É como resume Gilmar Zurc, com simplicidade e firmeza: “Aqui é muito bom pra mim, aqui é o meu lugar”.