O que diz projeto no Congresso que muda licenciamento ambiental, é defendido por ruralistas e divide governo Lula


Com nova lei, projetos com potencial poluidor médio não precisariam de estudos de impacto ambiental. Para seus defensores, isso desburocratiza investimentos, enquanto seus críticos alertam para riscos ao meio ambiente.
Incra/Divulgação
A pouco menos de seis meses de o Brasil sediar a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP 30, o Senado deve votar nesta quarta-feira (21/5) um projeto de lei que altera as regras para o licenciamento ambiental no país.
Por um lado, ambientalistas criticam o projeto como a “a mãe de todas as boiadas”, em referência à fala do deputado federal Ricardo Salles (Novo-SP) quando era ministro do Meio Ambiente do governo de Jair Bolsonaro (PL) de que a gestão deveria aproveitar a atenção pública com a pandemia de covid-19 para “ir passando a boiada” e mudar a regras ambientais.
Segundo estes críticos da mudança, isso pode aumentar o desmatamento e abrir caminho para projetos polêmicos como a pavimentação da BR-319, na Amazônia, e facilitar o processo para a exploração de petróleo em regiões sensíveis como a Foz da Bacia Sedimentar do Rio Amazonas.
Os prejuízos ambientais decorrentes seriam irreversíveis, e o Brasil passaria por um constrangimento político internacional a poucos meses de país sediar o principal evento climático do mundo, em novembro, em Belém (PA).
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Por outro lado, a bancada do agronegócio, uma das mais poderosas do Congresso Nacional e que defende o projeto, o batizou como “destrava Brasil”.
Os apoiadores da lei em debate no Senado sustentam que a lei vai manter e até ampliar a punição a crimes ambientais, reduzir a burocracia para a implementação de atividades econômicas em todo o país e atrair investimentos.
Se aprovado, o texto ainda precisará ser votado na Câmara dos Deputados, antes de ir a uma eventual sanção presidencial.
No campo político, parte da bancada governista no Senado, liderada pelo PT, e o Ministério do Meio Ambiente (MMA), comandado por Marina Silva (Rede), se manifestaram contra o projeto.
Já o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro (PSD), se reuniu na terça-feira (20/5) com ruralistas e defendeu o projeto.
Nos bastidores do Congresso Nacional há dúvidas sobre se o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vai conseguir evitar a aprovação do texto que, além do apoio maciço da bancada do agro, conta com a adesão do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP).
Em meio a uma força-tarefa para evitar que a aprovação do texto nos próximos dias, especialistas avaliam que há possibilidade de que o assunto possa ser judicializado e decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
A BBC News Brasil enviou perguntas à Presidência da República, ao Ministério do Meio Ambiente (MMA) e à Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), mas as questões não foram respondidas.
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O que diz o projeto?
O licenciamento ambiental é um processo administrativo em que um as autoridades avaliam a viabilidade de uma determinada atividade e os seus possíveis impactos ambientais na região onde é realizada.
Pela atual legislação, quanto maior e mais complexo o empreendimento, mais etapas e mais detalhado precisa ser o licenciamento ambiental.
Ambientalistas defendem normais mais rígidas para, segundo eles, prevenir impactos ambientais e garantir a preservação do meio ambiente.
A bancada do agronegócio, alguns setores do governo federal e do empresariado reclamam do excesso de exigências e afirmam que elas atrapalham projetos e afastam investimentos.
O projeto que tramita no Senado estabelece uma série de novas regras para o licenciamento.
Uma das principais é a de que empreendimentos de médio porte e médio potencial poluidor possam estar sujeitos à Licença por Adesão e Compromisso (LAC), um tipo de licenciamento mais simples em que não há necessidade de apresentação ou realização de estudos de impacto ambiental.
Para que um empreendimento seja aprovado junto às autoridades, basta uma breve descrição do projeto com dados sobre a sua localização, dimensões e atividade que vai desenvolver.
Por determinação do STF, essa modalidade vem sendo usada apenas para empreendimentos considerados de pequeno porte e de baixo potencial poluidor.
Pelo novo texto, no entanto, obras como duplicação de rodovias e até mesmo algumas hidrelétricas poderiam ser alvo deste tipo de licenciamento.
Em outro trecho, o projeto de lei prevê que atividades agrícolas ou de pecuária podem ser isentas do licenciamento ambiental caso a propriedade esteja vinculada ao Cadastro Ambiental Rural (CAR) ou ao Programa de Regularização Ambiental (PRA), do governo federal.
O texto também diz que a presença de populações indígenas ou quilombolas só seria considerada no licenciamento caso as terras habitadas por eles estejam homologadas, a última fase de demarcação.
Entretanto, segundo uma nota técnica da organização não governamental Instituto Socioambiental (ISA), há pelo menos 259 terras indígenas em processo de demarcação que ficariam de fora da análise por ainda não estarem homologadas. Isso equivale a 32% da área total das terras indígenas brasileiras.
Ambientalistas criticam o mecanismo porque deixaria de fora povos indígenas vivendo em áreas ainda não homologadas que poderiam ser impactados por um empreendimento antes deste processo ser finalizado.
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Ainda de acordo com o ISA, uma área de 18 milhões de hectares, equivalente ao Estado do Paraná, ficaria desprotegida por estar próxima a empreendimentos previstos pelo Programa de Aceleração do Crescimento de 2023.
Já uma nota técnica elaborada pelo MMA, à qual a BBC News Brasil teve acesso, aponta a contrariedade da pasta em relação a pontos do projeto.
Segundo o documento, o licenciamento por adesão a empreendimentos de médio porte é “temerário” e a isenção de licenciamento para atividades agropecuárias é “tecnicamente inadequada e juridicamente frágil”.
Segundo Suely Araújo, ex-presidente do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e atual coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, uma organização da sociedade civil, a alteração proposta no texto faria com que 90% dos empreendimentos do país passassem a ficar isentos de uma avaliação sobre seus impactos ambientais.
“Se isso for aprovado, nós estaremos matando o licenciamento ambiental. É a mãe de todas as boiadas”, diz Araújo.]
“O risco é voltarmos a cenários como o que tínhamos até os anos 1980, em que locais como Cubatão eram conhecidos pelos altos índices de contaminação.”
A ex-ministra da Agricultura e atual senadora Tereza Cristina (PP-MS), por outro lado, rebate as críticas.
“A lei destrava. Ela traz simplificação, mas não traz fragilização da lei. As punições para quem não tiver (o licenciamento) são, inclusive, mais duras do que as que temos hoje”, disse a parlamentar em entrevista coletiva na terça-feira (20/5).
O senador Jayme Campos (União Brasil-MT) disse, ao defender a mudança, que haveria no Brasil 5 mil obras paradas por falta de licenciamento ambiental.
“Isto é um crime de lesa-pátria! Há dinheiro que muitas vezes está sendo desperdiçado, pois inicia-se a obra e, daqui a pouco, surge uma intervenção, seja do Ibama, seja das secretarias estaduais, e paralisa a obra”, disse Campos durante o debate sobre o projeto em uma comissão do Senado na terça-feira,
Suely Araújo, no entanto, pontua que o projeto poderia ter impacto em projetos localizados em áreas sensíveis.
Um deles é a pavimentação da BR-319, que liga Rondônia ao Amazonas. Atualmente, a obra está parada porque, por seu porte, precisa de um licenciamento ambiental completo.
O texto em tramitação no Senado, prevê, por exemplo, que projetos como asfaltamento de rodovias já existentes poderiam passar pelo licenciamento mais simples.
A obra é defendida por empresários e políticos dos dois Estados que criticam o isolamento terrestre do Amazonas. A rodovia é a única ligação rodoviária entre o Estado e o Centro-Sul do Brasil.
Ambientalistas e moradores da região, no entanto, avaliam que a obra poderia atrair um processo de ocupação desordenada para a região e aumentar o desmatamento em uma das áreas mais preservadas da Amazônia.
Outro projeto que poderia ser impactado é a exploração de petróleo. O texto prevê a dispensa do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) para atividades como a perfuração de poços exploratórios.
Suely Araújo diz que uma mudança nas regras ambientais possivelmente não teria impacto sobre a avaliação do Ibama em relação ao bloco 59 localizado na Foz da Bacia Sedimentar do Rio Amazonas, na Costa do Amapá, porque o processo já está em curso.
O projeto é encampado pela Petrobras. Por outro lado, essas novas normas poderiam ser aplicadas aos 47 blocos exploratórios que deverão ir a leilão em junho deste ano.
Em nota, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) rebateu as alegações de que o projeto teria impactos sobre a exploração na Foz do Amazonas ou na BR-319.
“No caso da exploração de petróleo na Foz do Amazonas, por exemplo, a competência para o licenciamento continua sendo exclusiva do Ibama, que já exige estudos rigorosos”, disse a FPA.
Sobre a rodovia, a FPA afirmou que “por sua localização e impacto ambiental, o chamado trecho do meio da rodovia seguirá sujeito a licenciamento completo, uma vez que as intervenções previstas se enquadram como nova implantação em área sensível da Amazônia”.
Ainda de acordo com a bancada, “a existência de uma lei geral de licenciamento ambiental vai proporcionar segurança jurídica tanto para empreendedores quanto para órgãos de controle ambiental”.
Divisões e contradições do governo
A tramitação do projeto expôs divisões dentro do governo Lula. Inicialmente, a bancada governista estava orientada a aprovar o projeto. Nas últimas três semanas, o MMA passou a realizar reuniões com parlamentares e outros integrantes do governo em uma mobilização contra o projeto.
A iniciativa foi liderada pelo secretário-executivo da pasta, João Paulo Ribeiro Capobianco. Após essa série de reuniões, a orientação em relação ao projeto mudou. O presidente da Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado, o petista Fabiano Contarato (ES), divulgou em suas redes sociais na terça-feira que votará contra o projeto.
A divisão na base governista, porém, ficou ainda mais evidente nas últimas semanas, quando Marina Silva e Carlos Fávaro se manifestaram de formas opostas.
“O PL 2.159/2021, que pode ser aprovado na semana que vem, contém vários pontos que, na nossa avaliação, trazem um grande retrocesso”, disse Marina Silva em uma postagem em suas redes sociais.
Fávaro, por sua vez, defendeu o projeto após almoçar com ruralistas na terça-feira, enquanto o projeto tramitava pelas comissões do Senado.
“O projeto de lei avança e melhora o licenciamento ambiental brasileiro. Isso vai ser um marco no desenvolvimento do nosso país”, disse ao lado do presidente da FPA, o deputado federal Pedro Lupion (PP-PR).
A falta de força da bancada governista ficou evidente durante a tramitação do projeto nas comissões de Meio Ambiente (CMA) e Agricultura e Reforma Agrária (CRA) do Senado. Apesar da indicação da bancada do PT para votar contra a proposta, o projeto foi aprovado sem dificuldades, abrindo caminho para a sua votação no plenário.
Para Gabriela Nepomuceno, analista de políticas públicas da organização não governamental Greenpeace Brasil, o avanço da proposta e falta de força do governo no Congresso Nacional.
“Há um posicionamento do governo para votar contra o projeto no Plenário. Sentimos o apoio da liderança do governo, mas mesmo assim, com uma força insuficiente para derrubar a articulação que a bancada do agro tem no Congresso Nacional”, diz Nepomuceno à BBC News Brasil.
Ela pontua que essa falta de força ficaria acentuada pelo atual momento político, em que o governo enfrente a possibilidade de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) para investigar fraudes no Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) e luta para aprovar pautas de seu interesse como a nova tabela do Imposto de Renda para pessoa física.
Apesar disso, ela avalia, o governo brasileiro ficará em uma situação constrangedora caso o projeto seja aprovado tão próximo da realização da COP30.
“Vai ser uma vergonha muito grande, porque, de um lado, o governo se movimenta para encontrar mecanismos de financiamento para projetos socioambientais. De outro, o país vota uma legislação que vai em sentido contrário”, afirma Nepomuceno.
Para Suely Araújo, diversos pontos do projeto de lei seriam inconstitucionais, o que abriria a possibilidade de o tema ir parar no STF: “Caso ele seja aprovado, vai haver uma grande judicialização do tema”.
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