
Durante os anos de perda de vegetação, a floresta tropical passou de um armazenador de dióxido de carbono para um emissor de carbono. Mas a seca de décadas não transformou a floresta tropical em uma savana. O Rio Curuá corre perto do projeto Esecaflor, onde cientistas simulam a seca para entender como a floresta tropical pode responder a um futuro mais seco, na Floresta Nacional de Caxiuana
AP Photo/Jorge Saenz
Após uma curta caminhada sob a densa cobertura vegetal da Amazônia, a floresta se abre abruptamente. Troncos caídos apodrecem, as árvores ficam mais esparsas e a temperatura sobe em locais onde a luz solar atinge o solo. É assim que 24 anos de seca severa se apresentam na maior floresta tropical do mundo.
Mas este pedaço de floresta degradada, do tamanho de um campo de futebol, é um experimento científico. Lançado em 2000 por cientistas brasileiros e britânicos, o Esecaflor — abreviação de “Projeto de Estudo da Seca Florestal” em português — propôs-se a simular um futuro em que as mudanças climáticas poderiam esgotar as chuvas na Amazônia. É o projeto do gênero mais antigo do mundo e se tornou fonte de dezenas de artigos acadêmicos em áreas que vão da meteorologia à ecologia e fisiologia.
Compreender como a seca pode afetar a Amazônia, uma área duas vezes maior que a Índia e que abrange vários países da América do Sul, tem implicações que vão muito além da região.
A floresta tropical armazena uma quantidade enorme de dióxido de carbono, um gás de efeito estufa que é o principal fator das mudanças climáticas.
Segundo um estudo, a Amazônia armazena o equivalente a dois anos de emissões globais de carbono, provenientes principalmente da queima de carvão, petróleo e gasolina.
Quando as árvores são cortadas ou murcham e morrem devido à seca, elas liberam na atmosfera o carbono que estavam armazenando, o que acelera o aquecimento global.
O pesquisadora Ari Miranda Gomes coleta seiva de uma árvore no projeto Esecaflor
AP Photo/Jorge Saenz
Criando condições de seca e observando os resultados
Para simular o estresse causado pela seca, o projeto, localizado na Floresta Nacional de Caxiuana, instalou cerca de 6.000 painéis retangulares de plástico transparente em um hectare (2,5 acres), desviando cerca de 50% da chuva do solo da floresta. Eles foram instalados a um metro acima do solo (3,3 pés) nas laterais e a quatro metros acima do solo no centro. A água foi canalizada para calhas e canalizada por meio de valas cavadas ao redor do perímetro do terreno.
Ao lado, um terreno idêntico foi deixado intocado para servir como controle. Em ambas as áreas, instrumentos foram fixados em árvores, colocados no solo e enterrados para medir a umidade do solo, a temperatura do ar, o crescimento das árvores, o fluxo de seiva e o desenvolvimento das raízes, entre outros dados. Duas torres metálicas ficam acima de cada terreno.
Em cada torre, radares da NASA medem a quantidade de água presente nas plantas, o que ajuda os pesquisadores a entender o estresse geral da floresta. Os dados são enviados ao Laboratório de Propulsão a Jato da agência espacial, na Califórnia, onde são processados.
“Inicialmente, a floresta parecia resistente à seca”, disse Lucy Rowland, professora de ecologia na Universidade de Exeter.
No entanto, isso começou a mudar cerca de 8 anos depois. “Observamos um declínio realmente grande na biomassa, grandes perdas e mortalidade das árvores maiores”, disse Rowland.
Isso resultou na perda de aproximadamente 40% do peso total da vegetação e do carbono armazenado nela.
As principais descobertas foram detalhadas em um estudo publicado em maio na revista Nature Ecology & Evolution. Ele mostra que, durante os anos de perda de vegetação, a floresta tropical passou de um sumidouro de carbono, ou seja, um armazenador de dióxido de carbono, para um emissor de carbono, antes de finalmente se estabilizar.
Havia uma boa notícia: a seca de décadas não transformou a floresta tropical em uma savana, ou uma grande planície gramada, como estudos anteriores baseados em modelos haviam previsto.
Próximos passos incluem medir a recuperação da floresta
Em novembro, a maior parte das 6.000 coberturas plásticas transparentes foi removida e agora os cientistas estão observando como a floresta se transforma. Atualmente, não há uma data para o término do projeto.
“A floresta já se adaptou. Agora queremos entender o que acontece a seguir”, disse o meteorologista João de Athaydes, vice-coordenador do Esecaflor, professor da Universidade Federal do Pará e coautor do estudo da Nature. “A ideia é verificar se a floresta consegue se regenerar e retornar ao estado inicial de quando iniciamos o projeto.”
Durante uma visita em abril, Athaydes guiou jornalistas da Associated Press pelo local, que abrigava muitos pesquisadores. A área era tão remota que a maioria dos pesquisadores havia feito uma viagem de barco de um dia inteiro partindo da cidade de Belém, que sediará as próximas negociações climáticas anuais da ONU ainda este ano. Durante os dias em campo, os cientistas ficaram na Base Científica Ferreira Penna do Museu Emílio Goeldi, a algumas centenas de metros dos lotes. Quatro equipes estavam trabalhando:
Uma coletou amostras de solo para medir o crescimento das raízes na camada superficial.
Outra coletou dados meteorológicos e monitorou a temperatura e a umidade do solo.
Uma terceira mediu a umidade da vegetação e o fluxo de seiva.
A quarta se concentrou na fisiologia vegetal.
“Sabemos muito pouco sobre como a seca influencia os processos do solo”, disse a ecologista Rachel Selman, pesquisadora da Universidade de Edimburgo e uma das coautoras do estudo da Nature, durante um intervalo.
A simulação de seca da Esecaflor traça alguns paralelos com os últimos dois anos, quando grande parte da floresta amazônica, sob a influência do El Niño e o impacto das mudanças climáticas, sofreu seus períodos de seca mais severos já registrados.
As consequências devastadoras variaram da morte de dezenas de botos devido ao aquecimento e ao recuo das águas a vastos incêndios florestais em áreas de vegetação nativa.
Rowland explicou que o recente El Niño trouxe impactos intensos e de curto prazo para a Amazônia, não apenas pela redução das chuvas, mas também por picos de temperatura e déficit de pressão de vapor, uma medida de quão seco o ar está. Em contraste, o experimento da Esecaflor se concentrou apenas na manipulação da umidade do solo para estudar os efeitos de mudanças de longo prazo na precipitação.
“Mas, em ambos os casos, estamos observando uma perda da capacidade da floresta de absorver carbono”, disse ela. “Em vez disso, o carbono está sendo liberado de volta para a atmosfera, juntamente com a perda de cobertura florestal.”
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