Itapuã vai representar o Brasil em Paris com show de samba

No dia 19 de junho o palco do Théâtre de l’Alliance Française, em Paris, vai se tornar um território conquistado pela Bahia. Mais especificamente um espaço dominado por Itapuã. Não o bairro das canções turísticas, mas o dos sambas de terreiro, dos cantos de matriz africana e das cirandas que brotam como poesia. O Festival de L’imaginaire, realizado na capital francesa, contará com apresentação do grupo Rumo do Vento, formado por vozes e mãos que moldaram o som do bairro litorâneo de Salvador ao longo de décadas.O espetáculo Samba de Itapuã terá apresentação única e será uma “oferenda musical”, de acordo com o diretor do show, o músico Amadeu Alves. “Esse é o encontro da arte da cultura popular e da maestria”, comenta. Ele conta que o nome da banda não foi escolhido por acaso. Criado pelo compositor, músico e integrante do grupo, Seu Régi de Itapuã, o título Rumo do Vento combina com a ocasião. “Agora o grupo ganha asas”, diz Amadeu. “Estamos seguindo o vento que nos leva para além-mar, para o centro da cultura mundial”.A travessia começa em Salvador, mas se ancora em um cenário que antecede o concreto e os arranha-céus que se espalham pela capital de hoje em dia. Amadeu lembra que, antes da década de 70, o bairro de Itapuã era chamado de “interior” pelos soteropolitanos: “Porque estava longe do centro”.O show leva ao palco francês a mistura de litoral com sertão, cidade com roça, como sintetiza Dona Salvadora, integrante do grupo nascida na cidade de Taperoá, no Baixo Sul da Bahia. “Eu trouxe meus sambas do interior, mas também fiz músicas aqui em Itapuã, tem uma que é inspirada na Lagoa do Abaeté”, conta. Aos 69 anos, Dona Salvadora nunca fez uma viagem de avião: “Estou feliz da vida. É muita alegria ir para Paris”.A felicidade do momento, no entanto, não vem sozinha. A emoção se costura com o rigor da preparação e o respeito pela tradição. O grupo ensaia há mais de um mês e meio. “Fazemos ensaio geral com todos os músicos toda semana, por três horas”, diz Amadeu. Com Dona Salvadora e Seu Régi de Itapuã, há uma passagem de repertório todos os dias. “Uma coisa é cantar livre numa roda de samba. Lá, é um espetáculo. É um trabalho, precisa desse compromisso”.O repertório do show entrelaça composições de Amadeu, de Seu Régi, cantos de terreiro e sambas de domínio público. O espetáculo começa com uma menção à cultura nordestina, com um arranjo da música Asa Branca, clássico de 1947, de autoria da dupla Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira.Seu Régi entra no palco entoando um baião, seguido de samba e ijexá. Em seguida, Dona Salvadora traz cantos de religiões de matriz africana, samba de roda e ciranda. “O show é Samba de Itapuã, mas com amplitude”, explica Amadeu. “É um corpo só com várias pulsações”.No centro deste ritmo está Seu Régi. O baiano carrega no peito mais de seis décadas de música e a felicidade de viver este momento. “A importância de levar o samba de Salvador para a França é enorme. Parece um sonho”, diz ele. “Quero que o mundo saiba que o samba é mais que música – é cultura viva que veio dos nossos ancestrais”.

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MatrizSeu Régi começou a compor aos 13 anos e tem mais de 60 músicas inspiradas em Itapuã. Muitas delas foram gravadas por artistas reconhecidos como as cantoras Margareth Menezes e Juliana Ribeiro. Ele diz que até hoje não entendeu muito bem como funciona o processo de composição.”Só vem na minha mente e sai, a música é algo divino para mim”, conta. Para Amadeu, o sentido de missão perpassa por todo o projeto. “Seu Régi é raridade, matriz de uma cultura que precisa ser preservada”, afirma.Para o diretor do espetáculo, Dona Salvadora tem um tipo de saber que não se aprende na escola. Ela se formou musicalmente entre o interior da Bahia e os espaços populares de Salvador, com raízes nas manifestações culturais e na tradição oral do samba de roda.Intérprete de voz marcante, compositora, poeta e sambadeira, ela atua há mais de 15 anos em projetos culturais na capital baiana. Para ela, é uma satisfação grande apresentar ao público estrangeiro os cantos de Itapuã. “Vou levar uma mensagem de alegria e de amor, é o que eu sinto”, declara.O Festival de L’Imaginaire, que será realizado entre os dias 13 e 22 de junho, celebra a diversidade das expressões artísticas do mundo. Na programação deste ano, o Rumo do Vento divide o palco com artistas da Argentina, Síria, Armênia, Oriente Médio e Espanha.Os detalhes mostram como Rumo do Vento está preparado para chegar em Paris. Um pandeiro na mão de Seu Régi; um ponto entoado por Dona Salvadora; o sopro da flauta de Tito Fukunaga; a cadência do tambor de Eliezer Freitas e Ênio Bernardes; a voz doce e firme de Juliana Alves – e o fio invisível da ancestralidade.”Se o vento sopra, Itapuã vai junto”, comenta Amadeu acrescentando que o show foi pensado para animar a todos. Dona Salvadora diz estar preparada para a ocasião. “Posso ter 69 anos, mas eu boto pra quebrar no samba”, resume entre risos.

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