A Justiça Federal anulou o relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) que deu origem à operação “Sem Desconto”, responsável por revelar um dos maiores escândalos de fraudes contra aposentados no INSS. A decisão compromete não apenas parte central das provas já levantadas, como também levanta dúvidas sobre a capacidade do sistema judicial brasileiro de punir crimes financeiros de alta complexidade envolvendo poder político, sindicatos e grandes escritórios de advocacia.
O documento anulado havia sido decisivo para a deflagração da operação da Polícia Federal. Com base nas movimentações financeiras atípicas apontadas pelo COAF, os investigadores chegaram a um esquema de lobby, desvio de recursos e fraudes em descontos consignados com estimativas que apontam bilhões de reais desviados. Agora, todos os indícios obtidos por meio do relatório são considerados juridicamente nulos, pois, segundo a Justiça, a análise de dados ocorreu sem autorização judicial.
O argumento da “pesca probatória” e os impactos da decisão
A fundamentação usada para a anulação se baseia no conceito de “pesca probatória” prática considerada abusiva na qual autoridades acessam dados indiscriminadamente em busca de eventuais ilegalidades. O juiz federal Máximo Palazolo afirmou que não se pode permitir a coleta irrestrita de informações sem indícios prévios, pois isso fere direitos fundamentais e abre brechas para abusos estatais.
Embora o argumento tenha base legal e resguarde garantias individuais, o momento e o caso concreto geraram críticas severas. Comentaristas como Roberto Mota, Luiz Felipe D’Ávila e Cristiano Beraldo, que participavam de programa jornalístico na Jovem Pan, alertaram para o risco de a Justiça brasileira estar operando com “dois pesos e duas medidas”.
Segundo Beraldo, essa decisão reforça a percepção de que “há dois Brasis”: um onde as leis são aplicadas com rigor contra os mais vulneráveis e outro onde poderosos, com bons advogados, conseguem escapar das consequências. Já Mota destacou a assimetria na aplicação da lei e a seletividade das garantias constitucionais: “Não é a regra que está errada, é o fato de ela ser aplicada só para quem tem acesso a grandes escritórios”.
Risco de impunidade e efeito dominó
Outro ponto de preocupação levantado por analistas é o possível “efeito dominó”. A decisão judicial foi baseada em um pedido de nulidade apresentado pela associação de aposentados do mutualismo, uma das entidades mencionadas no relatório da CGU. Com a anulação, há possibilidade de que outras entidades e investigados recorram à mesma estratégia, paralisando ou mesmo derrubando toda a investigação.
D’Ávila apontou que, sem provas robustas obtidas por vias legais, os órgãos de controle terão mais dificuldade em avançar no caso. E alertou: “A morosidade da Justiça, aliada à seletividade, está corroendo a credibilidade do sistema legal e alimentando o sentimento de impunidade no país”.
O pano de fundo político e a blindagem institucional
Além dos aspectos técnicos da decisão, há um pano de fundo político evidente. O caso envolve sindicatos, associações e figuras próximas ao núcleo político de Brasília. Há suspeitas, inclusive, de envolvimento de familiares de ministros e integrantes de tribunais superiores. Declarações como a do presidente da República, pedindo “calma” nas investigações, levantaram suspeitas sobre possíveis tentativas de blindagem institucional.
“Estamos falando de bilhões desviados de aposentados que enfrentam filas e descaso para reaver seu dinheiro. Mas, agora, o discurso é de cautela, de não precipitação”, ironizou Beraldo. “A justiça pede calma com corruptos, mas não com o cidadão comum.”
Justiça desigual e seletiva: o sintoma mais grave
O ponto central, segundo os comentaristas, é que decisões como essa evidenciam o colapso do princípio da igualdade perante a lei. Casos similares de ilegalidade na obtenção de provas mesmo com flagrantes, como o de um piloto com 435 kg de cocaína também resultaram em absolvições. O resultado é um sistema que protege os poderosos e fragiliza o combate à corrupção estrutural.
“Não há problema na exigência de legalidade nas provas. O problema é quando esse critério só vale para alguns”, concluiu Roberto Mota. “Isso compromete o Estado de Direito e reforça a percepção de que, no Brasil, justiça virou sinônimo de privilégio.”
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