Vale a pena ver Extermínio 3? Filme é diferente de tudo que você espera

Vinte e dois anos após redefinir o terror zumbi com o clássico Extermínio (2002), Danny Boyle retorna ao universo devastado pelo vírus da raiva com uma proposta surpreendentemente íntima e emocional. Extermínio: A Evolução não tenta replicar o choque visceral do original, mas se reinventa como um drama de amadurecimento disfarçado de terror apocalíptico.Se o primeiro filme era um grito de desespero coletivo e o segundo, uma alegoria militarizada sobre controle estatal, o terceiro capítulo mergulha nas fissuras da convivência humana diante do fim do mundo. Filmado com iPhones pelo diretor de fotografia Anthony Dod Mantle, o longa investe em uma estética frenética e imersiva, refletindo o olhar confuso e acelerado de uma criança crescendo entre os escombros de uma nação isolada.A estética escolhida por Boyle reflete o estado de uma comunidade que, em muitos aspectos, parece ter regredido à Idade Média tardia. Com uma fotografia que dialoga com a nostalgia de tempos de guerra, Anthony Dod Mantle combina essa atmosfera com flashes multimídia, criando imagens que reforçam o que ainda resiste na memória cultural dos personagens.

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Uma falsa normalidade no fim do mundoAmbientado três décadas após o início da infecção, o filme apresenta a Ilha Sagrada, uma comunidade isolada no norte da Inglaterra, conectada ao continente apenas por uma estrada que só pode ser atravessada na maré baixa. Algumas das tradições da ilha são inerentemente retrógradas e conservadoras, como o próprio rito de passagem que Jamie (Aaron Taylor-Johnson) prepara para seu filho Spike (Alfie Williams): atravessar a estrada e matar infectados com arco e flechas, fabricados pelo ancião da vila que também cuida de Isla (Jodie Comer), a mãe doente do garoto.É uma missão perigosa, mas não é como se eles estivessem caçando por alimento ou suprimentos. Trata-se de um ritual para garantir que os membros da comunidade matarão quando for necessário. Boyle e o roteirista Alex Garland retratam uma rotina onde a violência é normalizada e a infância é moldada pela necessidade de aprender a matar em prol da sobrevivência da comunidade. A relação de Spike com o pai expõe um machismo quase ritualístico, onde a masculinidade agressiva está atrelada à habilidade de matar infectados.O rito de passagem, porém, é mais perigoso do que o esperado. Spike e Jamie se deparam com diferentes tipos de infectados: além dos corredores clássicos com roupas apodrecidas, agora há os “rastejadores”, que se arrastam devorando vermes, e os brutais “alfas”, infectados de grande porte que aguentam impactos quase sobre-humanos. A introdução dessas novas variantes dá ao filme uma estética que por vezes flerta com o caricatural, lembrando jogos de videogame como The Last of Us.

O que o filme sacrifica em sustos tradicionais, compensa com uma tensão mais peculiar

|  Foto: Divulgação

Dividida em duas expedições, a primeira com Spike e o pai, em seu rito de passagem para aprender a dizimar infectados, e a segunda, quando Spike retorna com a mãe em uma jornada de descobertas e busca pela vida — a narrativa é episódica, mas unificada por um estudo da morte em todas as suas formas.Quando o drama humano supera o terrorMais do que cenas de perseguições e carnificina, Extermínio: A Evolução se destaca por seu olhar sensível para as relações humanas em meio ao caos. Spike se impressiona menos com os zumbis e mais com a vastidão do mundo que habita: campos, florestas e até uma fogueira distante e estranha, mantida por um ex-médico tão louco que até Jamie evita se aproximar.É a partir desse momento que o filme abraça de vez sua natureza de drama emocional. Frustrado por achar que o pai desistiu de Isla, e moldado pela crença de que proteger os seus a qualquer custo é a única expressão válida de masculinidade, Spike rouba algumas flechas e retorna ao continente com a mãe. 

O filme transita tonalmente de um thriller para uma elegia pastoral

|  Foto: Divulgação

A câmera de Dod Mantle segue Spike de perto, com uma fotografia granulada e hiper-realista que nos coloca dentro do olhar infantil diante da morte e da perda. Ralph Fiennes, em mais uma performance multifacetada, surge como o excêntrico Dr. Kelson, uma figura que mistura humor e melancolia, servindo como um mentor distorcido para Spike. O filme transita tonalmente de um thriller para uma elegia pastoral, aprofundando sua mitologia e entregando uma análise sobre vida e morte.Com uma atuação intensa e visceral de Jodie Comer, que dá vida a uma mulher travando uma batalha contra a própria mente, uma performance surpreendentemente comovente do estreante Alfie Williams e uma presença sólida e envolvente de Aaron Taylor-Johnson, o filme compensa a ausência de sustos tradicionais com uma tensão emocional constante e desconfortável. Mais honesto do que muitas produções que tentaram humanizar zumbis no passado, Extermínio: A Evolução se torna cada vez mais obcecado pela ideia de que a linha entre “nós” e “eles” é tênue — e, no fim das contas, apenas uma questão de perspectiva.Um ensaio sobre o luto e o instinto de sobrevivênciaEnquanto a ação continua presente — com sequências de impacto como o ataque a uma sala cheia de crianças ou as caçadas de infectados em florestas desoladas — é no subtexto que Danny Boyle encontra seu verdadeiro terror.A raiva que a sociedade ocidental fomenta contra si mesma e a fragilidade de uma espécie cujo instinto individual de autopreservação sempre foi sua maior ameaça à sobrevivência coletiva, estão no centro da narrativa. Enquanto nossos entes queridos vivem para sempre em nossos pensamentos e orações, multidões anônimas sendo dizimadas em algum outro país não são importantes e poderiam muito bem nunca terem existido.A metáfora se constrói ao longo da narrativa: o isolamento geográfico e emocional da Ilha Sagrada reflete uma sociedade que prefere esquecer o que acontece além de suas fronteiras, mesmo que isso signifique transformar o resto do país em um cemitério.Um novo tipo de filme de zumbiMais tenso do que propriamente assustador, Extermínio: A Evolução entrega o gore e os sustos típicos de uma produção de grande estúdio, mas sem a intenção de recriar o terror imediato da crise inicia vivida no filme de 2002. Em vez disso, o longa se dedica a explorar as cicatrizes deixadas por uma catástrofe que, ao longo das décadas, passou a fazer parte da rotina e da formação das gerações seguintes.Apesar de alguns momentos de narrativa incompleta e de um final claramente preparado para uma sequência — com The Bone Temple previsto para 2026 —, Extermínio: A Evolução é uma adição bem-vinda à franquia. Mais reflexivo, é um filme intenso tanto pelas suas cenas de ação quanto emocionalmente.Extermínio: A Evolução é, no fim, um filme sobre amadurecimento em meio ao caos. Uma aventura de terror que transforma medo em curiosidade, desespero em aceitação e que prova, mais uma vez, que mesmo em um mundo devastado, a história mais importante ainda é a de como seguimos em frente.Vale a pena assistir nos cinemas?No fim das contas, sim, Extermínio: A Evolução vale o ingresso, especialmente para quem está aberto a um tipo de cinema que vai além da simples carnificina. Quem entrar na sala esperando apenas sustos e ação desenfreada talvez estranhe o tom mais contemplativo e emocional, mas quem embarcar na proposta vai encontrar um capítulo corajoso e, acima de tudo, necessário dentro da franquia.Horários, cinemas e mais: acesse o Cineinsite AQUI e veja onde os filmes estão passando.Confira o trailer:

*Sob supervisão de Bianca Carneiro

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