Com terapias modernas, câncer caminha para se tornar doença crônica controlável, dizem médicos


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No fim de 2022, Izabella Barroso, então com 33 anos, notou um sangramento esporádico nas fezes. O intestino sempre funcionou bem, ela dizia com orgulho. Ativa, saudável, sem vícios nem comorbidades, nunca imaginou que o incômodo discreto poderia ser sinal de câncer.
Foi inicialmente diagnosticada com hemorroidas, mas, mesmo medicada, o problema não cessou. Procurou, então, uma segunda opinião, e foi submetida a uma retossigmoidoscopia, exame que analisa o cólon e o intestino grosso. Do médico, ouviu o diagnóstico de forma direta: “Você tem uma neoplasia maligna”.
Izabella Barroso
Arquivo Pessoal
O choque foi inevitável. Ela passou por duas cirurgias — uma para retirada do tumor e outra, meses depois, para reverter a ostomia e religar o intestino. Não precisou de quimioterapia nem radioterapia. “Foi devastador, mas o diagnóstico precoce me salvou. Hoje, estou em remissão”, conta Izabella. Sua história representa um movimento silencioso e cada vez mais evidente: o câncer não escolhe idade, e a medicina está deixando de tratá-lo como uma sentença de morte.
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Para especialistas ouvidos pelo g1, a doença caminha para um novo status: o de condição crônica e controlável, semelhante ao que se vive hoje com o HIV ou a diabetes.
“O câncer será algo com que as pessoas vão conviver por anos. Não vamos erradicá-lo, mas vamos aprender a controlá-lo”, diz o oncologista Stephen Stefani, da Oncoclínicas e da Americas Health Foundation.
Por que se fala tanto em cronificação?
A cronificação significa transformar uma doença aguda e potencialmente fatal em uma condição que pode ser acompanhada por longo prazo, com qualidade de vida. “Alguns tipos de câncer já são tratados assim. O paciente não está curado, mas também não está em sofrimento ou à beira da morte. Ele vive com a doença sob controle, às vezes por décadas”, explica Stefani.
Essa virada vem sendo impulsionada por três pilares:
Diagnóstico precoce. Quanto mais cedo o tumor é detectado, maiores as chances de intervenção eficaz.
Terapias personalizadas. Medicamentos que atacam mutações específicas, com menos efeitos colaterais.
Mudanças no estilo de vida. Exercícios físicos, alimentação saudável e acompanhamento contínuo reduzem riscos de recidiva.
Na prática, isso significa que o câncer começa a se comportar como outras doenças crônicas. “Há pacientes com metástases vivendo há mais de 10 anos com boa qualidade de vida. Isso era impensável até pouco tempo”, afirma Carlos Donnarumma, gerente nacional de oncologia da Rede Total Care.
Personalização dos tratamentos
A medicina oncológica vive uma transição importante: está deixando de tratar todos os tumores da mesma forma e passando a individualizar os tratamentos, com base nas características moleculares de cada tumor.
“Não se fala mais em tratar só o câncer de pulmão, mama ou intestino. Hoje, a gente olha para a mutação que aquele tumor tem e decide o tratamento com base nisso”, explica Stefani.
Três medicamentos com essa lógica já estão disponíveis no Brasil:
Larotrectinibe, indicado para tumores com fusão NTRK (rara, mas altamente responsiva).
Pembrolizumabe, para casos com alta carga mutacional (TMB).
Enhertu (trastuzumabe deruxtecana), voltado a tumores com expressão do HER2.
Embora a quimioterapia e a radioterapia sejam os tratamentos mais comuns –e muitas vezes, os únicos ofertados na rede pública, há novos tipos de terapia individual mostrando cada vez mais eficácia. São eles:
Imunoterapia, que estimula o sistema imunológico a atacar o tumor.
Terapias-alvo, que inibem mutações específicas.
Terapias conjugadas, que unem anticorpos e quimioterapia para atacar diretamente a célula cancerígena.
Terapias teranósticas, que unem diagnóstico por imagem e tratamento com radiofármacos. A tecnologia funciona como um “cavalo de Troia”: identifica o tumor por imagem e, em seguida, leva o remédio diretamente até ele.
CAR-T cell, que manipula células de defesa do próprio paciente para combater o câncer. Ainda é restrita a poucos tipos de câncer não-sólido.
E há uma nova fronteira em discussão: as doses ultrabaixas de imunoterapia, que mostraram respostas promissoras em testes com menor toxicidade e mais acessibilidade — algo especialmente relevante em países com desigualdades como o Brasil.
Izabella Barroso, em remissão de câncer colorretal há dois anos.
Arquivo Pessoal
Um novo perfil: câncer em pessoas cada vez mais jovens
Izabella é parte de uma estatística crescente. Casos de câncer em pessoas com menos de 50 anos cresceram 79% pelo mundo nas últimas três décadas. “Muitos desses pacientes não têm histórico familiar, o que mostra que o problema está muito mais ligado a fatores ambientais e comportamentais”, alerta Rodrigo Nascimento Pinheiro, presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica.
Sedentarismo, obesidade, alimentação ultraprocessada, poluição e até a exposição a microplásticos estão entre os fatores apontados por especialistas como possíveis causas.
Segundo Vladmir Cordeiro de Lima, oncologista e pesquisador do Centro de Referência de Tumores Torácicos do A.C. Camargo Cancer Center, há outro ponto fundamental:
“Vivemos mais e, quanto mais se vive, maior a chance de ter câncer. O câncer é parte do envelhecimento celular. Nosso corpo erra na divisão celular, mesmo sem influência externa. Não dá para falar em erradicação total da doença.”
Acesso desigual à cronificação
Se por um lado a ciência avança, por outro o sistema de saúde brasileiro mostra limitações. “A maior parte dos avanços está disponível no setor privado. No Sistema Único de Saúde (SUS), muitas dessas terapias ainda não são realidade”, lamenta Donnarumma.
No Brasil, o câncer já é a segunda principal causa de morte e deve assumir o primeiro lugar nos próximos anos. No entanto, menos de 4% do orçamento federal da saúde é destinado à oncologia. “É um investimento pequeno para um problema gigantesco. E mesmo assim, os recursos são mal distribuídos. Falta acesso à cirurgia, aos exames, à biópsia”, diz Pinheiro.
“Não sou mais a mesma Izabella”
Dois anos após o diagnóstico, Izabella vive em remissão –só pode se dizer curada após cinco anos sem manifestação da doença. Ainda faz exames regulares, segue acompanhamento oncológico e psiquiátrico, e tenta, aos poucos, reconstruir sua rotina. “Tem dias em que meu intestino não responde bem. Tem dias em que o medo bate forte. Mas estou aqui, voltando a viver”, diz.
Após ter sido abandonada pela namorada durante o tratamento, ela conheceu outra pessoa, voltou a trabalhar e planeja morar com a companheira. “Achei que não conseguiria mais fazer essas coisas. E agora estou vivendo tudo isso de novo.”
“A Izabella de antes não existe mais. Mas a de agora está viva. E cheia de planos.”
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